Entidades pedem fim de operação policial na Baixada Santista e falam em abusos da PM

Ações das tropas na região resultaram em 76 mortes, segundo relatório; Governo estadual diz agir sob legalidade e sem tolerar excessos; secretaria afirma ainda apurar todas as ocorrências

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Foto do author Gonçalo Junior
Atualização:

A Ouvidoria de Polícia de São Paulo e a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, em conjunto com movimentos sociais, pediu à gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), do governo de São Paulo, o fim imediato da Operação Escudo/Verão, além de reparação financeira coletiva por supostas violações de direitos humanos cometidas pela PM na Baixada Santista.

Conforme as entidades, as duas fases da ação já somam 76 mortes até o dia 16. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse, em nota, que as forças de segurança “são instituições legalistas que operam estritamente dentro de seu dever constitucional, seguindo protocolos operacionais rigorosos”. A pasta disse ainda que “não tolerados excessos, indisciplina ou desvios de conduta”.

Operação Escudo (foto) levou policiamento ostensivo para a Baixada Santista e Operação Verão manteve reforço de tropas na região este ano Foto: Taba Benedicto/Estadão

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As entidades pedem ainda o uso obrigatório de câmeras corporais e a criação de protocolos internos na SSP para prevenir o que chamam de “operações vingança” após a morte de policiais. As recomendações fazem parte de relatório divulgado em audiência pública nesta segunda-feira, 25. O relatório foi entregue ao Ministério Público, que vai continuar as investigações sobre as operações.

O salão nobre da Faculdade de Direito da USP ficou lotado com familiares de vítimas das operações policiais e lideranças comunitárias na Baixada Santista, além de representantes de movimentos sociais.

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O documento traz denúncias de supostas execução sumária, tortura, obstrução proposital das câmeras corporais, fraude processual com alteração de local de crime, modificação das cenas do crime, ameaças e intimidações em Guarujá, São Vicente, Santos e Cubatão.

“Não viemos falar mal da polícia. Não tem problema a polícia entrar no território. O que não queremos é que a polícia ataque as pessoas e tire o direito à cidadania”, afirma Claudio Silva, ouvidor das Polícias do Estado.

O relatório também destaca a vitimização dos agentes de segurança. Em 2023, o número de PMs assassinados no horário de serviço aumentou 38%, segundo as entidades. “A política de segurança é uma política que gera mortes de pessoas nas periferias e faz crescer a mortalidade de policiais”, diz Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

As entidades afirmam que as evidências foram obtidas por meio dos boletins de ocorrência, certidões de óbito, oitivas de testemunhas, laudos necroscópicos, reportagens, além de discursos oficiais da polícia e do poder público,

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O documento apresenta oito casos envolvendo 12 vítimas e 2 feridos. Das execuções documentadas, 11 eram homens negros, sendo um deles uma pessoa negra com deficiência.

Em um dos episódios, um pedreiro de 33 anos foi atingido por um disparo de fuzil de longa distância que o atingiu no braço na comunidade Saboó, em Santos, em 14 de fevereiro. Testemunhas disseram que, após o primeiro disparo, os policiais da Rota se aproximaram e fizeram mais quatro disparos.

Ele teria suplicado por sua vida, segundo o relato no relatório. Já de acordo com o boletim de ocorrência, a equipe em solo se aproximou e, mesmo ferido com um tiro de fuzil, a vítima teria feito menção de atirar nos policiais, que reagiram.

“O relatório vai se somar às investigações que já estão sendo feitas por um grupo especial criado no Ministério Público”, disse a promotora Daniela Favaro.

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Questionada sobre se o MP pediria o fim da operação, a promotora afirmou: “Não temos ingerência sobre o governo. Nosso compromisso é investigar os fatos”.

Ainda em nota sobre o relatório das entidades, a SSP afirmou que todas os casos de mortes decorrentes de intervenção policialsão rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar, com o acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário”.

