Apenas 6,36% dos motoristas – ou 1,5 milhão de todos os 24 milhões de condutores habilitados no Estado de São Paulo – acumularam 20 ou mais pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nos últimos 12 meses, ficando sujeitos a ter o documento suspenso por excesso de multas. No Estado, que reúne o maior número de motoristas do País, houve queda no total de CNHs suspensas por excesso de multas no ano passado.
Os dados do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP) contradizem os argumentos usados pelo governo federal para justificar o aumento do limite de 20 para 40 pontos na carteira em projeto de lei enviado anteontem pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso. O texto propõe alterar outros pontos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), como ampliar a validade do documento de cinco para dez anos. Segundo o Detran, 2,9% (715 mil motoristas) superam os 40 pontos em São Paulo.
Na justificativa do projeto, em documento assinado pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, que, por praxe, é enviado anexo a textos legislativos para os parlamentares, o governo afirma que “a atual complexidade do trânsito brasileiro cada vez mais gera a possibilidade de o condutor levar uma autuação do trânsito, ainda que não tenha a intenção de cometê-la”, e que “alcançar os 20 pontos está cada dia mais comum na conjuntura brasileira”.
Mas, segundo estatísticas do Detran-SP, o total de perdas de CNH está em queda: 560 mil condutores tiveram a carteira suspensa em 2017. No ano passado, o número caiu para 434 mil. De janeiro a abril deste ano, foram 152 mil autos de suspensão – 38,2 mil na média mensal. É próximo dos 36,2 mil do ano anterior e abaixo da média de 2017: 47,7 mil CNHs suspensas.
O Estado questionou o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e a Presidência sobre os estudos que deram base ao novo projeto. Em resposta, o governo enviou somente o link que leva ao próprio PL e sua justificativa.
Impacto
Outro dado obtido com o Detran é o de “pontos ativos” – aqueles que os condutores receberam nos últimos 12 meses e ainda estão válidos. Há 17,9 milhões de CNHs sem nenhum ponto (ou seja, com nenhum registro de infração) e 4,7 milhões com pontuação entre 3 e 19 pontos.
Segundo o engenheiro de trânsito Luiz Célio Bottura, ex-ombudsman da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), “o motorista chega aos 15 pontos e começa a ter juízo”. “Tira o pé, passa a dirigir com mais cuidado”, diz. “Se você mudar o limite para 40 pontos, só vai começar a fazer isso quanto chegar nos 30 pontos, vai cometer mais infrações”, diz. “As consequências econômicas disso serão muito graves. As vítimas em geral são homens, entre 18 e 40 anos, que deixam de contribuir para o INSS (0 Instituto Nacional do Seguro Social)”, afirma.
Presidente da Comissão de Trânsito da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rosan Coimbra destaca que os dados de Detrans podem trazer distorções. Há casos de irregularidades, como motoristas sem nenhum ponto que transferem o ônus da infração para outros condutores. E, do outro lado, aqueles com número elevado de pontos, por terem recebido essas sanções no lugar de outros motoristas.
Coimbra lembra ainda que, ainda em 2010, o Código de Trânsito já havia sofrido alterações para abrandar as punições para infratores. Na época, quem dirigia na estrada em velocidade 20% acima dos limites da via perdia a carta. Agora, isso só ocorre para quem corre 50% acima do limite.
Limites
O Estado também compilou dados sobre veículos infratores na capital paulista, com dados da CET. São 8,8 milhões de veículos emplacados na cidade (há estimativas de que a frota circulante seja de 5 milhões). Nos dois primeiros meses deste ano, só 3.119 motoristas foram multados três vezes ou mais nas duas categorias mais graves de velocidade, (conduzir o veículo em velocidade acima de 20% e acima de 50%). / COLABORARAM ANA PAULA NIEDERAUER e CECÍLIA DO LAGO
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