“Estamos pedindo socorro. O buracão está cada vez mais perto e a gente não vê solução”, diz o pedreiro João Fogaça, morador de Lupércio, cidade de 3.981 habitantes ameaçada pelo avanço de uma cratera gigante, na região centro-oeste do Estado de São Paulo. A cratera começou em 2007 como uma simples erosão em um terreno particular usado para plantio de lavouras, mas o buraco foi se ampliando sem controle.
Com as últimas chuvas, a voçoroca atingiu as dimensões atuais, com 300 metros de extensão, 25 de largura e 15 de profundidade, e está próxima da Rua Dr. Adamastor Ferreira Costa e da Avenida Santo Inácio, a principal da cidade. A Justiça mandou a prefeitura tomar medidas imediatas para conter a cratera, sob pena de multa de até R$ 1 milhão. A prefeitura disse que a área é particular e será desapropriada.
Uma equipe do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) vai à cidade de Lupércio, na manhã desta quarta-feira, 24, para avaliar os riscos da cratera e realizar estudos no local. O objetivo é avaliar os riscos e definir intervenções para conter o avanço da voçoroca.
A prefeitura informou ter iniciado processo de desapropriação para desapropriar o terreno. Segundo o coordenador de Obras, Miller Sampaio, a desapropriação é necessária para que o município possa investir recursos públicos em uma propriedade privada.
Ainda segundo o gestor, havia resistência do proprietário em permitir o acesso. O pedreiro Fogaça, mais conhecido como ‘Correntinha’, disse que já se passaram várias gestões sem solução. “Se pegar uma temporada de chuva forte, chega na rua e leva tudo embora”, diz.
Outros moradores também revelaram preocupação com a situação. “A história dessa cratera é bem antiga. Nasci e me criei aqui e sei que o problema já passou por várias administrações. A população está bastante assustada com isso porque ela está aumentando e, se continuar subindo em direção às casas, pode causar um grande prejuízo para os moradores”, diz o professor Márcio Martins, dono de um imóvel distante uma quadra da Rua Dr. Adamastor, a mais próxima do buraco.
Uma moradora que pediu para não ser identificada disse que a preocupação aumentou depois das últimas chuvas. “Parecia estável, mas depois das últimas chuvas, o tamanho da cratera aumentou. Moro com minha mãe em uma rua que é próxima do buraco e não tem como não se preocupar. Agora, com a repercussão que está tendo, parece que estão tomando medidas. Isso deixa a gente mais tranquila”, diz.
O vereador Gabriel Henrique Costa Santos (Republicanos), que mora em frente ao buraco, contou que a erosão já chegou a um metro da Rua Dr. Adamastor.
“Na ocasião, foi feito um reparo provisório, na verdade uma gambiarra, que se chover leva tudo embora. A prefeitura joga a culpa no proprietário, que joga para a prefeitura e fica nesse jogo. Cada chuva que dá avança de dois a três metros em direção à cidade. Fizemos um levantamento e a área erodida já chega a 4 mil metros quadrados”, diz.
Justiça ordena medidas imediatas
Na última quinta-feira, 18, atendendo acatando uma ação do Ministério Público estadual, a juíza Renata Lima Ribeiro Raia, da Comarca de Garça, determinou que a prefeitura informe quais medidas estão sendo adotadas para a contenção do processo erosivo “que avança em direção à cidade” de Lupércio, sob pena de responsabilização do administrador público pelo crime de desobediência.
Estipulou ainda multa de R$ 10 mil diários, até o valor de R$ 1 milhão, se a resposta não for enviada no prazo de cinco dias. O prazo vence na sexta-feira, 26.
Na petição, o promotor de justiça Richard Fabrício Messias afirma que o município já havia sido intimado para adotar medidas em relação à voçoroca, mas se manteve inerte.
A promotoria juntou imagens que demonstram o “sério agravamento do processo erosivo, em razão das chuvas, que avança em direção à Av. Santo Inácio (principal via da cidade) e à Rua Adamastor Ferreira da Costa (em área residencial).”
Controle é difícil, analisa especialista
O pesquisador Alfredo Borges de Campos, professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que, pela análise das imagens divulgadas, a erosão já atingiu o lençol freático, com água subterrânea, o que torna seu controle mais difícil. “É preciso fazer o disciplinamento da água das chuvas e também a drenagem das águas subterrâneas”, disse.
Segundo ele, as imagens mostram que o proprietário da área fez o terraceamento do terreno para fazer as lavouras, mas a medida foi insuficiente.
Campos aponta que a área é bastante sensível por causa do tipo de solo. “Essa região de Marília é de solos muito arenosos e frágeis para erosão pela água, que desagrega o solo com facilidade. É importante que haja um estudo técnico para fazer a correção correta.”
Para ele, os moradores têm razão em se preocuparem. “É uma situação grave, pois se trata de uma erosão ativa que cresce para a cidade. Tem de olhar bem para fazer um barramento que não permita que ela continue evoluindo”, diz.
Para o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT, dos processos erosivos que assolam áreas rurais e urbanas do País, a voçoroca é o de maior energia destrutiva.
A erosão se dá, segundo ele, pela remoção da camada superficial do solo e da cobertura vegetal, através da agricultura e urbanização, quando não acompanhadas de técnicas que evitem a ação dos agentes erosivos.
No Brasil, incluindo São Paulo, o principal agente erosivo é a água, associada a chuvas torrenciais.
“As voçorocas são ravinas que se aprofundaram a ponto de atingir o lençol freático. Quando ele é atingido, há uma combinação potencializada entre a erosão pluvial superficial e o solapamento dos taludes provocados pelo encharcamento da base”, explica.
Zonas rurais e cidades sobre solos arenosos, pouco argilosos, são mais propensos à formação de crateras.
Conforme o pesquisador, para estabilizar uma voçoroca já desenvolvida a primeira medida é impedir que as águas superficiais continuem a correr para dentro de sua cabeceira e ao interior da cratera.
“São providenciais estruturas ou barreiras transversais autodrenantes, como dique de gabião, quantas se fizerem necessárias para reter o material transportado e permitir que a água se escoe livremente”, diz. Ele lembrou que o processo pode ser acelerado com a recuperação vegetal do entorno.
A reportagem questionou a prefeitura sobre a ação judicial e não obteve respostas. O Estadão também não conseguiu contato com o proprietário do terreno com a cratera.
A Defesa Civil do Estado de São Paulo informou que realizará visita técnica no local da cratera, em Lupércio, na quarta-feira, 24, junto com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas e em apoio à coordenadoria municipal de Defesa Civil local.
A ação tem como objetivo avaliar a erosão que atinge uma área agrícola de propriedade privada no município. “A Defesa Civil Estadual tem dialogado com a prefeitura de Lupércio e com a Defesa Civil municipal, responsável pelo monitoramento das condições locais”, diz, em nota.
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