Furtos levam famílias a trocarem bronze por latão e até grafite em túmulos de SP

Relatório do Tribunal de Contas do Município revela que houve pelo menos 1.702 furtos em jazigos entre janeiro 2016 e maio de 2017 em nove cemitérios municipais

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Foto do author Priscila Mengue
Vera Enderle contratou um grafiteiro para adornar túmulo da família Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

SÃO PAULO - Latão, acrílico, alumínio, placa automotiva e até grafite. Na cidade de São Paulo, famílias têm optado por materiais menos tradicionais para adornar os túmulos e jazigos de entes queridos. Mais do que economia, o principal motivo são os frequentes furtos em cemitérios municipais da capital paulista, especialmente de peças de bronze.

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“Ninguém aguenta mais”, desabafa o advogado Aguinaldo Cunha, de 64 anos. Em 2017, ele teve a porta, o crucifixo e vasos roubados do túmulo dos avós maternos no Cemitério do Araçá, no Cerqueira César, zona oeste de São Paulo.

Em julho, foi a vez do jazigo da família paterna ter cinco das 15 placas de identificação furtadas no Cemitério São Paulo, em Pinheiros, na mesma região. No primeiro caso, as peças foram substituídas por itens mais pesados e de latão. “A guardadora (do jazigo, no Cemitério São Paulo) contou que, todos os dias, ruas inteiras são roubadas e os túmulos, saqueados”, diz. Situação semelhante foi confirmada por um funcionário do espaço. “Está abandonado.”

Ao visitar o local na quinta-feira, o Estado encontrou dezenas de jazigos abertos, com urnas evidentes, e nenhum policiamento. Em um deles, se improvisou uma placa de metal sobreposta com dois pedaços de madeira, nos quais foram escritos o nome da família. Perto dali, uma imagem de Jesus Cristo de mais de 1 metro estava caída, de cabeça para baixo. 

O Estado também visitou o Cemitério da Consolação e o do Araçá e o Cemitério da Quarta Parada, na zona leste. Neles, a ronda da Guarda Civil Metropolitana (GCM) foi vista, embora grande parte dos túmulos e jazigos também fosse alvo de furtos, de acordo com os funcionários. 

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“Bronze, até parou de se fazer por causa dos furtos”, diz um fabricante que atende o Cemitério da Quarta Parada. “Já faz alguns anos. Agora está só mais escancarado.” Por lá, a maioria das placas que restam são de chapas de aço inox ou latão – incluindo a do ator Domingos Montagner, que morreu afogado em 2016 em Sergipe, onde gravava da novela Velho Chico, da TV Globo. 

Cemitérios de São Paulo já registraram mais de 1,7 mil furtos desde 2016 Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

No caso do jazigo da família da empresária Vera de Carvalho Enderle, de 59 anos, a solução foi mais criativa. Ao visitar o túmulo no Araçá após um furto, em 2016, pensou: “o único jeito de ninguém roubar é pintar”. Decidiu, então, contratar o grafiteiro Katota, amigo de seu filho, que pintou o espaço de amarelo e desenhou flores. No ano passado, após novo furto, optou por sinalizar o nome dos parentes com placas automotivas adaptadas. 

“Já pensou isso tudo colorido? Pessoas andando com criança, encarando a morte com mais alegria?”, indaga. Impressionada com os furtos no local, chegou a denunciar a situação ao Ministério Público e apontar uma solução: um mutirão de grafite nos jazigos abandonados ou que tivessem autorização da família. “A presença dos artistas e visitantes reduziria muito a ação dos ladrões.”

Como inspiração, propõe uma mistura entre dois dos pontos mais turísticos de Buenos Aires: o frequentado Cemitério da Recoleta e a colorida rua El Caminito. A proposta tem exemplos próximos, como o Cemitério São Pedro, de Londrina (PR), e o Cemitério Municipal 2 de Novembro, em Esteio (RS), que tiveram muros grafitados em 2017. Em La Paz, na Bolívia, pinturas se expandem para o lado externo no Cemitério Geral, e são vistas por quem passa de teleférico. 

Relatório do TCM aponta 1.702 furtos em cemitérios municipais em 15 meses

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A situação é abordada em relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM), publicado em setembro. No texto, os crimes são divididos em dois tipos: subtração de objetos do túmulo e violação de sepultura para retirar pertences do cadáver (como dentes de ouro). O levantamento contabiliza, entre janeiro de 2016 e maio de 2017, ao menos 1.702 furtos em nove necrópoles municipais, mesmo com subnotificação.

O TCM ainda aponta a necessidade de rondas externas ao redor dos cemitérios, “para que os guardas observem carroças e outros tipos de veículos encostados junto aos muros, que são usados para facilitar a entrada/saída no cemitério e a retirada de objetos furtados”. 

Já os registros de ocorrência pela Secretaria de Segurança Pública, obtidos pelo Estado via Lei de Acesso à Informação, apontam para número menor de crimes: 591 boletins de roubo e furto em cemitérios da cidade em 2016 e 2017. Isso inclui roubos de bens pessoais de visitantes, como celular.

Prefeitura de São Paulo pretende conceder 22 cemitérios municipais

A Prefeitura de São Paulo pretende enviar ainda este ano à Câmara Municipal o projeto de concessão dos 22 cemitérios municipais e do crematório da Vila Alpina, na zona leste. A concessão deve ter duração mínima de 20 anos. Essa proposta chegou a ser suspensa pelo TCM por sete meses e só foi liberada em abril. Ainda não há data prevista para lançar o edital. 

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Segundo a Prefeitura, o objetivo é “melhorar a qualidade de serviços prestados ao cidadão, ao mesmo tempo em que desonera o orçamento”. Informou ainda que o projeto City Câmeras do Serviço Funerário está, atualmente, “na fase de mapeamento geográfico dos cemitérios para a instalação dos equipamentos.” / COLABOROU LUIZ FERNANDO TOLEDO

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