SÃO PAULO - A vendedora Maria Cristina Quirino Portugal estava com raiva do filho Denys Henrique Quirino da Silva, de 16 anos. Ele havia saído para trabalhar na tarde de sábado e até a manhã deste domingo, 1º, não tinha dado notícia. A informação sobre o seu paradeiro veio do pior modo possível: o hospital telefonou informando sobre a morte do jovem em tumulto no baile funk de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Mais oito pessoas morreram na confusão, que começou após chegada da PM ao local.
Moradora do bairro do Limão, na zona norte, onde vive com os quatro filhos, Maria Cristina não entendeu como o filho foi parar em um baile funk tão longe de casa. “Ele saiu para trabalhar e não voltou. Até receber a ligação do hospital, eu estava brava com ele, escrevi um textão cobrando mais consciência e isso só passou quando o vi gelado no IML”, disse a mãe da vítima, em frente ao 89.º Distrito Policial (DP), onde o caso está sendo investigado. Ela acredita que foi a primeira vez que o filho, que era auxiliar de serviços gerais em uma loja de tapetes, tinha ido a esse baile.
Maria Cristina contou que cresceu na Brasilândia, na zona norte, onde a muvuca de bailes funk a incomodava bastante. Sobre a ação policial, porém, acredita que poderia ter sido feita de forma a evitar a confusão. “Nasci e cresci em periferia e sei que nem todo mundo ali é bandido. Ao contrário. Sou a favor da polícia, mas isso que aconteceu não poderia ter acontecido, sou cidadã. A estratégia tem de ser diferente, sem bala de borracha, sem gás. Tem de acabar com os bailes antes de começarem. Caso contrário, outras mães vão perder seus filhos”, disse.
O corpo do seu filho, contou, não tinha nenhuma marca mais expressiva que pudesse explicar a morte, como alguma perfuração de tiro, o que, para ela, em um primeiro momento, tornou plausível a explicação de pisoteamento. “Não tem marca de nada, mas ele não conseguiu se defender”, lamentou. “Estou vazia. Ele estava no local errado, na hora errada.”
Horas depois, no IML, Maria Cristina voltou a reforçar as críticas à ação policial. Ela disse ter ido à tarde ao local onde as mortes aconteceram e ter visto vídeos gravados por moradores. “Depois dos vídeos, agora acho que meu filho foi assassinado pela polícia. Não tem outra explicação. Eles estavam batendo e chutando as pessoas nas vielas. O que eu vejo agora é que ocorreu uma chacina.”
O irmão de Denys, Danylo Amílcar, de 19 anos, reforçou o protesto contra a ação policial. “Meu irmão não era um bandido e morreu. Precisamos ter uma investigação justa. Foi uma ação truculenta na favela. É muito fácil falar que foram pisoteados e ficar por isso mesmo.” À noite, ele sustentava que a ausência de marcas na roupa do irmão sugeria que não houve um pisoteamento e que ele teria sido morto de outra forma.
Procura
No fim da tarde, o ascensorista Roberto de Oliveira, de 44 anos, chegou ao Hospital Municipal do Campo Limpo, na zona sul da capital, procurando informações sobre o sobrinho Gustavo Cruz Xavier, de 14 anos. Ele sabia que o jovem tinha ido ao baile e, nos vídeos que circularam nas redes sociais, identificou o garoto. “No vídeo, ele está caído e desacordado. Não era a primeira vez que ele ia ao baile e ele voltava, no máximo, às 7 horas. Mas (desta vez) ele não apareceu”, disse.
Oliveira tentou confirmar que o sobrinho estava no hospital, mas não conseguiu. Ele conta que o jovem estava sem os documentos. Por volta das 18 horas, o ascensorista foi para a unidade central do Instituto Médico Legal (IML), onde estavam as vítimas sem identificação. Pouco mais de uma hora depois, veio a confirmação de que o jovem era uma das vítimas fatais. “Acabei de fazer o reconhecimento pela foto. Infelizmente, era ele.”
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