As duas últimas viagens que o engenheiro de compras Rogério Igaz fez ao Guarujá mostram as crises de segurança e saúde pública de um dos principais destinos turísticos de São Paulo. Em outubro, sofreu tentativa de assalto de sua corrente de ouro na Praia da Enseada. Nesta semana, ele, a mulher e os dois filhos foram vítimas do surto de virose que atinge o litoral paulista.
Igaz conseguiu recuperar a corrente, que caiu na areia na hora da abordagem violenta. O assaltante correu. “A gente não se sente mais seguro”, conta ele.
Discretamente, o engenheiro mostra o celular escondido, amarrado no forro da parte interna do guarda-sol. É o meio de comunicação necessário com o filho que ficou no apartamento se recuperando da virose. A família voltou para Limeira (SP), onde vive, na quarta-feira, 8, reclamando das dificuldades para comprar remédios no litoral.
O medo da violência impõe novos hábitos aos frequentadores e moradores. Já o receio de contaminação exige cuidados redobrados sob risco de contaminação. Juntas, essas preocupações trazem tensão e angústia para uma época que deveria ser só de lazer e diversão.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirma que mais de 3 mil policiais militares foram somados ao efetivo local para reforçar e garantir a segurança de moradores e turistas que frequentam a Baixada Santista e o Litoral Norte.
O órgão aponta ainda redução de 35% de roubos e furtos nos nove municípios da Baixada Santista. Foram 1.043 boletins de ocorrência de 21 de dezembro a 3 de janeiro ante 1.622 casos no mesmo período anterior. Já a prefeitura do Guarujá diz que o número de casos de virose voltou à normalidade e a Secretaria Estadual da Saúde investiga as causas do surto (leia mais abaixo).
O cenário atual preocupa entidades do turismo, que temem queda no movimento. As 27 praias dos 22 quilômetros de orla paulista deveriam atrair mais de 1,5 milhão turistas neste verão.
A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) estima 19% de cancelamentos em hotéis do litoral paulista em decorrência da onda de virose e dos arrastões. A entidade encaminhou ofício ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na terça-feira, 7, pedindo providências para mitigar danos.
- “É um combo explosivo: virose em surto e arrastões”, alerta Édson Pinto, diretor executivo da Fhoresp. “O Estado precisa intervir, nas áreas ambiental, sanitária e na segurança pública. Senão, o verão, um dos períodos mais fortes para o turismo, será catastrófico.”
O educador físico Julio Tadao, de 43 anos, afirma que tentou cancelar a reserva de quatro dias em um hotel na praia Guaiuba, mas o prazo para reembolso já havia expirado. Não ficamos tranquilos. Só vim porque tinha prometido para as crianças”, diz.
Turistas recebem orientações sobre áreas com maior risco de assalto
O drama vivido por Rogério com sua corrente de ouro não é caso isolado. Nas últimas semanas, dois turistas foram baleados na orla – um deles morreu atingido na cabeça na Praia da Enseada. Na Praia das Pitangueiras, houve arrastão na madrugada do dia 1º, pouco após a queima de fogos do réveillon.
Muitos moradores testemunham assaltos, como o fisioterapeuta João Paulo Fernandes Filho, nascido no Guarujá há 55 anos.
- “Já vi situações na praia, à luz do dia, em que uma pessoa indefesa foi atacada por cinco ou seis de uma vez só. Parecia boi ferido na água e alvo ds piranhas. É coisa rápida, agressiva e que nos abala por alguns dias.”
Esse tipo de orientação é compartilhado com os turistas. Ao alugar um sobrado na Praia de Pernambuco com um grupo de 15 amigos, o aposentado Benedito Bueno, de 72 anos, ouviu que deveria evitar a trilha que leva a outras praias.
- “A dona do imóvel falou que era seguro ficar apenas na faixa na areia e mudar de praia só se for de carro”, conta.
O policiamento está mais presente, reconhecem os moradores. O Estadão presenciou policiais em viaturas, quadriciclos, bicicletas e a cavalo. Até um helicóptero da Polícia Militar estava pousado na Praia da Enseada na tarde de quarta-feira.
Em duas horas, foram registradas pelo menos três abordagens em diferentes praias da região. Em geral, os “suspeitos” são pessoas em situação de rua.
Henrique Messa, morador de 62 anos do bairro Santa Maria, tem queixas sobre a distribuição de PMs. “O policiamento se concentra apenas na orla. Os bairros ficam esquecidos”, diz.
A engenheira civil Izabella Margonari, 29 anos, presidente da Associação dos Moradores das Astúrias e Galhetas (AMAG) mostra preocupação com a duração das operações.
- “Não adianta aumentar o efetivo policial apenas na alta temporada. A segurança precisa ser prioridade no ano inteiro. O Guarujá merece mais do que apenas ações pontuais.”
