As ONGs Educafro e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos abriram uma ação civil pública contra a rede francesa de supermercados Carrefour por crimes de racismo que teriam sido cometidos em duas unidades, em São Paulo e Curitiba (PR), no último final de semana. A empresa afirma que afastou os colaboradores envolvidos nos casos e reafirma sua postura de tolerância zero contra qualquer tipo de racismo.
A ação judicial foi aberta menos de três anos depois que a rede se dispôs a pagar R$ 115 milhões como reparação pela morte do soldador negro João Alberto Freitas, espancado por seguranças em uma unidade de Porto Alegre, em novembro de 2020.
O documento, encaminhado à Vara Cível de Barueri (SP) nesta terça-feira, 11, pede exatamente o mesmo valor (R$ 115 milhões) como reparação por danos morais e coletivos, além da inclusão de profissionais negros no Conselho de Administração da empresa.
“A nova ação é fruto da constatação de que o caso João Alberto não foi uma crise, mas o reflexo de uma cultura corporativa, apesar das promessas públicas de alterar os padrões internos e a forma de tratar a inclusão e a diversidade”, afirma Márlon Reis, advogado da Educafro. “Aquele grave episódio não surtiu nenhum efeito pedagógico”, diz.
A ação se baseia em dois episódios recentes. No dia 7, Vinicius de Paula, marido de Fabiana Claudino, bicampeã olímpica de vôlei, publicou um vídeo nas redes sociais acusando a empresa de prática discriminatória de cunho racista. O homem, que é negro, afirma que tentou usar um caixa preferencial sem clientes em Alphaville, mas a funcionária recusou atendimento, alegando que poderia receber uma multa se o atendesse.
Ao se dirigir a outro caixa, Vinícius viu a mesma atendente receber uma cliente branca. “Ninguém soube explicar, mas eu sei o que aconteceu. Sei o que senti. Se o Carrefour não fosse uma empresa com histórico racista, eu ia dizer que foi simplesmente uma situação não comum”, disse Vinícius“.
O advogado Hédio Silva Jr. também lembra os episódios recentes ocorridos em unidades da rede. “O que o Vinícius de Paula passou é crime. Está absolutamente traumatizado. Pelo jeito, o Carrefour não implantou nenhum programa significativo e substantivo (para combater o racismo). Dessa vez isso não vai ficar impune”, afirmou o advogado Hédio Silva Jr.
Professora fez protesto de calcinha e sutiã em Curitiba
Nesta segunda-feira, 10, a Polícia Civil de Curitiba abriu inquérito para investigar o crime de racismo que teria sido cometido contra a professora Isabel Oliveira em uma unidade da rede Atacadão, do grupo Carrefour, no bairro do Parolin.
A professora diz que foi seguida por um segurança dentro do estabelecimento por mais de 30 minutos e chegou a questioná-lo sobre a atitude. Mais tarde, ela voltou para finalizar suas compras apenas de calcinha e sutiã para provar que não estava furtando nenhum produto. A ação foi transmitida em seu perfil no Instagram. “Quando eu vim vestida, havia um segurança atrás de mim. Eu voltei, agora nua, para levar a latinha de leite para a minha bebê e mostrar que não estou roubando nada”, disse a professora para uma atendente.
O caso ganhou repercussão nacional e chegou a ser citado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu discurso na reunião dos 100 dias de governo, como “mais um caso de racismo do Carrefour”.
Carrefour afirma que afastou colaboradores envolvidos nos dois casos
Em nota, o Grupo Carrefour Brasil informou que está à disposição das autoridades e das entidades para prestar todas as informações e contribuir com o que for necessário.
Em relação aos acontecimentos recentes, a empresa reafirmou sua postura de “tolerância zero contra qualquer tipo de racismo e informa que agiu rapidamente com a implementação de medidas imediatas em ambas as situações”. “No caso do Sr. Vinicius, a colaboradora envolvida foi imediatamente afastada pela gerência e desligada no mesmo dia. E, no caso da sra. Isabel, a companhia abriu apuração interna e suspendeu o funcionário indicado pela cliente durante o período de investigação, além de colocar as imagens das câmeras de segurança à disposição das autoridades.”
“O compromisso do Grupo Carrefour Brasil na luta antirracista vai além do discurso, com a implementação de mais de 50 ações nessa frente nos últimos dois anos”, acrescentou a empresa. “Essas ações incluem: o maior projeto de bolsas de graduação, mestrado e doutorado para pessoas negras; o Poder, programa de crescimento interno inédito aberto a todos os colaboradores negros; a parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares no primeiro curso superior para agentes de segurança antirracistas, além do Programa Racismo Zero. Hoje, metade dos 150 mil colaboradores do Grupo é negra e 40% da nossa liderança são formados por pessoas negras”, declarou.
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