Greve do Metrô em SP é reflexo da polarização entre lulismo e bolsonarismo, diz José Pastore

Para professor da USP e um dos maiores especialistas em mercado de trabalho e legislação, há tentativas de desgastar Tarcísio de Freitas, mas que não surtiram efeito até agora

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Atualização:
Foto: Felipe Rau/Estadão
Entrevista comJosé PastoreProfessor da USP

Funcionários do Metrô, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), além de trabalhadores da educação, da saúde e da Fundação Casa, anunciaram uma greve conjunta para esta terça-feira, 28. As categorias protestam contra o plano de privatizações, uma das principais promessas de campanha do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

No caso do sindicato dos trabalhadores do metrô, a categoria já cruzou os braços pelo menos três vezes desde março, além de ameaças de paralisação que não foram concretizadas. Os sindicatos se mobilizam contra o que chamam de “destruição dos serviços públicos em São Paulo”.

A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua vez, classifica a mobilização como “política, pois não há demandas trabalhistas”. Na sexta, o governador falou que a greve é um “deboche” com a sociedade.

Professor de Relações do Trabalho da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA-USP) e um dos maiores especialistas em mercado de trabalho e legislação, o sociólogo José Pastore afirma que as greves em sequência em São Paulo têm caráter político e refletem a polarização do País entre lulismo e bolsonarismo. O especialista também vê no movimento uma tentativa de desgastar Tarcísio, mas acredita que isso “não tem surtido efeito até o momento”.

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Funcionários do Metrô, da CPTM e da Sabesp e trabalhadores da educação, da saúde e da Fundação Casa anunciaram uma nova greve conjunta para terça-feira, 28  Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

Como o senhor avalia a série de paralisações neste ano, principalmente no setor de transportes?

Esse movimento se caracteriza por uma greve política. Quando uma greve é decorrente de um impasse nas negociações trabalhistas, o movimento é lícito e legal. O Brasil tem uma legislação que não permite que os trabalhadores façam greve política. Eles podem ser penalizados por terem feito uma greve política.

As últimas paralisações e a próxima, marcada para esta terça, tiveram o apoio de outras classes, como da educação e saúde. O movimento está se ampliando?

Isso evidencia ainda mais o movimento como político. Quando você mistura todas as categorias, a greve não é por disputa salarial de uma negociação. As greves políticas estão se proliferando. Na semana passada, na zona sul, tivemos uma paralisação por causa de uma disputa dentro do sindicato, sem ligação direta com a população.

Os metroviários dizem que o governo não está dialogando sobre a privatização...

Os grevistas estavam com medo que o governador privatizasse a Sabesp do dia para a noite. O governo encaminhou um estudo para a Assembleia Legislativa, que é o canal normal e democrático para atacar uma ideia quando você manifesta desacordo. Quem quer se manifestar, a favor ou contra, tem o espaço da Assembleia.

Qual é a perspectiva da sociedade?

As últimas greves, principalmente do transporte, atingem em cheio a população. As pessoas levam prejuízos de várias formas, o que causa evidentemente uma revolta e uma indignação.

A catraca livre nos metrôs, uma proposta dos sindicalistas, é uma saída para não prejudicar a população?

Seria uma saída se arranjarem uma maneira de o Estado pagar os funcionários do Metrô. Os salários vêm das receitas das catracas. Se conseguirem uma solução para isso, pode ser interessante.

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Última greve, em outubro, afetou diretamente ao menos 3 milhões de pessoas em São Paulo Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Essas greves são testes para o governo de Tarcísio de Freitas?

Elas são o reflexo dessa polarização entre lulismo e bolsonarismo. Em São Paulo, temos um governador ligado ao ex-presidente (Jair Bolsonaro) com perspectivas de seguir na carreira política. O outro lado pretende usar todos os meios para desgastá-lo perante a população. Parar o metrô, parar o ônibus, interromper a água, e a população entender que tudo isso é culpa de um governador que não sabe governar. Mas isso não tem surtido efeito até o momento.

Os sindicatos querem retomar o protagonismo de décadas passadas?

Os sindicatos mais politizados, como é o caso do Metrô, estão querendo mostrar presença na sociedade atual. Não sei se há plano intencional e articulado de buscar o protagonismo no passado. Eles se envolviam em outras questões de maneira profunda e extensa, como nas privatizações da energia e do telefone. Acho que hoje eles não são tão proeminentes, mas estão querendo mostrar que estão vivos.

Essa retomada do movimento sindical pode ter relação com a volta do PT ao governo federal?

Sim. O PT é um partido de sindicalistas. Isso não significa que ele apoie as greves indiscriminadamente, mas ele têm condescendência maior com os movimentos grevistas. Não há dúvidas de que existe uma relação.

Em geral, as greves são consideradas ilegais pela Justiça, mas multas nem sempre são pagas. A Justiça do Trabalho é efetiva?

A Justiça tem determinado as multas. Não se pode acusá-la de negligência. Existe outra fase, que é a cobrança da multa, tarefa do Estado, do Ministério Público e dos órgãos de governo. O prejudicado poderá ingressar com nova ação buscando reparar danos e perdas. Mas infelizmente tem acontecido isso mesmo: a Justiça determina a multa, mas, na última hora, é feito um pequeno acordo, a greve é interrompida e a multa, cancelada. Mas o Judiciário cumpriu a ação dele.

Esse embate entre o movimento sindical e o governo estadual pode antecipar o clima eleitoral do ano que vem?

A grande restrição que existe hoje nas centrais sindicais é a falta de recursos financeiros. Há uma luta para buscar esses recursos novamente. A volta a um estado financeiro mais sadio é fundamental para os sindicatos terem influência na política. As centrais sindicais dependem dos recursos repassados pelos sindicatos. Essa movimentação político-partidária, que sempre foi forte no Brasil, depende da questão da contribuição assistencial dos trabalhadores não sindicalizados, que o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Se isso se efetivar, as centrais sindicais e os sindicatos poderão participação importante nas eleições de 2024 e até na 2026.

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