Por causa de uma tentativa de assalto sofrida no mês passado, a médica Marília Dalprá, de 67 anos, foi obrigada a abandonar um hábito matinal de 15 anos. Ela costumava sair para correr antes do amanhecer em um circuito restrito aos arredores de sua casa, no Parque Continental, zona oeste de São Paulo.
A rotina, no entanto, foi interrompida de forma brutal por dois ladrões em uma motocicleta. Os bandidos foram agressivos com a médica, derrubada com uma rasteira. A vítima ainda recebeu chutes pelo corpo e teve a mão mordida por um dos criminosos, que tentou arrancar a sua aliança com os dentes. Por fim, a dupla não levou nada - Marília deixava o celular em casa quando saía para se exercitar.
A cena foi filmada por câmeras de monitoramento. O suspeito de conduzir a moto foi preso preventivamente, segundo a Secretaria da Segurança Pública do Estado. Conforme a pasta, o 93º Distrito Policial (Jaguaré) investiga o caso para identificar e prender o segundo envolvido.
Embora os roubos no Estado tenham atingido no ano passado o menor nível da série histórica, iniciada em 2001, uma onda de crimes violentos, como esse que envolveu Marília, tem assustado os paulistanos.
“Você não ter liberdade de fazer uma atividade física no seu bairro é triste”, disse a médica em relato para a série de reportagens Vítimas da Violência, lançada pelo Estadão, para reunir histórias e depoimentos de pessoas que sofreram - e ainda sofrem - os efeitos do aumento da insegurança em São Paulo.
A violenta abordagem marcou o corpo de Marília: ela teve quatro costelas quebradas e parte do pulmão comprometida. “Tenho menos fôlego. Se falo muito rápido, tenho um pouco de falta de ar”, afirma ela, que se viu obrigada a deixar de praticar sua corrida. “É impactante para uma pessoa acostumada a correr todo dia parar de correr. E tive de parar tanto pelas fraturas como pelo problema pulmonar”.
Leia também
Além das dores, o trauma a desencorajada a sair de casa em muitos momentos. “É triste não ter a liberdade para correr na rua. Sentia o ar puro, gostava de ver as árvores, as flores, a natureza”, diz.
Correr nas primeiras horas do dia ajudava Marília a dar conta das tarefas da sua agenda e lhe dava a sensação de uma rotina ativa. “Esse horário era bom porque meu dia rendia muito”, diz. “Mas agora não posso mais correr quando ainda está escuro. Tenho receio, e a família não quer também.”
Os assaltos mudaram também a percepção de Marília sobre o Parque Continental, onde vive há mais de 30 anos com o marido. “Era considerado um bairro tranquilo, seguro, tem posto policial perto”, relata.

Dados da Secretaria da Segurança Pública apontam que os roubos no distrito policial do Jaguaré, que atende a região, não subiram: em janeiro, último mês com dados disponíveis, foram registrados 64 casos, ante 66 no mesmo período de 2024. No entanto, os furtos saltaram 20% no mesmo recorte: de 109 para 131.
A própria Marília foi umas das vítimas de furto na região há cerca de um ano. Ela teve a casa invadida enquanto estava em Aparecida do Norte, no interior do Estado, em uma viagem que durou apenas uma tarde. “Quando cheguei em casa, estava tudo de pernas para o ar, tudo arrombado, as roupas de armário no chão e o cofre aberto”, diz. Entre os objetos levados, estavam as joias da família.
Apesar da pressão dos filhos para se mudar para um condomínio fechado, ela diz que não pretende deixar o endereço. A sensação, porém, é de que a criminalidade empurra os moradores para uma reclusão forçada. “A gente fica à mercê”, afirma. “É como um colega meu falou: a gente agora é prisioneiro, tem de ficar em casa. Eles (bandidos) é que estão soltos por aí, assaltando.”
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem afirmado reorientar o policiamento conforme os índices criminais e defende endurecer as penas, para evitar a soltura de presos e o risco de reincidência criminal.