Questionada sobre a inauguração de um novo batalhão na Praia da Enseada, que está atrasada segundo os moradores, a PM afirma ter “licitação prevista para a primeira quinzena de janeiro, referente a contratação da adequação do projeto executivo e execução do remanescente da obra”.
Turistas evitam comer fora de casa e apelam para frascos de álcool em gel
Dias antes do réveillon, moradores e visitantes de Santos, de Praia Grande e do Guarujá começaram a relatar vômito, náusea, dor abdominal, dor de cabeça e diarreia. Unidades de Pronto Atendimento ficaram lotadas.
Apenas no Guarujá, foram mais de 2 mil atendimentos por viroses em dezembro, segundo a prefeitura. Os pacientes enfrentam dificuldade para ter atendimento e remédios nos hospitais.
de Guarujá informou nesta quinta-feira, 9, que “os atendimentos relativos a casos de virose nas unidades de saúde do Município voltaram à normalidade, sem picos de demanda desde o último sábado, 4″.
A Secretaria Estadual de Saúde confirmou, por meio do Instituto Adolfo Lutz, a presença de norovírus em amostras humanas de fezes coletadas na Baixada Santista. Conhecidas como gastrenterites, essas doenças são de origem viral e duram cerca de três dias, em média.
Os sintomas são náusea, vômito, diarreia, dor abdominal e podem ocorrer também dores musculares, cansaço, dor de cabeça e febre baixa. Embora infecções gastrointestinais sejam mais comuns nesta época – assim como no inverno há o avanço de doenças respiratórias -, turistas redobram os cuidados.
Assustadas com o surto, as primas Cintia e Milene de Paula, ao lado das amigas Heloisa Santana e Amanda Luz, prepararam em casa tudo o que iam comer em Pitangueiras. Sob o guarda-sol, a embalagem de isopor continha frios, salame, queijo, azeitonas, sanduíches naturais, salgadinhos e biscoito de polvilho.
“Mesmo não sendo comidas tão saudáveis, os preparos foram feitos todos em casa. A gente não queria arriscar”, conta Cintia, de 31 anos, que é relações públicas.
Outra providência do grupo está no centro da roda: um frasco com álcool em gel, objeto que se tornou tão comum para prevenir a contaminação na época da pandemia de coronavírus. “A gente também traz a embalagem para borrifar o álcool”, explica Heloisa, supervisora de qualidade, de 27 anos.
O Estadão percebeu frascos de álcool em gel em muitas barracas nas praias da Enseada e Pitangueiras.
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Os impactos dos novos hábitos dos frequentadores são percebidos pelos comerciantes informais. A percepção de Antonio Leme, que empurra um carrinho de milho verde na mesma praia há cinco anos, é de queda de 20% nas vendas na comparação com o ano passado.
“É tudo higienizado, mas percebo que o pessoal está com receio, porque são muitos casos. Mas a situação está controlada”, afirma.
Proprietários dos quiosques da orla também notam impactos. “Os empresários do turismo fazem investimentos em equipamentos, contratação de mão-de-obra extra e compram estoques maiores, pois, em regra, terão maior demanda nesta época do ano. O momento é de grande apreensão”, diz Edson Pinto, da Fhoresp.
Funcionários do quiosque Feitosa, na Enseada, têm um problema adicional. Os turistas evitam as cadeiras do local por causa da proximidade com uma fonte de esgoto. “Esperamos o ano inteiro pela primeira semana de janeiro, que é a de maior movimento, e tivemos prejuízo. Ninguém quis ficar no quiosque por causa do mau cheiro”, lamenta a gerente Tainara Oliveira.
A prefeitura do Guarujá notificou a Sabesp sobre a possibilidade de vazamentos e ligações clandestinas de esgoto na região da Enseada, o que poderia ser a causa da alta de casos de virose. A Sabesp afirma que tem monitorado o sistema de esgoto da Baixada Santista e que “ele está operando normalmente”.
As causas do surto ainda estão sendo apuradas. “Estamos investigando, em conjunto com a Cetesb, Sabesp e os municípios da Baixada Santista, a fonte que causou esta infecção”, esclarece Regiane de Paula, coordenadora em saúde da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Saúde de São Paulo.
O infectologista Marcelo Otsuka, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, recomenda atenção às condições da praia. “Ainda há muito esgoto sendo despejado nas praias, o que pode comprometer a qualidade da água. Isso é ainda mais preocupante para crianças, que frequentemente ingerem água do mar de forma acidental”, diz.
A Secretaria de Saúde informa que o principal tratamento é a hidratação, com atenção especial para crianças e idosos. “Evacuações muito frequentes e líquidas, dificuldade na hidratação com vômitos que não cedem, pele e boca secas, dificuldade em urinar são indicações de que se deve procurar o serviço de saúde”, informa a pasta.