A polícia segue na investigação do acidente envolvendo o empresário Fernando Sastre de Andrade Filho, de 24 anos, que colidiu seu carro de luxo, um Porsche 2023 avaliado em mais de R$ 1 milhão, na traseira de outro veículo, um Renault Sandero, provocando a morte de Ornaldo da Silva Viana, motorista de aplicativo de 52 anos.
O acidente foi registrado na madrugada do domingo de Páscoa, 31 de março, mas o condutor do carro de luxo apenas se apresentou no 30º Distrito Policial do Tatuapé, zona leste da capital, quase 40 horas depois da ocorrência, no dia 1° de abril - mesmo dia em que Viana foi enterrado em Guarulhos, na Grande São Paulo.
O empresário foi indiciado pelos crimes de homicídio, lesão corporal - o amigo de Fernando, que estava no banco do carona, entrou em coma - e fuga do local do crime (não prestou socorro e não fez bafômetro).
A Justiça de São Paulo negou os dois pedidos de prisão abertos pela Polícia Civil e pelo Ministério Público contra o empresário, que responde o processo em liberdade.
Em nota enviada nesta sexta-feira, 12, os advogados da família da vítima informam que Andrade Filho pagou uma fiança de R$ 500 mil como medida imposta pela Justiça, e que a defesa do condutor do Porsche teria oferecido uma ajuda financeira de um salário mínimo para os parentes de Viana.
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O pedido teria sido feito por meio de uma petição anexada ao processo, que corre em segredo de Justiça.
Carine Acardo Garcia, advogada de Fernando, afirma que não conseguiu contato com a família de Viana para ter mais informações sobre a situação financeira do núcleo familiar da vítima, e que, por esse motivo, o valor será fixado pelo Judiciário paulista, que tem contato com os parentes de Viana.
Veja o que se sabe sobre o caso.
O que aconteceu com o motorista do Porsche?
Ele responde em liberdade depois de pagar uma fiança de R$ 500 mil, segundo informou a família de Ornaldo, e ter dois pedidos de prisão negados pela Justiça de São Paulo (veja mais abaixo).
Em que ponto está a investigação no momento?
Todas as testemunhas foram ouvidas e as provas testemunhais colhidas. O caso será então analisado pelo Ministério Público e Justiça.
O motorista do Porsche bebeu antes da batida?
A polícia acredita, com base em depoimentos e diligências, que Fernando Sastre de Andrade Filho bebeu antes do acidente, que estava acima da velocidade permitida pela via no momento da batida e que não prestou socorro às vítimas. A defesa diz que o socorro foi prestado e nega que ele estivesse acima do limite de velocidade.
Antes do acidente, ele estava com um amigo de infância, Marcus Vinícius Rocha, e as respectivas namoradas, em um bar.
Conforme a reportagem apurou, segundo relato de testemunhas, o motorista do Porsche estava com voz pastosa, andar cambaleante, hálito etílico e que ele teria vomitado. Não há informação se ele bebeu na casa de pôquer, para onde o quarteto foi após jantarem no bar.
O que diz o grupo que estava com Fernando?
Marcus Vinícius Rocha e a namorada, Juliana Simões, afirmam que Fernando bebeu no bar, e que ele teria brigado com a companheira na saída da casa de pôquer porque o grupo tentava convencê-lo de que ele não deveria dirigir por estar alterado.
A namorada do empresário, por sua vez, negou que Fernando tivesse bebido e afirmou que a briga aconteceu porque ela queria ir embora da casa de pôquer, mas ele desejava continuar na jogatina porque estava vencendo.
Rocha e Juliana Simões afirmam ainda que Andrade Filho teria acelerado o Porsche - Juliana estava com a namorada do empresário em outro carro - e que estava acima da velocidade. O empresário e a namorada negam.
Quando e onde aconteceu o acidente?
Andrade Filho dirigia um Porsche 2023 avaliado em mais de R$ 1 milhão, quando na madrugada de domingo, por volta das 2h20, bateu na traseira do Renault Sandero branco que era dirigido por Viana.
