JORNAL DA TARDE
Assustado com a movimentação de policiais perto de um bar que frequentava nos fins de semana, Angenor (nome fictício) resolveu voltar mais cedo para casa naquele domingo de abril. Em seu veículo, comprado a prestações, foi interceptado por uma moto a 700 metros da blitz que tanto o preocupava. A motocicleta era pilotada por um homem de capacete com uma pistola automática. Assim que colocou as mãos para cima, Angenor foi atingido por cinco tiros, todos nas costas.
Ele foi uma das vítimas da onda de violência da Baixada Santista, que terminou com 23 pessoas mortas em abril. É testemunha do grupo de extermínio chamado de "PMs ninjas". Amanhã, faz dois meses que foi registrada a primeira morte. A série de crimes provocou a prisão de 18 PMs, mas apenas quatro continuam detidos.
"Acho que fui atingido por engano. Confundiram meu carro com o de um traficante. O homem da moto chegou atirando sem falar absolutamente nada. Mas não conseguiria reconhecer quem atirou porque ele usava capacete", conta. Angenor foi socorrido por um conhecido. Apesar dos ferimentos, ficou consciente o tempo todo. "Pensei que fosse morrer. Foi tudo muito rápido. O primeiro tiro pegou na coluna do carro, mas os outros me acertaram. Dois foram à queima-roupa", lembra.
Paraplégico. Ao chegar ao hospital, o rapaz percebeu pela primeira vez que não sentia mais as pernas. Uma das balas atingiu sua coluna cervical e pode deixá-lo paraplégico. "Minha vida era a família, o futebolzinho com os amigos nos fins de semana e o trabalho. Nada muito diferente da maioria dos brasileiros. Tiraram isso de mim. Hoje estou aqui nessa cama sem sentir direito minhas pernas", lamenta.
Casado e pai de um filho, Angenor tinha trabalho fixo. De família religiosa, nunca teve problemas com a polícia. Após 52 dias e duas cirurgias, deixou o hospital e agora se mostra esperançoso. "Quero voltar a andar logo. Tenho família para sustentar. A pior fase foi quando fiquei no hospital. Chegaram a dizer que não andaria mais. Só que agora estou mais confiante", diz Angenor, que já faz sessões de fisioterapia.
Questionados se pretendem entrar com alguma ação na Justiça contra o Estado, Angenor e seu pai afirmam que não decidiram. "A gente não sabe ainda. Temos medo do que pode acontecer com todos nós", diz o pai. A mesma preocupação é da mulher de Angenor, a dona de casa Alessandra. "Queremos esquecer tudo isso. A vida de meu marido é o mais importante. Foi um choque muito grande."
Para lembrar
Por volta das 18 horas de 26 de abril, o soldado Paulo Raphael Pires, de 27 anos, foi executado com mais de dez tiros de fuzil quando seguia para a casa de um parente. Segundo a polícia, a morte dele foi o estopim para a série de assassinatos na Baixada Santista. O soldado da Força Tática teria sido morto por ordem de um traficante do Guarujá, Eduardo Rodrigues do Nascimento, o Eduardinho. O criminoso estaria revoltado com as incursões do soldado em favelas comandadas por ele. Paulo Raphael estava indo com frequência à favela por causa do sumiço do irmão de um outro policial. O desaparecido era acusado de abusar sexualmente de algumas crianças em uma comunidade do Guarujá. O sumiço teria ocorrido após julgamento feito por criminosos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.