Há 21 anos, o supervisor de logística Vanderson Barbosa deixou São José dos Campos para morar na pequena Gavião Peixoto, no interior paulista. E não se arrepende. A cidade de 4.702 habitantes, na região de Araraquara, passou a liderar neste mês um ranking sobre cidades com maior qualidade de vida do País. “Morar aqui em GPX (sigla usada para abreviar o nome da cidade) significa tranquilidade, menos estresse, menos poluição sonora e ambiente familiar, em que todos se conhecem”, disse.
Barbosa é funcionário da Embraer, uma das principais fabricantes de aviões do mundo, há 26 anos, e se mudou para Gavião Peixoto dois anos após a empresa abrir sua fábrica na cidadezinha. Casado com Emanuelle, ele tem dois filhos. “Gavião Peixoto é acolhedora, com qualidade em saúde, educação, atividades esportivas para todas as idades e lazer para a família em praças e parques”, descreve.
Neste mês, estudo inédito calculou o Índice de Progresso Social (IPS) de todos os 5.570 municípios do País. O IPS Brasil 2024 se baseou em um total de 53 indicadores, levantados a partir de diferentes bases.
O IPS Brasil é uma colaboração entre o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Iniciativa Amazônia 2030 e outras entidades. Gavião Peixoto atingiu a maior nota, 74,49, à frente de Brasília, segunda colocada (71,25).
A cidade, que surgiu de um assentamento rural e abrigou uma colônia de imigrantes que fugiram da Revolução Russa de 1917, dependeu durante décadas da agricultura até a chegada da fábrica de aviões em 2001.
Gavião Peixoto está entre São Carlos e Araraquara, polos educacionais e tecnológicos, e que também estão entre as dez melhores do país em qualidade de vida, segundo o IPS. Tem a melhor média salarial do Estado (R$ 6.279), conforme o Cadastro Central de Empresas (Cempre), divulgado pelo IBGE.
O último homicídio registrado em Gavião Peixoto foi em julho de 2022, em uma briga de bar, o único homicídio em cinco anos. Ainda está na lembrança dos moradores a madrugada de 2 de novembro de 2017: em outro evento raro, bandidos armados explodiram um posto bancário.
Dos últimos quatro presidentes do Brasil, dois visitaram Gavião Peixoto. A então presidente Dilma Rousseff (PT) esteve na cidade em maio de 2014 para inaugurar o hangar da Embraer onde seria instalada a linha de montagem da aeronave KC-390.
Já em maio do ano passado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou da inauguração da linha de montagem para produzir o caça sueco Gripen no Brasil. Os moradores já se acostumaram com o ronco de motores: a Embraer também utiliza sua planta para testar caças e outros aviões, como o avião cargueiro C-390 Millennium, destinado à Força Aérea Húngara.
O que poderá ser o primeiro carro voador brasileiro foi parcialmente concebido em Gavião Peixoto. Uma equipe de engenheiros trabalha no protótipo da máquina que pode ser produzida pela Eve, startup criada pela Embraer para investir no setor de eVTOLs (sigla em inglês para veículo de pouso e decolagem vertical).
Também está em desenvolvimento a primeira aeronave com propulsão 100% elétrica. Segundo a prefeitura, a fábrica emprega ao menos 300 moradores da cidade, além de ocupar mais de uma centena indiretamente.
O município mantém ainda, em parceria com o Senai de Araraquara, um curso de capacitação de auxiliar de produção aeronáutica. Para a mão de obra menos qualificada, a prefeitura criou o programa Frente de Trabalho, que emprega preferencialmente mulheres. Elas recebem bolsa-auxílio de R$ 650 por quatro horas de trabalho.
“Temos uma das melhores taxas de crianças e adolescentes matriculados na rede de ensino municipal, sem fila de espera para matrículas em nossas escolas”, afirma o prefeito Adriano Marçal da Silva (PSD).
De Alok a Santo Antônio
Em dezembro de 2023, a prefeitura distribuiu 20 mil ingressos para o show do DJ Alok, quadruplicando em uma noite a população local. O município montou uma operação de guerra para atender o público atraído pelo evento comemorativo dos 28 anos da cidade.
Menos concorrida, mas querida pelos moradores é a festa de Santo Antônio, o padroeiro, organizada em junho pela paróquia. “Após a trezena dedicada a Santo Antônio, começamos os festejos sociais, com a quermesse com muita comida típica, música e alegria”, diz o padre Willian Henrique Rodrigues, na cidade há quatro anos.
Para Susilene Ferreira, secretária da Paróquia de Santo Antônio de Pádua, o forte de Gavião Peixoto é a solidariedade. “Temos grupos em redes sociais. Se alguém sabe que um morador tem necessidade, rapidamente as pessoas se mobilizam e vão até a casa para levar desde fraldas a um móvel, conta.
Conforme a pesquisadora Vera Bressan Zveibil, autora do Guia Histórico e Genealógico dos Municípios Paulistas, Gavião Peixoto foi um dos três núcleos coloniais criados em 1907 como assentamentos de imigrantes e trabalhadores para as lavouras de café.
“Uma das exigências para a instalação de núcleos coloniais oficiais era estar próximo a uma ferrovia que, neste caso, seria a Estrada de Ferro do Dourado, que abriu uma estação em cada um dos três núcleos. A estação Gavião Peixoto foi inaugurada em 20 de agosto de 1906 ao seu redor desenvolveu-se um loteamento urbano para servir de apoio aos lotes rurais”, relata.
Sobre a presença dos russos na cidade, que fugiram da Revolução Comunista de 1917, Gavião Peixoto guarda poucas lembranças. As famílias eslavas acabaram dizimadas pela febre amarela e o que restou foi um cemitério com inscrições na língua do país.
Marceneiro e pesquisador da história da cidade, Milton Azzolino, de 94 anos, se lembra de alguns russos que sobreviveram, na zona rural. “Naquela época, em sua maioria, os imigrantes eram italianos e alemães, como os meus pais e avós”, contou.
O pai de Miltin, italiano, trabalhou na construção da usina hidrelétrica da Companhia de Força e Luz de Jaú, no Rio Jacaré-Guaçu. Mais tarde a usina foi incorporada pela CPFL e ainda hoje fornece energia ao município.
O Índice de Progresso Social (IPS) é uma metodologia internacional que calcula o bem-estar da população a partir de dados oficiais. O IPS Brasil foi aplicado em todas as 5.570 cidades brasileiras. Para a avaliação, o índice é dividido em três dimensões: necessidades humanas básicas; fundamentos para o bem-estar; e oportunidades. Cada uma delas tem quatro componentes e forma a média final, que vai de 0 a 100 – quanto maior a pontuação, maior a qualidade de vida na cidade avaliada.
O índice não se baseia apenas na infraestrutura e nos recursos investidos em um município, mas nos resultados que eles refletem na vida das pessoas. O IPS Brasil é uma colaboração entre o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Fundação Avina, Centro de Empreendedorismo da Amazônia, Iniciativa Amazônia 2030, Anatta – Pesquisa e Desenvolvimento, e Social Progress Imperative.
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