Roubo com Pix dispara em SP; sequestros-relâmpago crescem 39%

Há casos em que quadrilhas obrigam vítima a colocar senhas dos bancos para fazer transferências para contas ‘laranjas’

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Por Ítalo Lo Re
Atualização:

SÃO PAULO - Eram 18 horas de sábado, 21, quando o bancário André Chaves, de 40 anos, foi surpreendido ao passar de carro com a noiva pelo trecho da Avenida do Estado que corta a região da Sé. Ao parar em um semáforo, o vidro do lado da passageira foi estraçalhado e rapidamente um homem tomou o celular de Chaves, fugindo entre outros veículos. Cerca de meia hora depois, o bancário havia perdido R$ 5,8 mil em transferências via Pix, crime que tem ganhado força em São Paulo desde que a solução de pagamento instantâneo do Banco Central foi implementada no fim do ano passado.

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Quadrilhas organizam até sequestros para obrigar a vítima a colocar senhas dos aplicativos de banco e fazer, ela própria, a transferência via Pix para contas “laranjas”, criadas exclusivamente para receber o dinheiro. Conforme a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, foram registrados 206 boletins de ocorrência de sequestro-relâmpago no Estado de janeiro a julho deste ano — aumento de 39,1% em relação ao mesmo período de 2020. A pasta não tem o detalhamento de quais dos casos envolvem o Pix.

“O sequestro-relâmpago estava meio que adormecido. Mas desde que o Pix entrou no mercado, em novembro de 2020, a gente notou aumento significativo dos casos”, conta o delegado da divisão antissequestro do Departamento de Operações Especiais de Polícia (Dope), Tarcio Severo. Não necessariamente o Pix é mais inseguro, mas tornou a operação mais veloz para os bandidos. “Para eles, ficou muito mais fácil. Conseguem sacar o dinheiro rapidamente, antes de a polícia tomar conhecimento. Na hora em que a gente é acionado, muitas vezes o saque já aconteceu faz tempo”, conta o delegado, complementando ainda que já trabalhou em casos cujas transferências por Pix chegaram a R$ 100 mil.

“O celular é uma arma. Tem tudo dentro dele: aplicativo, senha, biometria. Como perceberam que está tendo muita facilidade em obter essa vantagem, criminosos de outro tipo de crime estão adotando também o sequestro-relâmpago. Quando vão roubar uma residência, por exemplo, aproveitam para fazer um Pix”, acrescenta Severo. “Os casos (de sequestro-relâmpago) que atendi de dezembro (de 2020) a este mês, em grande parte, têm sido ocorrência de Pix ou ainda de maquininha de cartão. É um dos dois.”

Roubos via Pix estão aumentandoem São Paulo desde que a solução do Banco Central foi implantada no fim do ano passado. Foto: Leo Souza/Estadão - 16/11/2020

Foi sabendo justamente da ocorrência de crimes do tipo que Chaves havia diminuído, poucos dias antes do roubo de seu celular, o limite de transferência dos aplicativos de banco que utiliza. Ainda assim, a medida adotada não foi suficiente para evitar que ele tivesse R$ 3,8 mil transferidos de um dos bancos em que tem conta e outros R$ 2 mil retirados de uma carteira digital de investimentos. “É uma sensação completamente aterrorizante”, contou o bancário ao Estadão.

Por mais que tivesse lido a respeito havia pouco tempo, Chaves explicou que, após ter sido roubado, não imaginava que o celular seria invadido e as transferências pudessem ser feitas em tão pouco tempo. “Os sequestros chamam mais atenção. Em roubos assim, achava que era mais difícil”, disse, relatando que só foi entender a dimensão do que havia acontecido quando chegou em casa e notou que a senha de seu e-mail havia sido alterada. “Pensei: ‘tem uma coisa muito errada. Não é só um roubo de aparelho’”, disse.

Após tomar as medidas necessárias e recuperar o número antigo de celular, Chaves relata que entrou em contato com as instituições financeiras das quais é cliente e não teve o dinheiro estornado. Segundo ele, o banco informou que não seria possível fazer a devolução do valor, mas ele pretende recorrer. Já a gestora da carteira digital ainda está analisando o pedido. “A mensagem que fica é de que não estamos seguros. Não atribuo o problema ao Pix, ele gera certa facilidade. Mas precisamos de mais camadas de segurança”, acrescentou o bancário.

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Delegado de Polícia da 1ª Seccional de São Paulo, Roberto Monteiro explica que, especialmente na região central da capital paulista, os sequestros não são tão frequentes, mas sim os roubos. “O que temos aqui é mais a fraude a partir de celulares, que são levados para que pessoas que têm conhecimento técnico extraiam dados bancários desses aparelhos para que sejam aplicados golpes”, conta. Segundo ele, desde 2019, mais de 9 mil celulares foram apreendidos apenas pela delegacia em que trabalha.

