Mais de 132,3 mil imóveis estão em áreas classificadas como de alto e muito alto risco para deslizamentos e enchentes na região metropolitana de São Paulo. Os dados foram compilados pelo Estadão com base no Mapeamento de Riscos de Movimentos de Massa e Inundações de 38 municípios da Grande São Paulo, publicado em 2020 pelo então Instituto Geológico, do Estado – sem considerar a capital.
Entre os locais sinalizados como de risco elevado estão alguns dos mais atingidos nas recentes chuvas, que deixaram ao menos 24 mortos desde o fim de semana, além de afetar 27 municípios. É o caso da Rua Jatobá, no Pinheirinho, em Embu das Artes, que tem 278 edificações em área de “muito alto risco” para deslizamentos. Na madrugada de domingo, uma mãe e dois filhos morreram soterrados após a casa em que viviam ser atingida pela terra.
Situação semelhante é a da Rua São Carlos, em Franco da Rocha, apontada como local de “alto risco” para “escorregamento” em uma área com 47 imóveis, no bairro Parque Paulista. No local, um deslizamento no domingo deixou ao menos 8 mortos, incluindo um menino de 13 anos. Outras 8 pessoas estavam desaparecidas até o fim da tarde de segunda-feira, e 6 foram resgatadas com vida.
Em Francisco Morato, outro deslizamento atingiu a Avenida Paulo Brossard, no Jardim Vassouras, que tem 39 imóveis em alto risco. Ao menos cinco pessoas ficaram feridas, incluindo duas crianças e um adolescente. Vice-prefeito, Ildo Gusmão destaca que a situação é de conhecimento público. “Temos tudo mapeado, documento. Não é uma novidade para o município, o Estado e o governo federal quando esses fatos (deslizamentos) ocorrem. Mensalmente temos que documentar quais são as moradias, quantas famílias estão ali.”
Ele argumenta que o município não tem recursos suficientes para investir em habitação social. “O que mais esperamos são políticas públicas para retirar pessoas das áreas de risco”, diz. “A prefeitura deseja fazer, mas somos a parte mais fragilizada, uma das cidades mais pobres do Estado.”
Francisco Morato registrou 278 ocorrências por chuvas, resultando na retirada de ao menos 110 famílias de casas. O levantamento estadual aponta que há 2,9 mil edificações em áreas de alto e muito alto risco no município. Por lá, as chuvas dos últimos dias deixaram ao menos uma criança e três adolescentes mortos. Cerca de 68 pessoas estão em abrigos, segundo o município.
Prefeito de Santa Isabel, que está em emergência, Carlos Augusto Chinchilla Alfonzo (PSL) pondera que grande parte das construções em área de risco é de famílias de baixa renda e que não tem outras opções de moradia. “São áreas consolidadas de ocupação irregular sem infraestrutura.”
Ele aponta uma dificuldade de obtenção de recursos para obras de infraestrutura. “Desde abril, pleiteamos verbas com o Estado e a União para a reforma de uma ponte que é a única entrada para o bairro de Morro Grande. O ministério nos disse que ajudaria, se a ponta caísse”, comenta. Com as chuvas do fim de semana, o acesso foi interditado, deixando cerca de 60 famílias ilhadas. Segundo o prefeito, no domingo o Estado informou a liberação de R$ 500 mil para a obra, de R$ 800 mil.
Coordenador municipal da Defesa Civil de Diadema, Luciano Jurcovichi Costa comenta que obras de drenagem têm ajudado a evitar alagamentos, mas que a solução é mais complexa no caso das moradias em áreas de risco, como em encostas. “A preocupação maior é com eventuais deslizamentos.” A cidade registrou um escorregamento no domingo, que atingiu um muro de arrimo, o que resultou na interdição preventiva de quatro casas. Antes disso, há duas semanas, outro evento de maior proporção resultou na interdição de nove residências.
Segundo Costa, há um monitoramento diário dos dez pontos com maior risco, pela Defesa Civil, que está em diálogo com a Secretaria Municipal de Habitação para futuros projetos envolvendo o local e as famílias residentes e para prevenção de novas ocupações irregulares. “Desastres são imprevistos. Por mais que haja monitoramento sempre, são áreas sujeitas a esse tipo de problema (deslizamentos).” Diadema tem 2 mil imóveis em áreas de alto/muito alto risco.
Já “desesperador” é a descrição do prefeito Gilmar Lagoinha (MDB), de Caieiras, sobre o momento na região, especialmente nos vizinhos Franco da Rocha e Francisco Morato. “Com previsão de chuva para os próximos dias, isso nos preocupa muito, mesmo estando em situação melhor do que alguns prefeitos da região.”