Conforme imagens do acidente e relatos feitos por testemunhas à Polícia Civil, o empresário do carro de luxo seguia em alta velocidade pela Avenida Salim Farah Maluf, no Tatuapé, que tem limite de 50 km/h. Ao fazer a ultrapassagem, ele teria perdido o controle do Porsche e batido contra a traseira do Renault Sandero.
A colisão foi registrada na altura do número 1.801 da via. Por causa da gravidade, a traseira do Renault Sandero ficou completamente destruída, assim como a dianteira do Porsche. Policiais Militares da 2ª Companhia do 2º Batalhão de Trânsito foram acionados.
Quem foi a vítima da colisão?
Ornaldo da Silva Viana chegou a ser socorrido com um quadro de parada cardiorrespiratória e encaminhado ao Hospital Tatuapé. O motorista de aplicativo morreu por causa de “traumatismos múltiplos”.
Viana nasceu em Codó, no Maranhão, e morava atualmente em Guarulhos. Pai de três filhos, o motorista era evangélico da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus). Era do tipo brincalhão, extrovertido, riso fácil, de acordo com os amigos.
“Meu pai não merecia essa crueldade”, disse o filho da vítima, Lucas Morais, 28 anos, também motorista por aplicativo. A dor da perda dá espaço à indignação. “Porque não fizeram o bafômetro? Por que liberaram ele (o motorista do Porsche)? Não entendo muito de lei, mas não podem liberar ninguém depois de um acidente daquele”, afirmou ele.
Havia passageiro no Porsche?
Sim. Marcus Vinícius Rocha, amigo de Fernando Andrade Filho, estava no banco passageiro do Porsche e ficou gravemente ferido. Ele quebrou quatro costelas e ficou em coma induzido na UTI de um hospital da rede São Luiz, em São Paulo. Seu quadro chegou a ser descrito como “delicado” e ele precisou passar por duas cirurgias. Recuperado, ele prestou depoimento na última quinta-feira, 11.
Como o empresário deixou o local do acidente?
Andrade Filho deixou o local com ajuda da mãe, que disse aos policiais militares que atendiam a ocorrência que iria levar o filho ao hospital.
No registro da ocorrência, policiais que atenderam o caso afirmam que a mãe de Andrade Filho compareceu ao local e disse que levaria o filho ao Hospital São Luiz, no Ibirapuera, zona sul da cidade, para tratar de um ferimento na boca. Quando os agentes foram até ao hospital para fazer o teste do bafômetro e colher sua versão do acidente, não encontraram nenhum dos dois.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) afirma que “em atendimento a ocorrências de trânsito, a prioridade da Polícia Militar é garantir o resgate das vítimas e preservar o local do acidente - o que foi feito pelos PMs”, diz a nota.
“Na ocasião, além da vítima fatal, o motorista do Porsche, inicialmente apontado como vítima, e o passageiro do veículo também apresentavam ferimentos e foram socorridos. O primeiro, por sua genitora, enquanto o segundo foi levado por uma equipe do Samu.”
Quando ele se apresentou à polícia e o que ele disse?
Andrade Filho se entregou quase 40 horas depois da ocorrência, no mesmo dia em que Viana foi enterrado em Guarulhos, na Grande São Paulo. No depoimento, o empresário afirmou que dirigia o Porsche “um pouco acima” do limite de velocidade da Avenida Salim Farah Maluf quando bateu na traseira do veículo de Ornaldo Silva, mas não determinou qual era a velocidade que conduzia o carro de luxo.
Ele negou que estivesse sob efeito de drogas ou bebidas alcoólicas, embora testemunha tenha dito que o jovem havia bebido “alguns drinques” e parecia “um pouco alterado” antes da colisão.
Por que as prisões foram negadas?
Foram feitos dois pedidos de prisão, um temporária e outro de preventiva. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) confirmou que a Justiça negou a prisão temporária do motorista do Porsche pela falta de evidências. Na última segunda, 8, a 1ª Vara do Júri da Capital informou que foram “fixadas diversas medidas cautelares em lugar da prisão preventiva”, entre elas a entrega de passaporte para a Polícia Federal.
Quais foram os argumentos usados pela Polícia Civil para pedir a prisão preventiva?
