A gerente Patrícia* (nome fictício), de 37 anos, havia acabado de ir à cozinha do restaurante onde trabalha, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, quando ouviu pelo fone uma frase que a congelou. “Acho que tem um homem armado aqui”, disse uma funcionária pelo rádio que a equipe do estabelecimento usa para se falar. Logo em seguida, começou o arrastão.
O episódio ocorreu no fim de janeiro, no meio da tarde. Patrícia até acionou a polícia rapidamente, mas não deu tempo de evitar o assalto. Em questão de minutos, cerca de 10 clientes tiveram os celulares roubados por dois bandidos, que fugiram a pé. Alguns chegaram a ser agredidos para desbloquear os aparelhos.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP) afirmou que o caso é investigado pelo 14° Distrito Policial (Pinheiros), que “analisa imagens e demais diligências” para identificar e prender os ladrões – por ora, nenhum deles foi preso.
A pasta acrescentou que o policiamento “segue intensificado em toda a capital, com prioridade para os locais de maior incidência criminal”. Segundo a SSP, a 3ª Delegacia Seccional (Oeste), responsável por Pinheiros e outras regiões, teve queda de 3,32% de roubos em janeiro. Além disso, afirma, “543 pessoas foram presas e apreendidas em flagrante pelas forças de segurança, no período”.
O arrastão ocorreu em meio a uma onda de crimes violentos, que assusta os paulistanos. Como mostrou o Estadão, o distrito policial responsável por Pinheiros registrou alta de 20% nos roubos em janeiro. Foi o mesmo mês em que um jovem de 23 anos foi vítima de latrocínio (roubo seguido de morte) no bairro, modalidade que disparou no último ano.
Na série Vítimas da violência, o Estadão conta histórias de quem sofreu – e ainda sofre – os efeitos da escalada de insegurança em São Paulo. O primeiro relato publicado foi o da médica de 67 anos foi alvo de um assalto no Parque Continental, também na zona oeste. Ela teve quatro costelas quebradas e a mão mordida pelo bandido, na tentativa de tirar sua aliança.
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No caso de Pinheiros, os bandidos agiram à mão armada. “Foi muito rápido, mas foi um momento de terror. Tinham crianças, grávidas, idosos... Foi bem tenso”, relata Patrícia. Segundo ela, em oito anos de funcionamento, nunca tinha ocorrido algo parecido com o restaurante, localizado em uma casa de dois andares em Pinheiros. “Assustador.”

O arrastão ocorreu por volta das 15 horas de um sábado, um dos períodos de maior movimento do restaurante. “Já havia encerrado a fila de espera. Os clientes estavam bem à vontade, como sempre, e, de repente, entraram dois indivíduos. Um estava armado e o outro, não”, afirma.
Primeiro, entra um homem mais jovem e de “cara limpa”, se passando por cliente. “Pelas câmeras de segurança, vimos que ele se comunicava com outro por fone de ouvido”, diz Patrícia. A prática é relativamente comum entre bandidos que agem em grupo na capital, apontam autoridades.
Logo em seguida, surge o segundo ladrão, com aparência mais velha e de máscara. “Ela já entrou, anunciou que estava armado e já foi fechando o portão”, diz a gerente.
Os clientes e a equipe do restaurante ficaram presos dentro do estabelecimento, em ação que pareceu estudada previamente. “Pelas câmeras, deu para ver que esperaram os clientes que estavam em frente irem embora para agir.” O restaurante preferiu não divulgar os vídeos captados pelo sistema de segurança, pois tem medo que o estabelecimento seja identificado.
Patrícia aponta que os ladrões passaram de mesa em mesa pedindo que os clientes entregassem os celulares desbloqueados. Para alguns, um deles só apontava a arma, esperando silenciosamente a entrega dos pertences. “Não gritavam, não falavam alto”, afirma. Ela não sabe se as vítimas tiveram dinheiro desviado via Pix posteriormente.
Segundo a gerente, os bandidos chegaram a selecionar smartphones mais caros para levar, possivelmente para ter mais lucro no mercado clandestino. “Levaram uns 10 celulares, todos iPhone. Android eles deixavam”, afirma. “Estavam sempre se comunicando, os dois, pelo fone de ouvido.”
Alguns clientes chegaram a ser agredidos pelos bandidos durante o arrastão. “Quando eles pediam a senha (para desbloquear o celular), e o cliente, na hora do nervoso, passava a senha e não acessava, eles agrediam”, diz. Ao menos duas pessoas teriam sido feridos com golpes usando os próprios celulares. “Batiam na cabeça.”
Quando a ação terminou, a gerente relata que os bandidos disseram que não estavam sozinhos, provavelmente para assustar as vítimas e coibir reações. “Quando saíram e fecharam o portão, todo mundo ficou apreensivo. Foi muito choro, um momento de terror”, diz.

“Como eu estava no fundo, e estava com a polícia no celular, o meu medo era que estivessem com as pessoas feitas reféns, porque ouvi muito grito, choro. A polícia chegou muito rápido, até fizeram varreduras (em ruas próximas do restaurante), mas não os encontraram”, acrescenta.
‘Está bem tenso’
Para Patrícia, a insegurança no bairro piorou nos últimos meses. “Está bem tenso, tanto para sair à luz do dia como à noite. Tem bandidos disfarçados de motoboys que assaltam à luz do dia, levam celular, mochila, dá muito medo”, diz.
Na tarde de 23 de janeiro, uma quinta-feira, Vitor Rocha, de 23 anos, morreu baleado por dois assaltantes quando saiu para almoçar no bairro. Recentemente, mais dois moradores foram atingidos por tiros em Pinheiros – um deles estava em uma padaria.
Em janeiro, último mês com dados oficiais disponíveis, foram 271 assaltos registrados em Pinheiros, aumento de 20,4% em relação ao mesmo período do ano passado. A alta colocou o distrito como o segundo com mais assaltos no mês, atrás apenas do Campo Limpo, na zona sul (309 casos).
“O mais recorrente são os (roubos e furtos) de moto. Esses (que assaltaram o restaurante) vieram a pé, mas a gente não sabe se tinha alguém próximo aguardando”, afirma Patrícia. “A gente fica apreensivo, não sabe quem é o cliente e quem é o bandido.”
A onda de crimes faz comerciantes da região se mobilizarem por conta própria. “Tivemos de contratar segurança privada”, afirma a gerente. Também são tomados cuidados em relação aos motociclistas que vão buscar as refeições para delivery e na circulação dos funcionários. “Quem chega primeiro, por exemplo, já espera algum colega no portão ou mantém os portões fechados.”
Em protesto neste sábado, 22, moradores da região de Pinheiros cobraram mais segurança. “A gente tem um grupo de WhatsApp onde se comunica tudo o que acontece”, afirma Patrícia. O contato com vizinhos também funciona como estratégia de prevenção. “Se a câmera do vizinho pega alguma situação, passa informação um para o outro.”