O governo de São Paulo lançou nesta quarta-feira, 22, um edital para a contratação de 12 mil novas câmeras corporais portáteis (COPs) para a Polícia Militar. Os novos equipamentos, com mais recursos tecnológicos, de acordo com o governo, vão substituir as 10.125 câmeras em uso atualmente. Na prática, a medida representa um aumento de cerca de 2 mil novos equipamentos ou 18%.
O número é menor do que foi anunciado em março pelo poder estadual. À época, o governo tinha afirmado que seriam contratadas 3.125 câmeras corporais a mais.
Entre as funções técnicas previstas no novo contrato está a integração com o programa Muralha Paulista, rede de segurança que interliga câmeras e radares em diferentes cidades para prevenir e controlar a criminalidade.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), as câmeras terão recursos de reconhecimento facial para identificação de foragidos, além de placas de veículos roubados ou furtados. O armazenamento de imagens e o sistema de baterias serão aprimorados - o novo edital exige que cada equipamento possua outro equivalente para recargas, processamento e uploads de arquivos.
O uso do reconhecimento facial divide opiniões. Embora o recurso seja cada vez mais utilizado em setores como segurança, comércio e transporte, especialistas apontam que ela pode aprofundar o racismo estrutural no Brasil. Casos recentes mostram que a ferramenta apresenta falhas no reconhecimento de pessoas não brancas, resultando em discriminação e violência policial.
De acordo com a SSP, as câmeras adquiridas por meio dos contratos anteriores serão devolvidas à empresa que ganhou a licitação na época. Hoje, elas estão distribuídas em 63 batalhões (quase metade do total) e unidades de ensino. “Porém, se necessário, a PM vai renovar o acordo para manter essas câmeras em funcionamento até o término da nova licitação, para que não haja a interrupção no uso das câmeras”, informou o órgão.
O primeiro contrato (3.125 câmeras) vence em 1º junho e o segundo contrato (7 mil câmeras) vence em 18 de julho. O órgão reafirmou ao Estadão que “não haverá interrupção no uso das câmeras pelos agentes”.
Mudanças de posicionamento sobre as câmeras
O uso das câmeras nas fardas dos policiais militares foi objeto de posicionamentos distintos do governo de São Paulo nos últimos meses. Durante reunião na Assembleia Legislativa no dia 6 de março, sobre supostos excessos de policiais militares durante operações na Baixada Santista, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, afirmou que as câmeras “inibiam” o trabalho da polícia. Na mesma ocasião, afirmou que era melhor aplicar o dinheiro das câmeras em tornozeleiras eletrônicas
No dia 10 de maio, Derrite mudou de opinião e afirmou que a utilização das câmeras é positiva para a corporação e os cidadãos. “Eu mesmo na época da campanha questionei a utilização das câmeras e sua eficácia e eu pude acompanhar que ela pode ser utilizada pra outras funcionalidades e isso pode ser muito bom não só para o policial, como para a população”.
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) também já fez esse movimento de mudança de posicionamento. Depois de se posicionar de forma contrária às câmeras na campanha ao governo estadual em 2022, Tarcísio de Freitas (Republicanos) decidiu cortar, depois de eleito, cerca de 10% do valor total do programa alegando “queda na arrecadação”.
Até 2 de janeiro, pelo menos, ele criticava as câmeras: “Qual é a efetividade da câmara corporal na segurança do cidadão? Nenhuma”, disse em entrevista à TV Globo naquele dia.
Vinte dias depois, porém, mudou de opinião. “A gente vai usar tecnologia. A câmera corporal é uma das componentes de tecnologia que se integram ao Muralha Paulista, então nós vamos avaliar o uso dessas câmeras, né? Há possibilidade até de ampliação”, afirmou o governador.
Paralelamente às mudanças de discurso, uma ação civil pública de setembro pediu que a Justiça obrigasse o governo de São Paulo a instalar câmeras corporais nos policiais militares e civis que atuavam na Operação Escudo, ação deflagrada após ataques a policiais na Baixada Santista como uma forma de restabelecer a ordem após a morte de uma policial da Rota.
A Justiça de São Paulo atendeu ao pedido da Defensoria Pública do Estado e do Ministério Público, mas a liminar foi suspensa no dia seguinte.
O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro do ano passado. Em março, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, deu prazo de 10 dias para que o Estado de São Paulo se manifestasse. O chefe do Executivo paulista firmou um compromisso junto ao Supremo para que os agentes usem os aparelhos de monitoramento durante operações no estado.
Influência na queda da letalidade
A adoção das câmeras corporais é uma tendência observada há pelo menos uma década, especialmente por forças de segurança pública de países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. Mais recentemente, o modelo ganhou força também no Brasil e, até julho do ano passado, já era usado de forma permanente em oito Estados.
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As câmeras são apontadas por especialistas na área de segurança pública como aliadas na redução da letalidade policial. Em São Paulo, elas foram adotadas pela gestão João Doria (então no PSDB) em 2020. Nos últimos anos, os índices de letalidade estão oscilando.
Os primeiros anos de implementação mostraram resultados na queda recorde do indicador, que voltou a subir na gestão Tarcísio. Em 2023, as mortes cometidas por policiais militares e civis em serviço cresceram 39,6% no Estado. No primeiro trimestre deste ano, essas mortes mais do que dobraram, passando de 75 para 179 ocorrências na comparação com o mesmo período do ano passado.
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