Golpes virtuais, roubos, mortes pela PM e mais: 5 dores de cabeça para Tarcísio na segurança

Governo vê queda de roubos e homicídios, mas tem desafios na área; secretaria diz investir no treinamento de policiais, na compra de tecnologia, além de mais concursos para a corporação

PUBLICIDADE

Foto do author José Maria Tomazela
Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

O governo de São Paulo inicia 2024 com o tema da segurança pública em destaque. Roubos e homicídios tiveram queda, mas o medo de ser vítima de ladrões segue como preocupação frequente, sobretudo de moradores de grandes cidades. A sensação de insegurança aumenta na medida em que há relatos frequentes de crimes como furto e roubo de celulares, golpes virtuais e sequestros.

Operação Escudo foi deflagrada após morte de agente da Rota no Guarujá Foto: Taba Benedicto/Estadão

PUBLICIDADE

No fim do ano passado, um adolescente de 15 anos foi baleado em tentativa de roubo na Pompeia, zona oeste paulistana, quando estava na porta do prédio onde mora a namorada. Em Parelheiros, zona sul, uma policial foi morta semana passada ao reagir a assalto.

O espalhamento da Cracolândia, seguido por uma onda de saques no centro, amedronta empresários, que buscam saídas por conta própria, como instalar mais câmeras. A secretaria diz fazer operações na região: a polícia prendeu mais de 60 pessoas que descumpriam medidas judiciais esta semana.

Além disso, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário da área, Guilherme Derrite, terão de lidar com o crescente número de mortes por policiais, em meio a dúvidas sobre o futuro do programa de uso de câmeras corporais pelas polícias. O recorde de estupros e feminicídios também impõe um desafio extra à polícia nas estratégias de prevenção e combate.

A seguir, veja cinco desafios que a gestão Tarcísio terá de enfrentar na área da segurança em 2024, segundo especialistas.

Publicidade

1 - Letalidade policial

O Estado registrou alta de 39,6% nas mortes cometidas por policiais em serviço de 2023, após queda recorde de 2022. O ano retrasado havia sido celebrado em razão dos efeitos obtidos com a ampliação da política de câmeras corporais da PM. Desde que Tarcísio assumiu o governo, no entanto, o programa ficou congelado em pouco mais de 10 mil equipamentos nos uniformes dos agentes.

No início do mês, Tarcísio chegou a afirmar que não via utilidade na tecnologia, mas, nesta semana, falou em ampliar a iniciativa. Na quarta-feira, 24, Derrite afirmou que as câmeras precisam ser funcionais, garantir proteção aos policiais e à sociedade, além de se adequar às demandas de segurança das cidades.

Enquanto o programa é congelado, a taxa de mortes por PMs volta a subir. “Mais do que a alta da letalidade policial, houve despriorização na política de uso da força em que São Paulo estava investindo. Havia antes investimento na profissionalização da polícia, na mitigação de riscos e discussões internas nos batalhões, para avaliar o caso toda vez que havia morte pela polícia”, diz Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz.

Segundo Carolina, a implementação das tasers (armas de choque não letal), que muitas vezes evitam mortes, foi abandonada. Ela também aponta fragilização da estrutura de apoio psicológico, de avaliação célere do caso e de um discurso público que valorize melhor uso da força pela polícia.

“O programa de câmeras corporais não é uma panaceia, mas tem vários mecanismos importantes que ajudam a melhorar o uso da força. A mudança de prioridade e o abandono da profissionalização no uso da força fazem com que a letalidade cresça”, afirma ela.

Publicidade

“Câmeras são, na verdade, indutor do bom comportamento do policial. Não prejudicam o trabalho policial: ao contrário. Só quem precisa se preocupar é o mau policial”, afirmou ao Estadão em dezembro o coronel reformado da PM José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança.

Em dezembro, o Ministério Público denunciou, com base em imagens das câmeras, dois policiais por supostamente terem forjado confronto na Operação Escudo na Baixada Santista entre agosto e setembro. Ao longo de um mês, a ação deixou 28 mortos. A Secretaria defende a legalidade da atuação sob o argumento de que os agentes não causaram os confrontos, mas responderam a eles de forma legal.

A pasta informa ainda investir em treinamento e na aquisição de equipamentos de menor poder ofensivo para reduzir a letalidade. “Todas as ocorrências dessa natureza são rigorosamente investigadas, encaminhadas para análise do Ministério Público e julgadas pelo Poder Judiciário”, diz.

Ainda conforme a secretaria, o programa Olho Vivo (das câmeras) está mantido, com contratos ativos e orçamento para o funcionamento de 10.125 câmeras em 2024, o que corresponde a 52% do efetivo da corporação. Além dos equipamentos já existentes, está em licitação a compra de 3 mil sistemas de leitores que serão acoplados nas viaturas para identificar veículos roubados.

Publicidade

2 - Roubos

Os registros de roubos tiveram queda de 6,2% no Estado de São Paulo, segundo balanço da Secretaria da Segurança Pública divulgado nesta sexta-feira, 26. Mas ainda seguem em patamares elevados.

