Prestes a completar um ano da abertura da ciclovia da Avenida Paulista e dos primeiros testes de fechamento da via para carros, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), tornou o Programa Ruas Abertas permanente. Temendo recuos de futuras administrações, neste sábado, 25, ele regulamentou no Diário Oficial da Cidade a proposta via decreto e criou um comitê de monitoramento com organizações da sociedade civil. O fechamento da via é apoiado por diversos setores, mas ainda é criticado por moradores.
Até o fim do ano, esse comitê ainda será responsável por consolidar a abertura de pelo menos um viário nas 32 subprefeituras. Paralelamente, a base do prefeito na Câmara Municipal se articula para aprovar, nesta semana, um projeto de lei que oficializa o Ruas Abertas.
O primeiro teste de fechamento da Paulista para carros ocorreu em 28 de junho de 2015, data de inauguração da ciclovia local. Mas a decisão pela abertura todos os domingos, das 10 às 17 horas, só ocorreu em outubro. A definição se deu após quatro meses de questionamentos do Ministério Público e de setores da sociedade civil, preocupados com o impacto do fechamento para hospitais, equipamentos culturais, hotéis e comércio na via e no entorno.
Ao Estado, Haddad disse que compreende a resistência, mas defendeu os testes, que teriam servido de adaptação. “Hipóteses têm de ser testadas na prática. É muito difícil reconhecer mérito a priori sem período de experimentação. O difícil é tomar a decisão política de tentar”, afirmou. Segundo o prefeito, a preocupação é com o desmanche da proposta. “São Paulo é conhecida pela descontinuidade de políticas públicas.”
Na Câmara, o vereador Nabil Bonduki (PT) apresentou substitutivo a um projeto de lei já existente, instituindo o fechamento da Paulista e de outras vias como política pública. “De forma que não retroceda em outras administrações”, disse.
Guilherme Coelho, coordenador de Mobilização da Minha Sampa, que participa do Comitê de Acompanhamento e Fortalecimento do Ruas Abertas, avalia que o bloqueio requer ajustes, como melhoria da sinalização em ruas paralelas para motoristas e informações sobre trocas de linhas de ônibus.
“Por que reclamam menos da ciclovia (na Paulista)? Porque tem sinalizações móveis, como faixas, e fixas, como placas de velocidade e faixa de pedestres. É importante avisar previamente porque senão ganha inimigos”, destacou. Coelho cobrou uma contagem oficial do número de pessoas na avenida no domingo. Ele estima que, em dias de sol, chega a cerca de 80 mil.
Avaliação. Um ano depois, os problemas mais graves parecem ter sido resolvidos, como a preocupação com o acesso às cerca de 40 instituições médicas da região. É o caso do Hospital Santa Catarina, cujo acesso se dá justamente pela Paulista. Em nota, diz “que não registra nenhum problema aos domingos”. “Desde que a Prefeitura liberou a faixa de ônibus exclusiva para o acesso à instituição, os pacientes têm conseguido chegar ao hospital e ao pronto-atendimento com rapidez e segurança”, aponta. A Associação Nacional de Hospitais Privados concorda. “Os hospitais já se adaptaram a essa realidade”, diz o presidente do conselho da entidade, Francisco Balestrin.
É a posição também dos hotéis, que no início temiam que a interdição da via se tornasse um problema para os hóspedes, principalmente quando estão carregando malas. “Como tudo que vira rotina, houve uma adaptação. E hoje já observamos que muitos hóspedes gostam de caminhar pela Paulista aos domingos”, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de São Paulo, Bruno Omori. A Associação Comercial de São Paulo também se mostrou favorável. “É uma medida bem intencionada. Não vejo nada que possa contrariar essa disposição de dar direito ao pedestre, no domingo, de usufruir a via”, diz o presidente da entidade, Alencar Burti.
Moradores, entretanto, são contra. “Em nossas reuniões, os participantes têm sido frontalmente contra o fechamento da Paulista”, diz a advogada Célia Marcondes, presidente da Sociedade dos Moradores de Cerqueira César. “O programa obstaculariza uma via que é a artéria mais importante da cidade. Chega a ser devastador: o morador da Paulista observa da janela aquele contingente de policiais que poderiam estar cuidando da segurança da cidade e está deslocado para atender à festinha na porta da casa deles.”
Ela diz que, aos domingos, a ciclovia deixa de fazer sentido, já que “a rua toda vira uma ciclofesta”. E acrescenta que o projeto de cadastrar moradores para que estes possam entrar e sair dos prédios não foi implementado “por resistência dos próprios moradores”. “E então eles não conseguem entrar e sair das próprias casas aos domingos.”
Arquitetos se dividem e apontam necessidade de ajustes na proposta
Arquitetos e urbanistas ouvidos pelo Estado não chegam a um consenso. “Quando vamos lá observamos que é um sucesso, sem dúvida. Mas esse esforço todo poderia ser feito no centro da cidade, em vez da Paulista. Lá não haveria impacto no trânsito e ajudaria a melhorar uma região desvalorizada”, afirma Lucio Gomes Machado, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).
Benedito Lima de Toledo, também professor da FAU-USP, preocupa-se sobretudo com as questões de zeladoria e fiscalização. “O problema não é fechar a Paulista aos carros, mas sim o mau uso que tem sido feito dela”, diz. “Sendo um marco para a cidade, ela precisa conservar sua dignidade: o que temos observado é a Paulista sendo transformada em uma ‘25 de Março’ todos os domingos, com camelôs e decadência.”
Para o arquiteto e urbanista Henrique de Carvalho, do ateliê Tanta, “a Paulista fechada supre uma demanda enorme e não atendida por espaços livres abertos, que deveria ser atendida por uma rede bem maior de parques cuidados adequadamente, como é o Ibirapuera”. “A Paulista com carros já era uma avenida viva aos domingos”, comenta. “Fechá-la aos domingos tem seu lado bom, pois a cidade já havia demonstrado essa vocação com a ocupação do Minhocão, que é um lugar bem mais inóspito. Acredito que seja uma medida de baixo custo e bom resultado naquele setor da cidade.”
Letícia Pazian, do mesmo escritório, defende o treinamento de equipes para “viabilizar o mais prontamente o acesso motorizado de casos emergenciais”. “Isso garantiria a segurança dos pedestres.”
Encontro. Para o arquiteto Caio Dotto, do escritório Mindlin Loeb + Dotto Arquitetura, “fechar a Avenida Paulista para carros, bem como outras vias, é imprescindível ação no sentido de reclamarmos os espaços públicos de volta para o cidadão”. “Esse tipo de experiência mostra-nos como podemos promover o encontro, como podemos promover a troca entre os cidadãos, afinal essa é a real vocação das cidades. Elas são a rede social primária.”
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