Por volta das 22h30 de uma sexta-feira no final de janeiro, David Fernando, um farmacêutico, estava trabalhando atrás do balcão de uma farmácia em São Paulo quando um homem se aproximou e mostrou uma arma. “Ele pediu o dinheiro do caixa e os medicamentos da geladeira”, conta Fernando.
Hoje em dia, os farmacêuticos em São Paulo — a maior cidade do Brasil — sabem exatamente o que os ladrões querem dizer quando falam “medicamentos da geladeira”.
Eles estão atrás de Ozempic, Wegovy e Saxenda, os medicamentos injetáveis para perda de peso que muitos brasileiros desejam, mas que a maioria não pode pagar, em um país obcecado com a imagem corporal, mas onde a obesidade está em ascensão.
O ladrão fugiu com cinco caixas, cada uma contendo geralmente um suprimento para um mês, com preços entre R$ 700 e R$ 1.100.
Embora o assalto à mão armada tenha deixado Fernando, de 36 anos, nervoso, não foi exatamente uma surpresa. A mesma farmácia foi assaltada pelos mesmos medicamentos duas vezes no final de 2024, diz ele. Agora, um segurança fica do lado de fora.

Quatro quarteirões ao norte, outra farmácia adotou precauções ainda maiores depois que um policial interrompeu um assalto de Ozempic em agosto, resultando em um tiroteio que deixou uma mulher idosa ferida.
Numa tarde recente, dois seguranças armados montavam guarda: um na porta da frente e outro perto de um depósito onde os medicamentos refrigerados para perda de peso são armazenados.
Embora alguns relatos da mídia mostrem que ladrões estão atrás do Ozempic em outros lugares do mundo — incluindo arrombamentos noturnos em farmácias de Michigan e Santiago de Compostela, na Espanha — o Brasil se tornou um dos principais focos globais para criminosos que cobiçam esses medicamentos extremamente populares para emagrecimento.
São Paulo, em particular, tornou-se um ponto central porque é, por muitas medidas, a cidade mais rica do Brasil, com muitos bairros abastados onde as farmácias mantêm os medicamentos em estoque porque há pessoas suficientes que podem pagá-los. E, hoje em dia, os ladrões não têm dificuldade em encontrar compradores no WhatsApp e em grupos do Facebook.
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O alvo nos assaltos às farmácias tem deixado os funcionários temerosos e levou algumas lojas a reduzir seus estoques de remédios para emagrecer. Os roubos são “definitivamente uma tendência crescente”, comenta Pedro Ivo Corrêa dos Santos, delegado do Departamento de Investigações Criminais do Estado de São Paulo.
As farmácias costumam ser alvos fáceis, acrescenta o delegado. “Muitas funcionam 24 horas, armazenam o produto em uma geladeira sem segurança real, protegida apenas pelo farmacêutico”, observa.
Uma análise do The New York Times de um banco de dados do Estado de São Paulo mostra que os assaltos a farmácias em que Ozempic, Wegovy ou Saxenda foram roubados aumentaram significativamente nos últimos três anos, de um único episódio registrado em 2022 — quatro caixas de Ozempic levadas de uma farmácia — para 18 assaltos em 2023 e 39 no ano passado.
Os números quase certamente estão subestimados, pois cerca de metade dos roubos registrados não especificaram quais medicamentos foram levados.
A RD Saúde e o Grupo DPS, duas empresas que possuem redes de farmácias em São Paulo onde muitos dos assaltos ocorreram, recusaram-se a comentar. Muitas farmácias independentes dizem que não mantêm mais os medicamentos na loja.
“Quem tem Ozempic no estoque não consegue trabalhar em paz”, diz Wilson Martins, gerente da Farma O Imperador, uma farmácia independente na zona oeste de São Paulo. “As pessoas perguntam: ‘Tem Ozempic?’” ele acrescentou. “Não, não temos. E assim, não somos roubados.”
Agora, os clientes que desejam um dos medicamentos para emagrecimento devem encomendá-lo pessoalmente e marcar um horário para buscá-lo. Mas, por precaução, Martins, de 72 anos, ainda mantém um facão com bainha de couro atrás do balcão.