A Polícia Civil se valeu de três argumentos principais para elaborar o pedido de prisão preventiva: excesso de velocidade, possível estado de embriaguez de Fernando no momento do acidente e a chance do investigado ir para fora do País em razão do poder aquisitivo elevado da família.
Quais são as acusações contra o motorista?
Embora o caso tenha sido registrado inicialmente como homicídio culposo (sem intenção de matar), o delegado Nelson Vinícius Alves, do 30º DP, decidiu indiciar Andrade Filho como autor de homicídio com dolo eventual, que se caracteriza quando a pessoa assume o risco de matar.
A alta velocidade é o aspecto usado pelo delegado para tipificar o dolo eventual. O empresário foi indiciado por lesão corporal ao colega que estava no banco do carona, no carro de luxo e fuga do local do acidente, sem prestar socorro às vítimas. A Polícia Civil também pediu a decretação da prisão temporária.
A mãe do empresário será indiciada também?
Não. A mãe de Andrade Filho não vai ser indiciada por ajudar o filho na fuga do local do acidente porque, segundo o delegado, o favorecimento pessoal praticado por familiar não caracteriza crime.
O delegado do 30ºDP reforçou que a mãe não levou o filho a hospital nenhum, como alegou inicialmente – apenas retirou-o do local do acidente, para evitar que ele fosse conduzido à delegacia e submetido a exame que pudesse apontar embriaguez, por exemplo.
Quem é o empresário suspeito de dirigir o Porsche que causou acidente com morte em SP?
Andrade Filho atua no mercado imobiliário e de materiais de construção civil. Entre as empresas da família, o nome de Fernando aparece no quadro de sócios da incorporadora Sastre Empreendimentos Imobiliários. Além da incorporação, a empresa atua na compra, venda, locação e loteamento de imóveis próprios.
O quadro societário é formado por quatro pessoas, todas da mesma família. Fundado em outubro de 2020, o negócio tem sede na capital paulista com investimento inicial declarado de R$ 430 mil.
Outra empresa da família é a F. Andrade, voltada para a comercialização de materiais e insumos para construção civil. É descrita como empresa de pequeno porte, também com sede em São Paulo.
E com relação aos policiais que deixaram o motorista do Porsche ir embora da cena do acidente?
A conduta dos policiais militares, que deixaram o motorista ir embora, será investigada, pela Polícia Militar e um inquérito pode ser aberto para apurar o crime de prevaricação.
O ouvidor Claudio Silva disse à reportagem do Estadão que a Ouvidoria da Polícia Civil acionou a Corregedoria da Polícia Militar para apurar a conduta dos agentes.
Policiais civis ouvidos pela reportagem sob sigilo disseram que os policiais militares demoraram quase cinco horas para comunicar o acidente com morte à delegacia.
O que disse a defesa do motorista do Porsche?
Em nota assinada pelos advogados Carine Acardo Garcia e Merhy Daychoum, a defesa considera o ocorrido como uma fatalidade, mas afirma ser prematuro ainda o julgamento do que provocou a batida. “Prematuro, neste momento, julgarmos as causas do acidente, na medida em que os laudos das perícias realizadas ainda não foram concluídos”, disse em nota. Os advogados se manifestaram após a apresentação do empresário à polícia.
A defesa do empresário também negou que o cliente tenha fugido do local do acidente e afirmou que ele apenas se “resguardou de linchamento”.
“Importante destacar que Fernando não fugiu do local do acidente, uma vez que já havia socorro sendo prestado às outras vítimas. Fernando, já devidamente qualificado pelos policiais militares de trânsito, tendo sido liberado pela Polícia Militar para que fosse encaminhado ao hospital. Contudo, por fundado receio de sofrer linchamento, já que naquele momento passou a sofrer o ‘linchamento virtual’, bem como por conta do choque causado pelo acidente e pela notícia do falecimento do motorista do outro veículo, foi necessário seu resguardo”, alega a defesa.
De acordo com a defesa do empresário, todas as circunstâncias do acidente serão devidamente apuradas no curso da investigação, com a mais ampla colaboração de Andrade Filho.
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