Um engenheiro de 33 anos foi libertado de um cativeiro pela Polícia Civil nesta quarta-feira, 5, ao ser vítima do chamado “golpe do amor”, modalidade em que criminosos marcam falsos encontros por aplicativo de relacionamento para sequestrar os alvos após emboscadas. Ele foi mantido 24 horas como refém em um cativeiro em Barueri, na região metropolitana de São Paulo.
Um suspeito foi preso no local. O caso se soma a outros com o mesmo perfil ocorridos nas últimas semanas. Para o delegado Tarcio Severo, titular da 3ª delegacia da divisão antissequestro do Departamento de Operações Especiais (Dope), a percepção é que crimes desse tipo estão em alta.
Conforme a Secretaria de Segurança Pública, policiais civis do Dope e da Delegacia Seccional de Carapicuíba realizaram diligências após a família da vítima notificar o sumiço. “Verificamos uma semelhança com um outro caso, de sexta-feira (30), que nós havíamos atendido e que a vítima também foi libertada. Vimos que se tratava do mesmo padrão de conduta, o mesmo modus operandi, e fizemos uma diligência em locais que batiam com o outro caso”, explica Severo.
Os agentes localizaram a vítima em um cativeiro no Parque Imperial, em Barueri, na noite desta quarta-feira e o libertaram após ter ele ficado 24 horas como refém. No local, ainda prenderam em flagrante um suspeito, de 27 anos, por extorsão e associação criminosa. “A vítima reconheceu ele como sendo o responsável pelo arrebatamento, pela abordagem”, afirma o delegado.
O prejuízo da vítima em transferências via Pix foi de R$ 10 mil, ainda segundo o delegado. As investigações prosseguem para localizar outros possíveis envolvidos.
‘A gente está atendendo de dois a três casos por dia’, diz delegado sobre crime
Para Severo, os casos de sequestro-relâmpago envolvendo vítimas que usam aplicativo de relacionamento aumentaram ao longo deste ano. “Antigamente, a gente pegava muitos casos de sequestro do tipo que a gente chama de crime de oportunidade. São sequestradores que saem para a rua em busca de vítimas aleatórias”, afirma.
“Hoje, não. Eles utilizam essas plataformas, sites, aplicativos de namoro se passando por uma mulher e atraindo a vítima até as proximidades do local do cativeiro.”
O delegado explica que, desde o início deste ano, o fluxo de casos com esse perfil que são investigados pela 3ª delegacia da divisão antissequestro do Dope praticamente dobrou. “Em média, a gente está atendendo de dois a três casos por dia”, afirma.
Em geral, os sequestros duram cerca de 24 horas, mas o delegado já investigou casos que duraram até três dias. Os crimes, continua Severo, têm sido relatados em maior frequência em bairros como Jaguaré, Jaraguá e Perus, na zona norte, e na região do Butantã, zona oeste.
Como medida de precaução, o delegado desaconselha as pessoas a marcarem encontros em lugares desconhecidos.
“Compartilhe a informação do local do encontro com alguém da sua família, faça uma verificação nas redes sociais se aquela pessoa realmente existe, faça uma videochamada com essa pessoa”, indica.
Segundo o delegado, por mais que os perfis de alguns golpistas sejam de pessoas reais, há ainda o risco delas integrarem as quadrilhas, por isso o cuidado deve ser redobrado. “(Os integrantes) são extremamente violentos, utilizando sempre armas de fogo e, na maioria dos casos, até mais de uma.”
Homem ficou 28 horas em cativeiro e teve prejuízo de R$ 180 mil
No mês passado, o assessor de investimentos Vinícius Cussolin, de 38 anos, teve prejuízo de de R$ 180 mil após cair no golpe. Ele conheceu uma mulher por meio de um aplicativo de relacionamento e, por precaução, chegou até a fazer chamadas de vídeo para conversarem melhor.
“Vi que realmente era a pessoa da foto, ela passou o endereço e a gente resolveu se encontrar”, conta. Ao chegar para buscá-la no Jaraguá, na zona norte da cidade, ela estava com uma amiga e pediu que ele dirigisse por algumas ruas para buscar outra pessoa para irem juntos a um bar.
Próximo ao novo destino, Vinícius saiu do carro com as duas e se deparou com uma emboscada. Um grupo de sequestradores o ameaçou com armas de fogo e o colocou em um outro carro. “Amarraram meus pés e me encapuzaram”, disse.
Ele conta ter sido levado para um cativeiro que, acredita, não ficava longe da região. “Ficaram com meu celular e pegaram todas as senhas, fizeram até reconhecimento facial (para destravar o aparelho) enquanto eu estava amarrado.”
Eles colocavam a arma no meu joelho e falavam que, a cada senha errada, iam dar um tiro
Vinícius Cussolin, vítima
Vinícius permaneceu no cativeiro por 28 horas. O prejuízo total, entre as movimentações bancárias e o roubo do carro, sem seguro, foi de cerca de R$ 180 mil. Quando já não havia mais dinheiro para desviar, os sequestradores colocaram a vítima, novamente encapuzada, em um carro. Ao chegar em um matagal, o soltaram e o orientaram a andar sem que olhasse para trás.
“Depois de passar por um córrego, dei de cara com um muro. Consegui pular e caí no acostamento da Rodovia dos Bandeirantes”, relembra.
Naquele momento, 1h da madrugada, Vinícius conta ter caído no choro quando viu que a situação finalmente estava próxima do fim. Fez sinal para os carros pararem, mas não foi atendido. Ele conseguiu acionar o resgate ao localizar um telefone da concessionária da rodovia.
A vítima, então, foi levada para uma delegacia e entrou em contato com a família. Depois, de lá mesmo, começou a ligar para os bancos. Vinícius disse ter conseguido recuperar parte do montante desviado, mas não tudo. Recentemente, fez postagens nas redes sociais cobrando o reembolso de R$ 47 mil do banco Santander, dívida feita em um cartão de crédito que mal usava. O valor ainda não foi recuperado.
“Não quero ganhar nada, só quero não ter que pagar uma dívida que o bandido fez com uma arma na minha cabeça”, diz ele, que cita o Código de Defesa do Consumidor. “Durante o sequestro, eles colocavam a arma no meu joelho e falavam que, a cada senha errada, iam dar um tiro”, acrescenta. O caso foi registrado como roubo, extorsão, sequestro e cárcere privado pelo 33º Distrito Policial (Pirituba).
Procurado, o Santander informou, em nota, que o “caso em questão se trata de um golpe praticado por terceiros seguido de sequestro, portanto um tema de segurança pública”. “As transações foram realizadas mediante cartão de crédito (chip e senha). A instituição está à disposição das autoridades para colaborar com as investigações”, afirmou.
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