Além disso, placas com a mensagem “Cuidado. Local com alto índice de roubo de celular”, colocadas por comerciantes na esquina da Avenida Brigadeiro Faria Lima com a Rebouças no ano passado, dão o tom da sensação de medo da população diante de crimes desse tipo.

Placas de alerta sobre roubos de celulares foram colocadas próximas ao cruzamento da Avenida Faria Lima com a Avenida Rebouças, na zona oeste de São Paulo. Foto: Werther Santana/Estadão

Para Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, roubos ou furtos de celular são o principal crime do momento em São Paulo.

Na região central de São Paulo, tem aumentado a atuação de gangues de ladrões de bicicletas e de criminosos que quebram vidros de carros, a exemplo “Bonde do Elevado”. Outra modalidade de crime que tem se popularizado é dos falsos entregadores, que assusta mesmo bairros nobres, como Alto de Pinheiros.

E, com o espalhamento da Cracolândia, o comércio da região central tem sofrido com o aumento da sensação de insegurança e episódios de saques.

Publicidade


“A maioria das pessoas não anda com dinheiro, mas leva celular e faz o Pix. Cartão de crédito não é interessante porque a pessoa consegue bloquear rápido”, afirma. “Já o celular é muito furtado porque é fácil, as pessoas usam na rua, sem pensar onde estão. Ficam com ele na mão, passa alguém e leva. Há gangues do ‘mata-leão’, quando um imobiliza a vítima, e outro leva os pertences”, descreve.

Segundo o analista, o roubo de celular é bom negócio para o ladrão e para o receptador. “O custo-benefício é melhor que o do carro, que envolve mais risco e as pessoas já não precisam tanto de peças usadas, o que alimentava o furto”, diz Minguardi.

“Com o celular, o pessoal consegue desabilitar e pode vender inteiro ou em partes. No centro de São Paulo, tem inúmeras lojinhas vendendo celular usado, peças, mas tem também receptadores que levam para fora, para a África principalmente”, exemplifica o especialista.

Ele disse que, nos últimos anos, vários governadores, inclusive o atual, apostaram na tática de prender ladrões. “Não é a melhor estratégia sair trombando e prendendo um por um. A investigação precisa ser no atacado e isso implica em ir ao receptador, o que deve ser feito pelo policial civil. Para combater o crime profissional, precisa investir na investigação, não adianta ficar pensando em flagrante”, afirma.

A questão do déficit nos efetivos, tanto da Polícia Civil quanto da Militar, foi herdada pela gestão atual, segundo a Secretaria da Segurança, e tem sido tratada desde o começo com ações para recomposição salarial, valorização da carreira e realização de concursos públicos. Estão em andamento processos seletivos para preencher mais de 14,7 mil vagas, abrangendo policiais civis, delegados, escrivães e investigadores, disse a SSP.

Publicidade

3 - Sequestros e ‘golpe do amor’

Casos como o sequestro do ex-jogador de futebol Marcelinho Carioca e outras modalidades semelhantes, como o “golpe do amor”, têm se multiplicado e resultam em grave prejuízo financeiro para as vítimas.

Ex-atleta Marcelinho Carioca disse que ficou na mira de um revólver enquanto era mantido refém, em dezembro  Foto: Alex Silva/Estadão

Marcelinho e uma amiga foram mantidos em cativeiro por mais de 36 horas em dezembro. Os criminosos exigiam transferências de valores por Pix e chegaram a pedir resgate.

Em outubro, um homem de 36 anos foi baleado em tentativa de assalto após ir a um falso encontro no Jaraguá, zona norte de São Paulo, em um exemplo de crime que ficou conhecido como “golpe do amor”.

Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) , acredita que o setor antissequestro vem dando resposta efetiva a esses crimes na capital, mas ela não está presente no Estado todo.

“Precisamos contratar mais policiais civis, dar mais governança para ter boa investigação criminal e evitar que esses crimes continuem a crescer. O que precisa em São Paulo é tratar a segurança pública de forma profissional, usando inteligência e gestão eficiente”, defende.

Publicidade

Guaracy Mingardi vê o “golpe do amor” como a atualização de golpes antigos, agora praticados com auxílio da tecnologia. “O ladrão sempre se aproveita das novas tecnologias, sempre está procurando algo diferente. Não é a polícia que inova, é o ladrão. E a polícia, que segue a burocracia do Estado, se adapta como pode.”

No ano passado, o Estadão mostrou que sequestros dessa natureza estavam em patamar recorde nos últimos 15 anos. Normalmente, o refém é mantido por horas em cativeiro perto do local de abordagem, e a quadrilha faz transações bancárias, sobretudo pelo Pix. Depois, a vítima é solta em áreas mais afastadas.

Conforme a secretaria, o Departamento de Operações Policiais Estratégicas (Dope), por meio da Divisão Antissequestro (DAS), tem concentrado esforços na investigação e prevenção de golpes, adotando medidas para identificar e deter os responsáveis.