“É uma modalidade (de roubo) que preocupa bastante, porque o Pix representa uma modernidade, mas que está sendo deturpada, já que também está servindo ao crime”, diz o delegado. Com o objetivo justamente de atacar esse problema, a Polícia Civil de São Paulo realizou na terça-feira, 23, a Operação Pen-Off e deteve quatro investigados por comercializar ilegalmente dispositivos de armazenamento que contêm “dados cadastrais de pessoas diversas”.

“Apreendemos também um programa que desbloqueia celulares, iCloud, aplicativos. O grande perigo não é só o valor agregado do celular, mas as informações que podem ser utilizadas para a aplicação de outros golpes”, explicou Monteiro. “Antes, era muito difícil invadir o sistema do celular. Agora, o que vemos é que já existem programas que facilitam o acesso, e o Pix acabou servindo a esse propósito criminoso."

Para o analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Guaracy Mingardi, “a polícia não está preparada” para ocorrências do tipo. “A área de investigação que lida com informática é muito pequena, não é tão poderosa assim”, destaca. “Demora um tempo para se adaptar a esse tipo de golpe, assim como demorou a se adaptar a sequestros. Os crimes vão acontecendo e a polícia vai correndo atrás.”

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Em meio a isso, segundo Minguardi, é de suma importância que o Banco Central e as próprias instituições financeiras adotem medidas não só para implementar mais etapas de segurança, como para monitorar as contas para as quais as transações são feitas. “Se o sujeito prova que foi sequestrado, recebe o dinheiro de volta ou não? Tem de ter regras para isso."

Em nota, o Banco Central disse que “todas as operações com o Pix são 100% rastreáveis”, o que permite a identificação das contas recebedoras dos recursos, e que apenas 0,001% das transações via Pix apresenta suspeita de fraude, o que seria uma proporção “ínfima”. A instituição disse ainda que divulgou em junho as regras do chamado “mecanismo especial de devolução”, que passará a ter vigência em 16 de novembro. Em tese, ele padronizará as regras e procedimentos para viabilizar a devolução de valores nos casos em que existe “fundada suspeita de fraude.”

Por sua vez, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) informou que, juntamente com seus bancos associados, está reforçando ações de comunicação para orientar clientes que sejam vítimas de crimes via Pix. Segundo a instituição, a recomendação é que o banco e a operadora de celular sejam imediatamente notificados, para bloqueio dos aplicativos, e que o boletim de ocorrência seja providenciado para investigação dos casos.

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“Não há registro de violação da segurança desses aplicativos, os quais contam com o que existe de mais moderno no mundo para este assunto”, complementou a Febraban, alegando que um ponto que pode justificar as violações é que “muitos usuários anotam suas senhas de acesso ao banco em blocos de notas, e-mails, mensagens de Whatsapp ou em outros locais do celular.”

A Secretaria de Segurança Pública do Estado informou que, desde janeiro até o momento, as "forças de segurança prenderam mais de 100 criminosos, identificaram outros 74 e apreenderam quatro menores de idade" envolvidos nessa modalidade. A Polícia Civil recomenda que o usuário da tecnologia (Pix) estabeleça um limite em sua conta junto ao banco. Caso tenha sido vítima, precisa reunir toda documentação da transação, como extratos e comprovantes, registrar um boletim de ocorrência em qualquer distrito policial ou na delegacia eletrônica, e cientificar o banco para eventual ressarcimento, após análise dos documentos.

Quadrilha usava OLX e fazia sequestros

Cinco suspeitos de integrar uma quadrilha que vinha sequestrando pessoas e as obrigando a fazer transferências via Pix foram presos no último dia 18 em Itaquaquecetuba (SP), em operação realizada pelo Ministério Público Estadual em parceria com a Polícia Militar. Em três meses, o grupo criminoso teria feito mais de 20 vítimas, roubando cerca de R$ 100 mil.

De acordo com a Promotoria, a quadrilha anunciava a venda de automóveis e motocicletas por meio do site OLX e fazia com que os interessados se deslocassem ao local indicado. As vítimas, então, eram rendidas e obrigadas a fazer transferências via Pix em altos valores, além de terem os celulares roubados.

“Além das prisões, foram cumpridos mandados de busca e apreensão e houve bloqueio de contas bancárias, com o objetivo de recuperar, ao menos em parte, os valores subtraídos das vítimas”, acrescentou o MP.

Em nota, a OLX informou que as negociações são feitas “sem a intermediação da plataforma”, diretamente entre vendedor e comprador. “A empresa está à disposição das autoridades para colaborar na apuração dos fatos”, disse, destacando que “investe constantemente em tecnologia e comunicação”.

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