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‘Faz duas noites que não durmo nem com remédio’, diz dono de loja saqueada na Cracolândia

Após ser invadida por dezenas de pessoas, comércio localizado na Rua Santa Ifigênia será fechado; prejuízo estimado é de R$ 300 mil

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Foto do author Gonçalo Junior
Atualização:

Depois de 35 anos de atuação na região da Santa Ifigênia, sempre com o comércio de eletroeletrônicos, o empresário João Paulo Souza, de 64 anos, tem dúvidas sobre o futuro. O motivo da incerteza foi o roubo de sua loja na madrugada de sábado, 27. Os itens que foram levados, como câmeras, gravadores digitais de vídeo, cabos, fontes, conectores, estabilizadores e no-break, somam um prejuízo de R$ 300 mil.

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“Estou aqui, na Santa Ifigênia, há 35 anos. Uma vida inteira. Mas não sei o que vai acontecer daqui para a frente. Faz duas noites que não durmo, mesmo tomando Zolpidem”, confessa o empreendedor, referindo-se a um medicamento para insônia. “Estou bem abalado. A gente depende do trabalho para sobreviver, tem família. Mas estou desanimado”, afirma.

A insônia se refere às dúvidas sobre o pagamento aos fornecedores, uma angústia de quem toca seu próprio negócio. Também pesou a tristeza pelos estragos no patrimônio. José Carlos Souza, irmão de João Paulo e também sócio da rede, chegou a ser hospitalizado quando soube do episódio - mas já está em casa e passa bem.

O empresário João Paulo Souza calcula os prejuízos após invasão e saque à sua loja na rua Santa Efigênia, próximo a Cracolândia, no sábado, 27 Foto: Taba Benedicto/Estadão

João Paulo só cobre o rosto com a mão ao se lembrar do vídeo que registra o momento do saque. As imagens das câmeras de monitoramento mostram uma movimentação em frente ao local. Algumas pessoas forçam a porta do estabelecimento. Ela cede. Em seguida, uma multidão invade a local. Algumas pessoas perceberam o crime e correram; outras invadiram.

O local é marcado pela presença de dependentes químicos da chamada Cracolândia. Toda a ação para levar a maioria dos produtos do comércio durou cerca de cinco minutos.

Policiais militares da 2ª companhia do 7º BPM foram acionados para comparecer ao local do furto às 6h13. Segundo a PM, a ocorrência foi encaminhada ao 2º Distrito Policial (Bom Retiro). De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, a equipe preservou o local da ocorrência e orientou a vítima realizar o registro do caso junto à Polícia Civil, informando o que foi subtraído.

A Prefeitura de São Paulo afirma que reforçou o combate à violência e ao comércio irregular com mais de 1.350 policiais militares por meio de um convênio com o estado. Mais de 1.600 guardas civis, 77 viaturas e 140 motos também realizam rondas periódicas 24 horas por dia, além das bases comunitárias instaladas na região. A região recebeu também 80% das 2.008 câmeras instaladas até o momento do Programa Smart Sampa.

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Na manhã desta segunda-feira, Paulo caminhava entre as caixas vazias e restos de equipamentos que não foram levados. Só sorriu quando recebia um abraço de colega da região. Vários lojistas foram se solidarizar e compartilhar um pouco da desolação.

A primeira providência foi fechar a loja definitivamente. Embora local faça parte de uma rede chamada “Portal das Câmeras”, formada por mais dez unidades, o impacto financeiro foi profundo. “Ela já está fechada. Não vamos continuar. A parte física foi destruída, televisores, câmeras, computadores, roteadores... levaram tudo.”

No final de semana, Paulo teve um momento de esperança, quando recebeu a informação de recuperação da mercadoria. “Ontem (domingo), os policiais me ligaram às 11h da manhã e avisaram que tinham recuperado a mercadoria. Fiquei bem animado e pensei que ia amenizar o prejuízo. Mas só peguei uma fonte, um cabo e equipamentos. São 50 reais.”

Não é a primeira vez uma das lojas da rede é roubada. A outra ocorrência ocorreu na unidade distante cem metros, também na Rua Santa Ifigênia. Naquele episódio, a ação dos lojistas e policiais impediu o roubo. Por isso, o empresário acredita na atuação de uma quadrilha especializada que atua na região, com assaltantes que atuam antes da invasão dos usuários de drogas.

Unidade da rede 'Portas das Câmeras' será fechada após saque, de acordo com os proprietários Foto: Taba Benedicto/Estadão

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“Essas lojas geram impostos e emprego, mas estamos vendo isso morrendo e morrendo. Era uma tragédia anunciada. E já existem outras anunciadas. Pode ter certeza”, diz.

Outros empresários já viveram esse drama nas últimas semanas. Francisco Maia, de 60 anos, conta que um dos seus imóveis foi arrombado na madrugada de quarta-feira, 18. Os danos materiais foram poucos porque o local estava vazio, à espera de inquilino. Foram levados apenas um botijão de gás e o forno de micro-ondas.

Testemunhas relataram que o modo de agir dos saqueadores foi o mesmo do último final de semana: os primeiros forçam a porta, fizeram o arrombamento e depois chamaram a multidão. Uma das estratégia dos assaltantes é forçar a chamada “portinhola”, abertura central das portas de metal. Por isso, alguns comerciantes se referem aos assaltos como a “gangue da portinhola”.

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No final do ano passado, o Estadão já havia noticiado o desespero da empreendedora Ângela Aparecida de Oliveira, de 44 anos. No dia 20 de novembro, a loja “Carlos Eletrônicos” havia sido invadida e saqueada. Vídeos do episódio mostram dezenas de pessoas arrombando a porta do local e cercando a entrada, enquanto tiram os produtos de lá.

Conforme a Secretaria da Segurança Pública (SSP), cinco homens e uma mulher, com idades entre 49 e 23 anos, foram presos em flagrante. O proprietário da loja foi acionado pela polícia. Ao chegar ao estabelecimento, ele constatou o furto de mais de 120 itens.

Queixas contra a ação da Guarda Civil Metropolitana

No episódio deste sábado, o empresário João Paulo Souza se queixa da ação dos guardas civis. Segundo seu relato, lojistas perceberam o arrombamento e recorreram aos guardas que estavam nas proximidades do local. Segundo o empresário, os lojistas ouviram dos guardas que a ocorrência não seria atendida porque a responsabilidade do policiamento caberia à Polícia Militar.

“A gente se sente de mãos atadas, sem ter a quem recorrer. É uma quadrilha que está atuando na região, mas a gente não vê ação efetiva do poder público”, reclama.

A Secretaria da Segurança Urbana informa que “acionou a Corregedoria da GCM para apurar os fatos e reforça que não compactua com nenhuma conduta inadequada e tem o compromisso de assegurar que a atuação dos guardas busque atender a população de forma eficiente e proativa”.


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