Além disso, completa o Estado, “a Corregedoria da instituição está à disposição para formalizar e apurar toda e qualquer denúncia contra seus agentes”.

O púlpito do auditório foi ocupado por familiares e amigos de pessoas mortas durante as operações Escudo e Verão após os pronunciamentos das autoridades. Andreia MF, líder popular e moradora de São Vicente, na Baixada Santista, cedeu seu espaço de fala para uma mulher que perdeu o irmão há um mês (seu nome não será revelado por orientação da Ouvidoria e da Defensoria Pública.

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Em um dos depoimentos mais emocionantes, uma mãe declarou. “Meu filho foi fuzilado. Mais importante que ter as câmeras é ter controle. O que mais me dói é saber que os policiais que mataram meu filho desceram para a Baixada e continuam matando. Não desejo a morte a eles porque eles também têm mães. Eu morri naquele dia”, lamentou.

Parentes falam em abusos; moradores querem se mudar

Ao Estadão, parentes falam de inocentes entre os mortos pela polícia. “Meu pai não era traficante, mas quem mora na favela não tem voz”, disse à reportagem a filha do catador de lixo José Marcos Nunes da Silva, de 45 anos, morto no barraco onde vivia, em São Vicente. A família diz que ele era usuário de drogas, mas não estava envolvido com o crime. Em fevereiro, a SSP disse investigar o caso.

Em Santos, moradores relatam medo e até desejo de se mudar. “Não queria me mudar, mas estou assustado”, disse à reportagem o aposentado Aluízio Barbosa, de 69 anos, que vive na área onde um PMs foi morto no mês passado.

Entre os familiares dos PMs que morreram em ação, o clima também é de revolta. “Nossa família está dilacerada”, disse ao Estadão o policial civil Antônio Marcos Cosmo, pai do PM Samuel Wesley, que morreu assassinado aos 35 anos, em fevereiro. “Você não vê hoje uma política de segurança do País, de apoio aos policiais como base legal forte, nem política do Estado voltada para isso. É por isso, que entra dia, sai dia, morre um, morre outro.”

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A Baixada Santista tem visto escalada da violência nos últimos anos. Um dos motivos é a proximidade do Porto de Santos, principal via de escoamento de drogas para o exterior pelo Primeiro Comando da Capital.

Como o Estadão mostrou, a facção tem usado até mergulhadores para esconder cocaína nos cascos de navios e usado cargas para a Ásia e a Oceania, menos fiscalizadas, na tentativa de driblar as autoridades.

Tarcísio ironiza denúncia por letalidade policial na ONU: ‘Não estou nem aí'

O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi denunciado no início do mês no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em razão das mortes pelas ações policiais na Baixada.

Em resposta à denúncia, protocolada pela Conectas Direitos Humanos e pela Comissão Arns, Tarcísio defendeu as tropas e foi irônico. “Temos muita tranquilidade com relação ao que está sendo feito. A pessoa pode ir para a ONU, para a Liga da Justiça, para o raio que o parta, eu não estou nem aí”, disse.

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MP disse que policiais forjaram confronto e tamparam câmeras em 2023

Dois agentes da Rota, batalhão de elite da Polícia Militar, tornaram-se réus em dezembro por homicídio duplamente qualificado após a Justiça receber denúncia oferecida pelo Ministério Público do Estado (MP-SP) pela morte de um morador em comunidade no Guarujá, em operação em julho do ano passado. A vítima foi identificada como Rogério Andrade de Jesus.

No documento, ao qual o Estadão teve acesso, Eduardo de Freitas Araújo e Augusto Vinícius Santos de Oliveira são acusados de tampar suas câmeras corporais e plantar uma arma de fogo para forjar um confronto. Araújo, segundo a investigação, deu um tiro de fuzil em Rogério dentro da própria casa da vítima.

Em dezembro, a SSP informou que iria afastar os PMs e que analisava o denúncia. A reportagem não conseguiu localizar a defesa dos agentes na época.

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