Em 2023, a equipe realizou 51 atendimentos, com êxito na resolução de 49 casos. “Importante mencionar que, nos últimos dois meses, a especializada não registrou novas ocorrências envolvendo esse tipo de golpe, indicando impacto positivo das ações preventivas”, aponta.

4- Golpes virtuais

Em dezembro, a Polícia Civil prendeu uma quadrilha que aplicava golpes simulando leilões de carros do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) de São Paulo. A polícia estimou prejuízo de mais de R$ 3 milhões às vítimas, 80 delas de Ribeirão Preto, no interior.

Publicidade

O falso leilão é só um dos golpes virtuais mais comuns. Outras modalidades são o boleto falso, ofertas tentadoras em páginas fake e crimes cibernéticos para roubar dados bancários, por exemplo.

Para Augusto Rossini, doutor em direito penal e com atuação no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), o combate aos golpes eletrônicos exige rearranjo legislativo, com a inserção da necessidade do reconhecimento biométrico nas transações de toda natureza.

“Delitos cibernéticos ou telemáticos deixam muito mais rastros do que os crimes comuns, situação que permitiria avanço nas apurações e identificação dos responsáveis”, ressalta.

Ele questiona a capacidade de investigação, especialmente de grandes grupos criminosos que aplicam golpes eletrônicos.

Segundo a Secretaria da Segurança, o monitoramento das variações dos indicadores criminais, especialmente em casos de estelionato, tem sido efetuado desde 2020, possibilitando o registro pela Delegacia Eletrônica e contribuindo para reduzir a subnotificação.

Publicidade

Na capital, existe a Divisão de Crimes Cibernéticos do Departamento de Estadual de Investigações Criminais (Deic), criada para combater crimes patrimoniais cometidos por meios eletrônicos, assim como extorsões mediante sequestro, como os casos do ‘golpe do amor’.

5 - Estupros e feminicídios

Para a diretora executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, crimes sexuais e contra as mulheres apresentam uma tendência permanente e são praticados em sua maioria contra vulneráveis, que são crianças até 14 anos ou pessoas que não podem se defender. Em grande parte, os autores das agressões são familiares ou conhecidos das vítimas.

“Como os crimes sexuais muitas vezes acontecem dentro de casa, tem esse discurso de que não cabe à segurança pública e parece que o governo fecha os olhos para o problema”, afirma ela.

O Estado tem 140 Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs), mas só 11 funcionam durante 24 horas. O governo federal editou lei para que todas as DDMs funcionem ininterruptamente, mas o governo estadual não tem prazo para se adequar à norma.

Para a especialista, as DDMs precisam ser integradas a outras áreas. “Sabemos que os casos chegam na saúde, na escola, casos de crianças e adolescentes, e é preciso uma política para fazer a articulação com outras pastas. A segurança pública está focada na PM, em ações de visibilidade. Os crimes sexuais ficam em segundo plano.”

Em maio de 2023, por exemplo, uma influenciadora digital de 19 anos foi estuprada e morta a facadas pelo namorado, de 43, em Araçatuba, no interior. Segundo os registros policiais, ele a trancou no apartamento e fez uma transmissão ao vivo na internet enquanto torturava a jovem. O suspeito foi morto por PMs.

Em São José do Rio Preto, em novembro, uma mulher de 34 anos foi assassinada com tiro na cabeça disparado pelo marido, de 36, de quem havia pedido a separação. Após praticar o feminicídio, o homem se matou, segundo a polícia.

Augusto Rossini considera que estupros seguem dinâmica própria. “Não é possível saber se os registros retratam o que acontece efetivamente dentro das casas. Abusos de crianças e adolescentes por pessoas próximas preocupam muito mais do que abusos nas ruas. Resta saber se os registros resultam em acusações formais e condenações. Um estudo precisa ser realizado”, sugere.

Conforme o governo, São Paulo é pioneiro em políticas públicas contra a violência à mulher, tendo feito ações e campanhas para estimular a denúncia de agressores e combater a subnotificação destes crimes.

O Estado oferece atendimento 24 horas para registrar ocorrências pela DDM Online e ainda dispõe de 217 unidades para atender vítimas, sendo 140 Delegacias de Defesa da Mulher e 77 salas DDM instaladas em plantões policiais. Outras 7 unidades 24 horas devem ser inauguradas até o fim do ano.

A pasta afirma que a atuação das DDMs é integrada com outros órgãos do governo, como a Secretaria de Políticas para a Mulher, que executa o protocolo “Não se Cale” para combater a violência contra a mulher em bares, baladas, restaurantes, casas de espetáculos e eventos.

Também destaca ter implementado o uso de tornozeleiras para agressores soltos em audiências de custódia. De setembro último a 22 de janeiro, 72 agressores passaram a ser monitorados, dos quais nove foram presos novamente por se aproximarem da vítima.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.