O prefeito diz que foram cerca de 70 chamados pela Defesa Civil desde o fim de semana, com a retirada preventiva de três famílias. Segundo o levantamento estadual, Caieiras tem 3.329 edificações em área de risco alto e muito alto. Entre os planos municipais estão uma parceria estadual para a construção de um piscinão e muros de contenção.
Em Guarulhos, o coordenador municipal de Defesa Civil, Waldir Pires, diz que o trabalho de prevenção em áreas de risco é realizado durante o ano todo e entre os meses de abril e outubro, os de menor pluviosidade, é reforçado em ações conjuntas com as secretarias e por meio de programas de conscientização e educação ambiental. Para ele, no entanto, o principal problema é remover as famílias desses locais. “Seria preciso um investimento maciço em um programa habitacional.”
Em nota, o Estado de São Paulo destacou ter investido cerca de R$ 800 milhões em obras e ações de combate a enchentes, além de ter ofertado mapeamentos de risco a prefeituras e programas de capacitação e ter iniciado a obra de um piscinão em Jaboticabal, o maior de São Paulo, além de construir dois reservatórios em Franco da Rocha.
SITUAÇÃO
Os locais de alto e muito alto risco na Grande São Paulo abrangem residências, comércios e estabelecimentos de serviços. Os mapeamentos apontam que os imóveis têm elevado risco de inundação (16,6 mil), escorregamento/deslizamento de rocha/solo/aterro (103,2 mil), solapamento/afundamento de margens fluviais (11,8 mil) e erosão (23). Ao todo, são 2 mil setores de risco alto e muito alto na região, que somam 5,1 mil quilômetros quadrados.
Os municípios com mais imóveis em áreas de alto e muito alto risco são: Santo André (17,5 mil), Guarulhos (15,7 mil), São Bernardo do Campo (15,1 mil), Mauá e Mogi das Cruzes (ambos com 10,4 mil), Itapevi (8,2 mil) e Itaquaquecetuba (7,4 mil). Ao todo, os dados estaduais apontam 573,1 mil edificações em área de risco na Grande São Paulo, classificadas de muito baixo ao muito alto risco.
Além da realocação de famílias, do monitoramento e de obras de engenharia, os estudos também sugerem obras e ações de reurbanização e recuperação do ambiente, a depender do grau de risco. Entre elas estão implementação de saneamento básico, coleta de lixo, zeladoria, pavimentação e calçamento permeável, arborização e drenagem, por exemplo. No ambiente, recomenda-se, a recuperação de cabeceiras de bacias com arborização, instalação de cisternas, controle de erosão, assoreamento e limpeza de córregos e criação de parques alagáveis etc.
Com a desigualdade social, o empobrecimento da população e a oferta de habitação popular insuficiente, por vezes a moradia em área de risco é a única opção para algumas famílias. Tampouco há acesso suficiente a informações sobre a identificação de sinais de risco, como trincos nas paredes e inclinação de árvores, por exemplo.
Especialistas ouvidos pelo Estadão indicam que é necessário investir em políticas de prevenção e conscientização da população. As pessoas não vão para essas áreas porque elas querem. Elas vão por falta de opção”, afirma Pedro Côrtes, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP.
“Parece que o poder público espera a tragédia acontecer para tomar alguma providência, não dando ouvidos aos alertas”, salienta. “Com uma semana de antecedência já se sabia que nós teríamos chuvas consideráveis na região metropolitana de São Paulo. Então, houve tempo mais do que o suficiente para fazer a remoção dessas populações. Não foi que de repente ocorreu uma chuva totalmente inesperada.”
Regina Alvalá, coordenadora de Relações Institucionais do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) complementa: “Se a gente investir em prevenção, monitoramento e alerta, as chuvas vão continuar acontecendo, mas os impactos serão diminuídos.”
“Para o Brasil avançar e diminuir os riscos ‘das tragédias’, é fundamental avançar em políticas de habitação, de saneamento básico, de desenvolvimento sustentável, de desenvolvimento/planejamento urbano, de ordenamento territorial, de meio ambiente, entre outras ”, acrescenta. Ela enfatiza a necessidade de melhorar condições de moradia, pois residências em área de risco ou fora dos critérios da engenharia aumentam a vulnerabilidade dos residentes.
“Algumas moradias são feitas em áreas que, a priori, a vegetação não deveria ser derrubada. Ou na margem do rio. Derruba-se a aquela mata ciliar que está na beira dos rios”, diz Regina.
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