Entenda motivo de suspensão da obra da Sena Madureira, na Vila Mariana; Nunes diz que vai recorrer

Justiça determinou paralisação e pediu perícia sobre necessidade de remoção de 172 árvores, como prevê projeto; Gestão municipal alega ter licenças e diz que obra irá melhorar o trânsito

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Atualização:

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), afirmou que vai recorrer da liminar do Tribunal de Justiça do Estado, expedida na última quarta-feira, 13, que determinou a suspensão das obras de construção de dois túneis na Rua Sena Madureira, na Vila Mariana, zona sul da capital, e a interrupção no serviço de derrubada de árvores.

“Nós vamos recorrer, não tenho dúvidas de que a gente vai derrubar essa decisão e que vamos dar continuidade nessa obra, porque estamos fazendo tudo certo”, disse Nunes em coletiva de imprensa em agenda pública na manhã desta quinta, 14. Ele visitou um centro educacional na zona norte e foi questionado sobre o assunto.

Ativistas e moradores da Vila Mariana têm se reunido na região da Rua Sena Madureira para protestar contra a remoção de árvores para a obra, assim como a retirada de uma comunidade que fica da Rua Sousa Ramos, outro ponto de acesso aos túneis. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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A liminar foi assinada pelo juiz Marcelo Sergio, da 2.ª Vara de Fazenda Pública.

A medida acabou sendo reforçada por uma nova determinação da Justiça de São Paulo, que também suspendeu as obras em resposta a um recurso ajuizado pelo deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) e a vereadora Luna Zarattini (PT) e pela associação de moradores da comunidade Souza Lopes, cujos moradores terão de ser removidos caso os túneis sejam construídos.

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Neste segundo caso, que já está em segunda instância, o desembargador Luiz Fernando Rodrigues Guerra, da 2.ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, determinou a suspensão do contrato de construção.

O magistrado considerou as presenças de uma nascente natural próximo à Rua Maurício Francisco Klabin com a Rua Afonso Celso, e também do Córrego Embuaçu na região; e ainda que o local onde os túneis estão sendo feitos é uma área de preservação permanente, uma APP.

“(...) Justifica-se a suspensão liminar do Contrato Administrativo nº054/SIURB/11, sendo pertinente, ao menos neste momento de cognição sumária, a paralisação de quaisquer atividades que possam acarretar mais danos ao meio ambiente, em respeito ao princípio da precaução”, afirma o desembargador.

Sobre esta nova decisão da Justiça, a Prefeitura e a construtora Álya, que lidera o consórcio responsável pelas obras, ainda não comentaram.

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O projeto de construção dos túneis prevê a remoção de 172 árvores, com replantio de 266 mudas após a conclusão. O corte da vegetação é alvo de críticas e constantes protestos de moradores do bairro e ambientalistas.

“A gente atende plenamente a legislação, as compensações ambientais. Árvores vão ser removidas? Vão ser removidas. Mas muitas serão plantadas, de acordo com o nosso certificado de licenciamento ambiental”, afirmou o prefeito nesta quinta. “Quando a gente fala em melhorar o trânsito, a gente melhora o meio ambiente, porque você emite menos dióxido de carbono”, completou Nunes.

O prefeito reclamou ainda que sucessivas obras de sua gestão estão recebendo liminares da Justiça para interrupção, a exemplo do Aquático SP, o transporte hidroviário da represa Billings, que foi investigado por suposto dano ambiental à represa. “Respeito o Judiciário, mas evidentemente deixo aqui o meu descontentamento. Tem sido constante essas interferências em um momento em que a gente está discutindo”, reclamou.

O que exatamente é a obra na Rua Sena Madureira, Vila Mariana?

Segundo a Prefeitura, o projeto prevê a construção de dois túneis com duas faixas cada, em sentidos contrários no cruzamento da Rua Sena Madureira com a Rua Domingos de Morais. A gestão diz que a obra “beneficiará mais de 800 mil pessoas” que circulam na região da Vila Mariana diariamente para acessar a Avenida Ricardo Jafet, que faz ponte com a Rodovia dos Imigrantes e a região do Ipiranga.

“A intervenção prevê melhor fluidez do trânsito, comportando ônibus e veículos utilitários e garantindo a interligação entre a Vila Mariana, Ipiranga, Itaim Bibi e Morumbi”, afirma a Prefeitura. Dados sobre o nível de congestionamento na região atualmente não foram divulgados.

