Famílias de vítimas de violência policial criticam abandono do governo: ‘Tiraram minha vida também’

Secretaria de Segurança Pública de SP afirma que ‘autoridades policiais permanecem à disposição dos familiares para fornecer os devidos esclarecimentos’

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Foto do author Gonçalo Junior

Um mês após a morte de Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, durante ação da PM em Santos, a mãe, a merendeira Beatriz Rosa, de 29 anos, aguarda respostas sobre o que aconteceu. O inquérito ainda não foi concluído.

Padre Julio Lancellotti e entidades de direitos humanos prestaram homenagens a Ryan da Silva Andrade Santos, em missa no mês de novembro, em São Paulo.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Em São Paulo, o médico Julio Cesar Acosta Navarro, pai de Marco Aurélio Acosta, morto com um tiro durante abordagem policial em um hotel na zona sul de São Paulo, afirma que vai processar o governo do Estado por entender que há uma “filosofia de violência” na polícia.

  • Diante de casos de violência policial que chocaram o País, Julio e Beatriz compartilharam o sentimento de abandono e desamparo. Ambos afirmam que não foram procurados pelo governo de São Paulo para prestar condolências, oferecer ajuda ou explicar o andamento das investigações, mesmo com a comoção causada pelas imagens de truculência policial.
  • Questionado sobre as queixas, a SSP informou que “as autoridades policiais permanecem à disposição dos familiares para fornecer os devidos esclarecimentos”.

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Entre as ocorrências do último mês com repercussão, também estão a de um homem atingido nas costas após tentativa de roubo em um mercado, a agressão a uma idosa em Barueri e o flagra de um policial atirando um homem de uma ponte na zona sul da capital.

A sequência de denúncias fez o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) admitir falhas e a necessidade de revisão não apenas de protocolos - mas de discurso. Apesar da mudança de tom, ele defendeu a manutenção do secretário da Segurança, Guilherme Derrite, no cargo.

“Porque a gente é pobre e mora na favela, o Ryan tinha que morrer? Só quero que a justiça seja feita. Não vai ser feito nada pelo meu filho? A gente vai ter que aguentar a dor e não vai ser feito nada?”, questiona a merendeira de 29 anos, mãe de mais dois filhos, de 7 e 10.

Sobre a morte de Ryan, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que “o caso é rigorosamente investigado pelo Deic de Santos e pela Polícia Militar”. Disse ainda que os agentes envolvidos na ocorrência estão afastados da atividade operacional.

Ryan brincava na rua no Morro do São Bento antes dos disparos um mês atrás. Estava com os irmãos quando foi atingido por um tiro na barriga. A família ainda não foi informada oficialmente se a bala foi disparada por um policial. Em entrevista coletiva, o tenente-coronel Emerson Massera, porta-voz da corporação, afirmou que, provavelmente, o disparo tinha partido da arma de um policial militar.

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A PM disse que fazia patrulhamento quando foi atacada por um grupo de dez suspeitos e revidou disparos. Além de Ryan, um adolescente de 17 anos morreu e outro de 15 foi baleado na ação.

Beatriz já tinha perdido o marido também em outra operação policial. Em 9 de fevereiro, em meio à Operação Verão, Leonel Andrade Santos, de 36 anos, foi atingido por tiros de fuzil. Na versão oficial, ele estaria armado e teria atirado, antes de ser baleado e morto. Antes da morte, ele havia sido fotografado de muletas. “Eles estavam se recuperando da perda do pai. Agora, perderam o irmão”, diz.

“Estou vivendo um dia de cada vez. Meus filhos perguntam ‘por que meu irmão morreu?’ Tento explicar de um jeito que não machuque ainda mais, que ele virou um anjo”.

Pai de estudante afirma que vai processar o Governo de São Paulo

O médico Julio Cesar Acosta-Navarro vive indignação semelhante e afirma que os policiais estão distorcendo os eventos do dia 20 de novembro, quando o filho caçula, Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, foi morto com um tiro à queima-roupa durante uma abordagem policial dentro de um hotel na Vila Mariana, na região Sul de São Paulo. A ação foi gravada por câmeras de segurança.

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  • “Meu filho não deu um murro no retrovisor, não quebrou o retrovisor. Ele virou, como uma brincadeira. Também não agrediu a namorada. Isso é público. Vejo entrevistas de comandantes que estão tentando deformar a realidade, mudar o que aconteceu”, critica o médico. “Eram dois (policiais) contra um. Isso é covardia”.
  • O futuro médico, que estava no quinto ano na Universidade Anhembi Morumbi, era o filho mais novo do casal.
  • A SSP enviou nota informando que “todas as circunstâncias do caso são investigadas por meio de Inquérito Policial Militar (IPM) instaurado pelo 12.º BPM/M, com acompanhamento da Corregedoria da Instituição, e pelo DHPP”.
  • Julio revelou a intenção de processar o governo de São Paulo. “Não participaram só os dois policiais. Nas horas seguintes, muitos não colaboraram com informações que poderiam salvar meu filho. Vejo a responsabilidade dos policiais militares como um todo”.

Julio Cesar e a intensivista Silvia Mônica Cárdenas Prado, mãe de Marco e que trabalha no Hospital das Clínicas, são de origem peruana e se naturalizaram há mais de 30 anos.

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Com sólida carreira acadêmica que inclui dois doutorados na USP, o médico liderou pesquisa inovadora sobre a relação entre hábitos alimentares, incidência e evolução da infecção pela covid-19 no Instituto do Coração.

Por conta da tragédia, Julio e Silvia estão passando alguns dias no Peru. A mãe está muito abalada emocionalmente.

“Os policiais foram afastados, mas deveriam ter sido presos. Outra questão se refere às câmeras corporais, que ainda não foram entregues. Parece que eles estão se protegendo, vejo corporativismo. Meu dia a dia é uma luta para esclarecer o que aconteceu. Minha vida também foi tirada”

Sobre as imagens das câmeras corporais, a SSP afirma que elas foram anexadas à investigação.

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