O recém-aprovado projeto que tira o limite de barulho para shows e grandes eventos na cidade de São Paulo tem sido criticado por associações e especialistas. Há sinalização de uma nova judicialização, como a que ocorreu há dois anos, que demoveu uma lei que promovia mudança semelhante na capital paulista.
A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) tem defendido que a alteração no Programa Silêncio Urbano (PSIU) “segue na direção de consolidar o papel de São Paulo como capital de eventos e fomento à geração de emprego e renda”. Além disso, diz que a mudança entrará em vigor apenas após uma regulamentação, a qual poderia incluir um novo limite de ruído ou de horário.
Com o texto aprovado, as atividades mencionadas e instituições de ensino passam a integrar uma lista de exceções ao PSIU, assim como sirenes de viaturas, aparelhos sonoros de propaganda eleitoral, passeatas, desfiles e outros. Segundo a legislação municipal, eventos de grande porte são aqueles com público de 5.001 a 40 mil pessoas.
Hoje, há multa do PSIU, com penalidade que pode resultar até mesmo no fechamento do local no caso de sucessivas reincidências. A limitação vai de 40 a 65 decibéis, a depender do horário e tipo de zoneamento, porém não se aplica a obras, que têm limite superior (até 85 decibéis).
Para discutir a questão, o Estadão procurou o físico Marcelo Aquilino, que é pesquisador do Laboratório de Conforto Ambiental do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Para ele, o projeto aprovado é “bastante preocupante”.
“Acaba sendo um retrocesso importante em relação ao que está acontecendo no mundo. O mundo inteiro tem limites de ruído”, declarou. “Hoje, a lei não estabelece proibições para festividades religiosas, reuniões desportivas, carnavais, fanfarra de música desde autorizados previamente. Todas ocorrem sazonalmente, não são rotineiras”, compara.
“A questão dos shows é que se abre precedente para a amplificação sonora não sazonal: pode ter show em dois, três, dias por semana (no mesmo local). Passa a ser uma rotina a que as pessoas vão ficar expostas”, completa. Para ele, primeiramente, devia-se ter discutido o novo regramento e, depois, a eventual aprovação ou não.
Confira abaixo mais trechos da entrevista:
Como vê o impacto de grandes shows e eventos para a vizinhança?
São Paulo é uma capital cosmopolita onde ocorrem e ocorrerão diversos eventos importantes. E os grandes shows podem ter um impacto sonoro relevante para a vizinhança se cuidados não forem tomados. Todos os eventos que utilizam geração sonora amplificada devem apresentar isolação sonora adequada em sua envoltória e contar com controle da potência sonora emitida. Para os eventos que utilizam recursos de amplificação sonora e que ocorram de forma repetitiva, é importante que sejam estabelecidos limites sonoros a serem aferidos no interior das residências.
O que teriam de diferente em relação a outros ruídos urbanos?
O que difere os eventos como shows é a intensidade sonora e duração. Muitas vezes, o ruído desses eventos, devido a sua intensidade sonora, sobressai do ruído residual da cidade, sendo facilmente ouvido e podendo causar incômodo. Eventos que ocorrem à noite, período onde a cidade fica mais silenciosa, podem causar um nível maior de incomodidade. Os shows em geral também apresentam características imprevisíveis, mesclando períodos intermitentes de ruído e silêncio sendo também fonte de incomodidade.
Considera que deveria ser mantido o limite atual, que não diferencia shows em relação a outras atividades?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) vem apresentando estudos epidemiológicos que associam o ruído a diversas morbidades, como doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão, problemas renais, dentre outras. O excesso de ruído está associado também à baixa produtividade de trabalhadores e estudantes, além de poder provocar problemas psicológicos e perda auditiva aos expostos. A legislação brasileira estabelece níveis de ruído, conforme a região, levando-se em conta o horário e o direito ao sossego. Esses níveis estão de acordo com os parâmetros estabelecidos pela OMS. Dessa forma, é prudente que os limites sejam mantidos e exigidos para preservar a saúde e o bem-estar.
Como São Paulo deveria estar discutindo a questão do ruído? Considera que está na média de atuação nesse campo em relação a outras cidades do Brasil e do mundo?
A gestão do ruído urbano é um desafio tanto para São Paulo quanto para qualquer outra cidade do mundo. O enfrentamento do problema da poluição sonora deve ser feito em conjunto entre a sociedade civil, o poder público e a área técnica. Campanhas de conscientização são fundamentais para o esclarecimento dos malefícios da exposição ao ruído excessivo. Comparada a outras cidades do Brasil e do mundo, São Paulo está em um estágio intermediário de atuação. Temos legislações e normas técnicas que versam sobre o assunto, temos uma lei que prevê a construção de um mapeamento de ruído da cidade. Dessa forma, havendo conscientização da população do poder público e área técnica sobre a problemática do ruído nas cidades, será possível a construção de um plano robusto para o enfrentamento da poluição sonora e garantindo saúde e bem-estar para a população - sem deixar de lado o desenvolvimento econômico com qualidade de vida aos habitantes.
O projeto também flexibiliza ruídos para instituições de ensino. Como vê a mudança nesse aspecto?
Instituições de ensino podem ter flexibilizações desde que não prejudiquem a vizinhança, especialmente em áreas residenciais. Deve ser abordada a questão com equilíbrio para que as atividades educacionais possam ocorrer sem causar distúrbios significativos. Essas são questões complexas que exigem um debate equilibrado e informado para encontrar soluções que atendam às necessidades de todos os envolvidos.
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