Filha de mãe brasileira e pai angolano, ela resgatou a própria ancestralidade por meio das capulanas

Toalá Antonia fez da venda dos tecidos africanos (cujas estampas são repletas de significados) mais que um negócio, mas uma forma de transmitir conhecimento

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Por Valéria Gonçalvez

Mulher, preta, mãe solo do Antonio, de 4 anos, e empreendedora. Filha de mãe brasileira e pai angolano, Toalá Antonia Joaquim Marques cresceu em Itaquera, na zona leste de São Paulo, e é de lá que comanda a Casa das Kapulanas.

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Mais que um negócio, a Casa das Kapulanas é um resgate da ancestralidade de Toalá. Ao longo dos anos, ela viajou diversas vezes para Angola para visitar o avô, falecido recentemente. Foi nessas viagens que ela se apaixonou pela história das capulanas, tecidos que carregam significados individuais em seus desenhos e cores, e decidiu empreender. Primeiro, trazendo os tecidos para o Brasil, e depois, em razão da pandemia, o processo começou a ser feito online. E, hoje, ela tem como missão ajudar outras mulheres a também empreender.

“Eu sou uma Nana Benz da modernidade. Esse é o meu dom e hoje eu sei disso”, diz Toalá Antonia. Nana Benz eram empresárias de tecidos que se estabeleceram na cidade de Lomé, no Togo, a partir de 1940. O nome vem de Nana, que significa mãe ou avó, e Benz, em alusão às Mercedes-Benz que elas dirigiam. Eram mulheres empreendedoras, consideradas míticas pela população, que construíram um império e deixaram um legado para outras mulheres.

Toalá Antonia criou a Casa das Kapulanas, onde vende tecidos africanos que trazem estampas repletas de história Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão

Toalá conta que Angola remete à calma de estar em casa. “É uma sensação de que toda chegada é um retorno para minha origem, meu lar”, conta. Ela sabe que metade de seu DNA vem de Angola, mas boa parte das pessoas pretas teve suas origens apagadas durante o período da escravidão. “A maior parte das pessoas pretas sabe apenas que veio da África, porque tudo o que era nosso foi apagado: nome, origem, cultura”, diz. “Viemos de um continente com 54 países com culturas e características diferentes e saber a nossa ancestralidade faz toda a diferença.”

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Formada em Design Gráfico, Toalá começou a empreender com 9 anos, quase como uma brincadeira. De tanto visitar com a mãe a casa da vizinha, que vendia produtos de beleza, ela quis vender doces. A mãe apoiou e investiu no negócio – mas a verdade é que Toalá comeu mais doces do que vendeu.

Foi em 2016, em uma viagem para visitar sua família em Angola, que ela decidiu empreender de verdade. Toalá teve a ideia de trazer as capulanas, tecidos que trazem cores e simbolismos africanos, para vender no Brasil. Cada estampa, cada cor traz uma história. Além do potencial do negócio, seria uma forma para ela se conectar com sua ancestralidade.

O começo da Casa das Kapulanas foi duro: de 2016 a 2020, o negócio andou devagar, e Toalá (cujo nome significa Deusa do Sol) fazia tudo sozinha. Carregava quilos de capulanas na cabeça, inclusive durante a gravidez, e vendia e fazia as entregas de ônibus e metrô por São Paulo.

Como tantas outras pessoas, Toalá teve sua vida transformada pela pandemia. Seu avô, Manoel, morreu repentinamente e deixou “um grande vazio e uma dor imensa”, mas também a gratidão por aprender tanto sobre sua cultura e suas origens.

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Toalá foi várias vezes a Angola, país que, segundo ela, tem "cheiro de casa" Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão

Com as fronteiras fechadas e a impossibilidade de viajar para Angola nesse período, Toalá deixou o negócio 100% online. Nesse período, sua mãe sugeriu que ela usasse as capulanas para fazer máscaras de proteção. Ela colocou sua máquina de costura para funcionar e começou a trabalhar – chegou a fazer 300 máscaras por dia. Empolgada, passou a desenvolver outros produtos, como guarda-chuvas e meias com estampas capulanas. As meias, aliás, lhe renderam um convite para pôr os pés na passarela da São Paulo Fashion Week 2021.

A Casa das Kapulanas cresceu na pandemia, saiu da garagem para uma sala no centro comercial de Itaquera – e comemora mais de 5 mil pedidos entregues desde 2020. Hoje, ela acredita que sua história pode ser inspiração para outras mulheres. “Sei que tenho uma missão com as mulheres do Brasil e de Angola. Eu fico tão feliz quando ensino, não apenas sobre o empreendedorismo, mas também sobre tudo que aprendi com a minha mãe”, diz. E enumera: “Sobre o orgulho da minha origem e cor, sobre ser mãe solo do Antonio e escutar os sinais que vêm do meu coração, sobre ser quem eu quiser”.

Assim nasceu o Empreendedorismo com a Tô, série de vídeos nos quais ela mostra sua rotina, compartilha resultados e conquistas e dá conselhos para quem quer começar ou precisa turbinar o próprio negócio.

Para o futuro, mais do que ter uma marca de sucesso, ela quer ser fonte de inspiração. “Quero continuar inspirando pessoas a serem donas do seus negócios, que tenham sucesso, que saibam empreender... Essa é a minha Mercedes-Benz.”

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