Algumas quadrilhas criminosas têm roubado caminhões que fazem entregas de Ozempic no atacado, conta Corrêa dos Santos. Uma quadrilha que a polícia desmantelou no ano passado incluía funcionários de uma empresa de transporte.
Os produtores e distribuidores de medicamentos devem relatar perdas de medicamentos resultantes de crimes ou outras razões à Anvisa, a agência brasileira que regula alimentos e remédios. Os números mostram que 4.770 canetas injetáveis de Ozempic foram roubadas ou perdidas em 2023 e esse número subiu para 8.220 em 2024.
A onda de roubos de medicamentos para emagrecer ocorre em meio a um aumento vertiginoso nas vendas desses remédios em um país onde ter um corpo definido é altamente valorizado e que, como muitos outros países, está engordando.
A porcentagem de adultos nas maiores cidades brasileiras considerados obesos aumentou para cerca de 24% em 2023, ante quase 12% em 2006, segundo um estudo do Ministério da Saúde.
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Várias celebridades brasileiras falaram publicamente sobre o uso de Ozempic ou medicamentos similares, incluindo os cantores Luiza Possi, Wesley Safadão e Jojo Todynho.
“A onda de furtos começou quando as redes sociais começaram a falar abertamente sobre o medicamento, especialmente quando celebridades e influenciadores mostraram perdas de peso drásticas”, comenta Renata Gonçalves, presidente de um sindicato de farmacêuticos do Estado de São Paulo.
Até o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, disse, durante sua campanha em 2024, que “tomou muito Ozempic” e perdeu cerca de 30 quilos, prometendo tornar o medicamento disponível gratuitamente.
“O Rio não terá mais gordinhos”, afirmou ele.

No Brasil, as vendas de Ozempic cresceram de US$ 27,5 milhões em 2019 para US$ 621,6 milhões em 2023, último ano para o qual há dados completos, segundo a IQVIA, uma provedora global de dados de saúde. (Ainda assim, o mercado brasileiro é pequeno em comparação com os Estados Unidos, onde as vendas totalizaram US$ 30,3 bilhões em 2023.)
Rodrigo Lima, que trabalhou por duas décadas em redes de farmácias e agora é diretor de operações da Ultrafarma, uma rede com sede em São Paulo, lembra que outros produtos farmacêuticos de alto custo já foram alvos no passado.
Mas o preço elevado do Ozempic, nota ele, “desencadeou uma enorme demanda por esses itens, levando à formação de quadrilhas especializadas de olho nesse mercado”.
Embora seja relativamente fácil vender e comprar remédios roubados na internet, os criminosos podem não conseguir garantir aos compradores a qualidade dos medicamentos depois de removidos da refrigeração. Vários farmacêuticos em São Paulo enfatizaram repetidamente que apenas algumas horas à temperatura ambiente tornam os medicamentos ineficazes.
“Eles levam os medicamentos para o carro em um saco de lixo”, descreve Andrea Lima, gerente de uma filial da Drogaria São Paulo, onde um policial frustrou um assalto em maio passado. “Por quanto tempo deixam no porta-malas?”
A estratégia da Ultrafarma, conta Lima, tem sido instalar câmeras de segurança melhores e reduzir o estoque nas lojas próprias.
Os bandidos do Ozempic podem em breve enfrentar uma força mais poderosa que a polícia: a economia. A patente da Novo Nordisk para a semaglutida, o ingrediente ativo do Ozempic e Wegovy, expira no Brasil em 2026, e empresas farmacêuticas correm para obter aprovação para versões genéricas, que quase certamente farão os preços despencarem.
Por enquanto, alguns farmacêuticos recorrem a uma força maior para proteção. Elis Regina Peixoto, gerente de uma farmácia na zona leste de São Paulo, que até agora não foi assaltada, declara: “Em nome de Jesus, não seremos roubados.”
Este texto foi originalmente publicado no The New York Times. Ele foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA.