O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) aprovou o tombamento provisório da Capela Dom Bosco. O antigo templo católico está nas proximidades da divisa entre os distritos Cambuci, Brás e Mooca, no centro expandido. Unânime, a decisão foi publicada no Diário Oficial de 6 de novembro e pode dificultar os planos da empresa que comprou a construção — a qual pretendia dar um uso não religioso ao espaço, como de depósito, por exemplo.
A antiga capela foi vendida pelo Centro Salesiano de Desenvolvimento Social à Radial Rolamentos em 2021. Localizada na Rua Dom Bosco, não mais realiza missas, teve os objetivos litúrgicos retirados pelos salesianos e deixou de ser considerada como um templo católico, o que é chamado de “dessacralização”. Era parte de uma instituição de ensino de mesmo nome que atuou por décadas no endereço e, segundo informações iniciais, data da década de 1930.
Com o tombamento provisório, a empresa proprietária desistiu de sobrepor a fachada da antiga capela com um revestimento metálico, que esconderia as características originais. Não há planos de reabrir o espaço ao público em geral e uma reunião foi solicitada ao Conpresp para avaliar possíveis usos, como de depósito, por exemplo.
“Devotos da Dom Bosco vão continuar vendo o prédio e podem rezar na frente, não tem problema nenhum, mas a igreja não vai ter atividade”, afirmou Vinicius Gomes, um dos diretores da empresa, ao Estadão. “Os próprios padres desativaram a igreja, retiraram o altar, o crucifixo. Não fomos nós. Agora é só um galpão com vários problemas estruturas, com trinca, infiltração no teto”, completa.
A venda do templo havia gerado o temor entre alguns moradores de uma eventual derrubada, mas a empresa nega ter cogitado a demolição. A mobilização pela preservação da capela angariou ao menos 977 apoiadores em um abaixo-assinado virtual no ano passado.
Já o estudo de tombamento foi solicitado pela arquiteta e urbanista Ana Marta Ditolvo. O argumento apresentado foi de “qualidade arquitetônica e por ser um dos poucos exemplares religiosos desta proporção na região”, especialmente da chamada “Mooca de Baixo”.
Antes do tombamento provisório, a empresa havia solicitado autorização da Prefeitura para obras que dessem uma “aparência comercial” ao imóvel. “Com relação à fachada da capela, será executado um revestimento metálico, composto por perfis de aço, aplicado sobre a fachada existente, com espaçamento de 0,20 cm, para não remover as características originais”, apontou à época.
Também foi feito um pedido para intervenções no imóvel em caráter emergencial, pois a empresa alegou a presença de infiltrações e problemas nas alvenarias, com a necessidade de troca do telhado e tratamento de fissuras. “Com as frequentes chuvas, verificamos que houve movimentação nas paredes fissuradas. Conforme memorial descritivo apresentado, serão realizadas revisões das estruturas, do corpo do prédio, do telhado, das alvenarias e das instalações”, destacou em documento.
O tombamento preliminar está em vigor até a conclusão de um estudo aprofundado pelo Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), da Prefeitura, e posterior decisão definitiva do conselho, o que costuma perdurar de meses a alguns anos. Durante esse período, projetos de demolição, reforma e afins precisarão ser previamente analisados e acatados.
Tombamento provisório considerou vínculo afetivo com vizinhança
A minuta de abertura de estudo de tombamento destaca o vínculo afetivo da capela com a comunidade local, especialmente da Mooca. O templo católico era ligado ao Instituto Salesiano, que manteve uma escola junto à capela durante anos, cujas instalações não existem mais naqueles moldes.
Essa relação é destacada na minuta de abertura de estudo de tombamento ao citar a “vinculação com a ordem salesiana, com suas propostas de linguagem arquitetônica e num processo de sua distribuição ao redor da cidade”. O texto ainda diz que a conservação é importante ante “a possibilidade de perda de um bem cultural sem estudos definitivos”.
O pedido de estudo de tombamento foi aberto por Ana Marta Ditolvo, professora de Preservação Arquitetônica na Faap. A arquiteta conta que decidiu abrir o processo após perceber o que chama de uma “transformação nítida” nos últimos anos, com imóveis antigos descaracterizados e a construção de prédios altos na região.
A professora destaca o papel da antiga capela na “composição da paisagem” e “referencial de memória” da comunidade, tanto que influenciou na mudança do nome da via em que está em 1937, a qual antes era chamada Rua Xingu. “Não tenho dúvidas de que é um bem significativo, não só por conta da arquitetura religiosa, mas por conta dessa importância que sempre teve para a comunidade”, afirmou ao Estadão.
Para a arquiteta, o proprietário deveria avaliar a possibilidade de abrir a antiga capela à vizinhança, mesmo que pontualmente. “Caso não queira destinar a capela à população, é um direito dele. O fato de mantê-la íntegra já é um ato importante, e talvez (o dono) precise do espaço dentro do que pretende para o local. Mas poderia promover ações pontuais para estreitar laços com a comunidade, como abrir a igreja na Jornada do Patrimônio (evento que ocorre anualmente na cidade), promover visitas...”
No abaixo-assinado, há comentários de antigos frequentadores do espaço. Eles lamentam o fechamento da capela e o fim das missas. Também compartilharam lembranças pessoais, de apresentações no coral, primeira comunhão, casamentos e outras experiências.
“Local abençoado e de tradição histórica no bairro e na cidade”, disse um apoiador. “Fui aluno do colégio e coroinha nessa igreja. Certos vínculos afetivos que o tempo acaba criando em nossas vidas, não podem ser apagados de nossa memória, mas estão prestes a ser apagados de nossa história”, comentou outro.
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