Estado desiste de museu LGBT na Paulista e estuda conceder casarão de 1905

Palacete Franco de Mello é a residência mais antiga da avenida e pertenceu a um barão do café; gestão Doria analisa conceder espaço à iniciativa privada por 30 anos

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Foto do author Priscila Mengue

SÃO PAULO - O número 1.919 da Avenida Paulista traz o testemunho mais antigo do que já foi morar na mais conhecida via da cidade de São Paulo. Nesse endereço, foi erguido o Palacete Franco de Mello há 114 anos, antigo lar de um dos então maiores cafeicultores da região e protagonista de uma disputa judicial entre Estado e herdeiros durante mais de 20 anos.

Palacete Franco de Mello é a residência mais antiga da Avenida Paulista Foto: Alex Silva/Estadão

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Desde junho, o casarão está em posse da gestão João Doria (PSDB), que desistiu de torná-lo sede principal do Museu da Diversidade, o que havia sido anunciado pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB) em 2014.A proposta estadual hoje é “fazer um processo público de seleção”, cujo modelo ainda está em avaliação, segundo nota. O custo da desapropriação não é divulgado, mas o pagamento do precatório pelo governo aos herdeiros superou R$ 200 milhões no ano passado.

Em agosto, o secretário de Cultura e Economia Criativa, Sérgio Sá Leitão, defendeu que o casarão seja concedido à iniciativa privada por 30 anos durante uma reunião do Conselho Gestor do Programa de Parcerias Público-Privadas. Na ocasião, ele disse que o “investimento em novas construções e restauro” custaria R$ 36 milhões.  A proposta ainda não foi divulgada para a imprensa ou o público em geral, mas prevê a construção de “equipamentos adjacentes” no terreno.

Em nota, o Estado informou também ter contratado a “manutenção emergencial e o serviço de segurança e vigilância, para proteção”, sem especificar os tipos de reparo feitos no casarão, que não passa por restauro há décadas. O comunicado diz, ainda, que o novo espaço aberto no local terá “caráter cultural, com possibilidade de uso comercial concomitante”, de modo a “promover a ampliação da oferta cultural da cidade.”

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Além disso, o governo estadual começará a promover, ainda neste mês, sessões de projeção mapeada na fachada do casarão, sempre das 18 horas até a meia. A intervenção deve permanecer por seis meses, enquanto outras atividades culturais são planejadas para o espaço.

Associação da Parada do Orgulho LGBT critica decisão do Estado

Em 2014, Alckmin anunciou durante a Parada do Orgulho LGBT que o palacete seria transformado no Museu da Diversidade, que havia sido aberto dois anos antes na estação República, do Metrô. “A ocupação do casarão possibilitará a ampliação de ações culturais relacionadas à preservação, ao estudo e à difusão da memória da população LGBT paulista e brasileira”, descreveu release da época.

O texto assinalava que o museu também iria abordar a memória do casarão e do histórico de ocupação da Paulista. Já um anúncio publicado no Diário Oficial em 2015 apontava que o espaço seria inaugurado no ano seguinte, com biblioteca, auditório, área de lazer, café, restaurante e loja de souvenir.

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A Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT) divulgou na segunda-feira, 2, uma nota contra a desistência do projeto, na qual diz que a Secretaria de Cultura "sequer abriu um canal de diálogo com comunidade que lutou para que esse espaço existisse." 

“A Paulista é um local icônico da população, de grandes manifestações, a Parada é lá. A gente entende que o melhor lugar para o museu seria na Avenida Paulista”, argumenta Renato Viterbo, vice-presidente da entidade. “Não é só a questão de ser na Paulista, mas porque já foi gasto dinheiro (público) para fazer o projeto (de restauro)."

O casarão tem cerca de 600 metros quadrados de área construída em um terreno de 2,7 mil metros quadrados. Em estilo eclético, é tombado nas esferas estadual e municipal, o que motivou a ação dos proprietários contra o Estado, que alegavam “desapropriação indireta”. 

Casarão está fechado para obras emergenciais Foto: Alex Silva/Estadão

Palacete é o único remanescente do primeiro loteamento de casas da Paulista

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O palacete foi erguido em 1905 para ser moradia do fazendeiro de café Joaquim Franco de Mello, junto da esposa Lavínia e o filho Raphael. Segundo depoimento do bisneto do cafeicultor, o antiquário Renato Franco de Mello, o casarão foi reformado e ampliado em 1912 após projeto de um arquiteto francês, que teria modificado grande parte das características originais.

O relato do antiquário foi enviado ao governo estadual há cerca de cinco anos. No texto, o herdeiro também descreveu que a residência é composta por uma entrada, duas salas de visitas, uma sala de jantar, uma sala de almoço, três quartos e dois banheiros, além de um mirante com vista para o Vale do Anhangabaú. Além disso, originalmente detinha um jardim e um porão, derrubados durante o alargamento da Paulista.

O texto traz, ainda, a proposta de que o imóvel seja preservado e receba mobília de 1912. Falecido neste ano, Renato Franco de Mello chegou a residir no casarão nos anos 2000, período em que realizou alguns bazares no local. Na década anterior, tentou transformá-lo em boate por um breve período.

Em 2014, o governo estadual anunciou que casarão viraria Museu da Diversidade Foto: Alex Silva/Estadão

O palacete é considerado o único remanescente do primeiro assentamento da Paulista, que ainda preserva alguns espaços não residenciais mais antigos, como o Parque Trianon (1892) e o Instituto Pasteur (1904). Loteada em 1891, a via tem outros três casarões, sendo um deles a Casa das Rosas (1935), enquanto os demais são considerados exemplares tardios.

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A história do começo da avenida é muito ligada aos fazendeiros de café, embora também tenha recebido moradores estrangeiros de classe mais abastada, como pontua Maria Cecília Naclério Homem, autora do livro O Palacete Paulistano e Outras Formas de Morar da Elite Cafeeira.

Descendente de um cafeicultor, Maria Cecília pontua que os fazendeiros vieram para a capital a fim de facilitar a administração dos negócios, estabelecendo-se também no Campos Elísios e em Higienópolis. “Vieram para São Paulo depois de 1872, com a construção da ferrovia. São Paulo se transformou na capital dos fazendeiros de café.”

Governo do Estado estuda conceder casarão por 30 anos Foto: Alex Silva/Estadão

Professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), Joana Mello de Carvalho e Silva lembra que a Paulista nasceu como um empreendimento imobiliário para as elites, com casas unifamiliares. No decorrer do século 20, contudo, algumas residências passaram a ter comércio no térreo e edifícios começaram a ser erguidos, o que aumentou quando a avenida virou referência no mercado financeiro.

Mais recentemente, pontua a professora, a via passou por duas transformações, em pólo de cultura (com a inauguração de espaços como a Japan House e o Instituto Moreira Salles) e de lazer (especialmente com a consolidação da Paulista Aberta aos domingos). Dentro desse cenário, está em uma fase mais diversificada de público, que tem acesso facilitado com as estações de Metrô e pode usufruir de opções de compra com preços mais acessíveis. 

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“Em função disso, além de tudo, virou um centro de manifestação de grupos LGBT”, lembra Joana. “Por isso, foi muito interessante fazer dali um Museu da Diversidade. A casa (Franco de Mello) conta essa história do residencial da elite que virou (parte) de uma avenida com uso mais democrático, em que a população LGBT se afirmou ao longo da história.”

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