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Governo de SP quer transformar favela usada como ‘bunker’ do PCC em parque e estação de trem

Projeto de requalificação da Favela do Moinho visa a criação da Estação Bom Retiro; famílias devem ser retiradas e encaminhadas para imóveis que serão comprados da iniciativa privada

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Foto do author Gonçalo Junior
Atualização:

Marcada por tentativas de desapropriação, graves incêndios e, mais recentemente, uma megaoperação policial contra o tráfico de drogas, a região da Favela do Moinho deve se transformar em um parque e receber uma estação de trem.

Essas são algumas mudanças previstas em um projeto de requalificação para a região da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) que envolve a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CDHU) e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), em parceria com a Prefeitura de São Paulo.

Vista geral da Favela do Moinho a partir do viaduto Engenheiro Orlando Murgel, na região central de São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

A futura Estação Bom Retiro faz parte da concessão do governo estadual para as linhas 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade da CPTM para serem administradas pela iniciativa privada. O escopo prevê, por exemplo, a extensão da Linha 13-Jade até Bonsucesso, em Guarulhos, na região metropolitana. Serão dez novas estações para atender uma demanda aproximada de 1,2 milhão de passageiros/dia.

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Paralelamente à nova estação, o governo estuda atrações de lazer para a região. A área compreendida entre as duas linhas férreas (7-Rubi e 8-Diamante), ocupada pela comunidade do Moinho, deverá ser transformada em um parque, com áreas de circulação para pedestres e bicicletas. Outro projeto é o Trem do Moinho, que vai fazer um passeio preservando parte da linha férrea da CPTM. Há estudos sobre a criação de um memorial ferroviário.

O cronograma ainda está indefinido, mas a expectativa do governo é publicar o edital e realizar o leilão entre as concessionárias ainda neste ano. As obras devem começar no ano que vem.

Para onde vão as famílias da Favela do Moinho?

A iniciativa prevê a retirada e realocação de cerca de 800 famílias que hoje residem no espaço. Uma das soluções de moradia são as 2,5 mil unidades habitacionais que o governo pretende adquirir da iniciativa privada. De acordo com o edital publicado na semana passada, o poder estadual busca apartamentos prontos, em construção ou com projeto aprovado nos distritos da Bela Vista, Belém, Bom Retiro, Brás, Cambuci, Consolação, Liberdade, Mooca, Pari, República, Santa Cecília e Sé.

Interlocutores de Tarcísio de Freitas afirmam que o governador está preocupado com as questões de segurança na região. Localizada entre os trilhos de trem, a comunidade ocupa aproximadamente 23 mil metros quadrados sob o viaduto Engenheiro Orlando Murgel desde a década de 1990. As linhas férreas estão em operação, o que aumenta o risco de acidente. Só há uma entrada para a favela.

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Na última década, foram registrados dois incêndios de grandes proporções que deixaram mortos e centenas de desabrigados. “Nosso maior interesse é eliminar o risco dos moradores. É uma comunidade que vive entre os trilhos do trem”, afirma Marcelo Branco, secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano. “Esse cenário comprova a necessidade de atendimento habitacional”.

Região é apontada como quartel-general do PPC, de acordo com MP

A região enfrenta desafios na área de segurança pública. Como o Estadão mostrou, investigações do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual (MPE), reuniram provas de que a área se tornou a fortaleza do Primeiro Comando da Capital (PCC) no centro da cidade. De acordo com as investigações, é de lá que os criminosos controlam as comunicações da polícia.

Favela do Moinho é apontada como local estratégico para operações do tráfico de drogas, de acordo com MP.  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Além disso, ainda de acordo com o MP, funciona dentro da comunidade um tribunal do crime em que a facção julga seus desafetos e pessoas que não pagam suas dívidas com o tráfico.

A escolha da região teria sido feita pelos criminosos por causa de sua localização estratégica. A comunidade fica a apenas dois quilômetros de distância da Rua dos Protestantes, atual fluxo de uso e venda de drogas no centro.

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A Secretaria de Segurança Pública informa que nas áreas do 2º e 77º DP, que abrangem a comunidade do Moinho, o volume de drogas retiradas das ruas foi 905,88% maior de janeiro a julho deste ano, passando de 177,4 quilos em 2023 para 1,8 tonelada. “No período, a quantidade de criminosos presos e apreendidos aumentou 8,7%, enquanto o número de armas recolhidas dobrou”, diz a pasta.

O órgão informa ainda que os roubos e furtos em geral, na área central, caíram 28,5% e 19,5%, respectivamente, nos primeiros sete meses deste ano, em relação a igual período de 2023. “Quando verificada apenas a região da comunidade citada, as quedas foram de 10,8% e 2,1%”.

O Estadão apurou que equipes da área social do governo estadual que dialogam com os moradores para realizar o cadastro das famílias e iniciar o atendimento habitacional agem com discrição. Eles contam que os moradores se mostram receosos e relutam em fornecer informações.

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Benedito Roberto Barbosa é advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e afirma que os moradores temem sair para um local indefinido.

“As famílias estão com medo de ficar na rua”, o líder comunitário, que se preocupa com uma criminalização generalizada da região.

O cronograma habitacional ainda depende de vários fatores, entre eles, o cadastro dos moradores e os resultados do chamamento à iniciativa privada. As previsões iniciais indicam que as primeiras habitações comecem a ser entregues também no ano que vem.

Desapropriações, muros e disputas históricas

Não é a primeira vez que o poder estadual tenta acabar com a favela do Moinho. No início dos anos 1990, um grupo de moradores ocupou um terreno que pertencia à Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Quase uma década depois, o terreno foi leiloado para a empresa Mottarone para quitar dívidas tributárias da RFFSA.

Mas a empresa foi extinta e todos os seus bens repassados à União. Com isso, nunca houve definição sobre o que era União e o que era da Prefeitura. Hoje, os poderes estadual e federal negociam a cessão de parte da área da União. As conversas estão bem encaminhadas.

Ainda nos anos 2000, a associação de moradores conseguiu decisão favorável para se manter no local. O então prefeito Gilberto Kassab (PSD) queria declarar a área de utilidade pública e desapropriar toda a área. Após um grande incêndio em 2011, Kassab decidiu construir um muro para separar a favela. A separação acabou derrubada pelos próprios moradores.

O prefeito seguinte, Fernando Haddad (PT), prometeu a regularização fundiária e urbanização do local, mas o projeto avançou pouco. Somente em 2022 que a favela passou a contar com sistema de água e esgoto após cobranças do Ministério Público de São Paulo.

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