A conexão com a Ricardo Jafet ocorrerá pelas ruas Vergueiro e Embuaçu, que devem receber “adequações viárias de sinalização”. Os túneis terminam a cerca de 1,2 quilômetros da avenida:

  • Um deles terá início na Rua Souza Ramos e desemboque na Rua Sena Madureira, na altura da Rua Botucatu, totalizando 977 metros de túnel, intervenções de emboque e desemboque e galerias;
  • Já o outro sairá da Rua Sena Madureira, próximo à Rua Mairinque, e desembocará na área pública municipal próximo à Rua Sousa Ramos, na Chácara Klabin. São 674 metros no total.

Interdições começaram a ser feitas na região em outubro. A Prefeitura fechou duas faixas de rolamento, uma em cada sentido da Sena Madureira. Já na região da Rua Sousa Ramos, o aterramento de um córrego começou a ser feito.

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Quais as críticas dos moradores e ambientalistas?

Além da derrubada de árvores centenárias que compõem hoje um corredor verde na Rua Sena Madureira, os manifestantes criticam as intervenções em uma área que, conforme a nova versão do Plano Diretor, de 2023, são de interesse social para moradia popular e de proteção ambiental. Cerca de 200 famílias que vivem uma comunidade na Rua Sousa Ramos terão que sair para dar lugar aos túneis.

Conforme o mapa de áreas do novo Plano Diretor, parte das construções passa porzonas especiais de Proteção Ambiental (ZEPAM) e de Interesse Social 1 (ZEIS-1). Mas na época em que o projeto dos túneis foi criado e o contrato assinado, há mais de dez anos, essas marcações ainda não existiam.

  • Parte das obras de túneis na Vila Mariana será na Zona Especial de Proteção Ambiental que fica entre as ruas Maurício Francisco Klabin, Afonso Celso, Coronel Luis Alves e Souza Ramos. Ali, passa o córrego Embuaçu, que está sendo canalizado pela Prefeitura, além de dezenas de árvores. Esse tipo de zona, segundo o Plano Diretor, “possui vegetação significativa” e é “destinada à preservação e proteção ambiental”;
  • Ao lado da área de vegetação, está a comunidade Souza Ramos, cuja área é considerada no Plano Diretor como Zona Especial de Interesse Social 1, quando há “ocupações irregulares aptas à regularização fundiária”. Pelo tempo em que vivem ali, boa parte dos moradores têm direito à usucapião. A obra dos túneis envolveria a retirada de população desta comunidade.

“Estamos falando de árvores centenárias que serão retiradas para uma obra que foi projetada há mais de dez anos, em outro contexto, distante da crise climática que vivemos hoje”, afirma Marco Martins, arquiteto urbanista, morador da Vila Mariana e autor da representação no Ministério Público.

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“A comunidade está pacificamente neste local há cerca de 75 anos. Estávamos em processo de regularização fundiária desde 2016″, afirma Eduardo Canejo, presidente da associação de moradores da comunidade Sousa Ramos.

MP aponta possíveis descompromissos socioambientais e contratuais

Três inquéritos tramitam no MP-SP sobre a obra. Um deles pede esclarecimentos à Prefeitura sobre o motivo da contratação, visto que a empresa Áyla (antiga Queiroz Galvão) já foi demandada em ação civil de improbidade administrativa do Ministério Público Federal e ação civil pública do MP-SP “em razão de fraude na licitação relacionada ao Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo, bem como pagamento de propina”.

Como mostrou o Estadão, a gestão Ricardo Nunes (MDB) retomou o projeto dos túneis anunciado inicialmente na gestão Gilberto Kassab (2006-2012), quando foi assinado o contrato com a Queiroz Galvão. Na época, acontecia a lava jato e a obra foi embargada.

O segundo inquérito do MP-SP investiga a derrubada de árvores e poluição sonora causada pela obra. E o terceiro calcula se haverá ganhos significativos de mobilidade urbana e se a população que vive na comunidade Sousa Ramos será devidamente realocada.

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No dia 7 de setembro, o Ministério Público já havia emitido recomendação à Prefeitura para que interrompesse a obra e realizasse mais estudos ambientais. No documento, os promotores citam possíveis descompromissos socioambientais e contratuais do empreendimento, além de riscos que as obras do complexo viário podem causar à população e à cidade. “Derrubada indiscriminada de árvores” e “desmatamento de áreas de preservação permanente”, diz o texto.

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