Guarda Civil, câmeras, reconhecimento facial: o que a Prefeitura de SP deve fazer para a segurança?

Embora área seja de gestão prioritariamente estadual, municípios têm ampliado ações contra a criminalidade; integrar trabalho com a polícia e aperfeiçoar uso da tecnologia são desafios

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Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

Esta reportagem é parte da Agenda SP, conjunto de temas cruciais para o desenvolvimento da cidade de São Paulo. A Agenda SP estará presente em toda a cobertura do Estadão das eleições: reportagens, mapas explicativos, nos debates Estadão/ FAAP/ Terra, sabatinas com candidatos e no monitoramento semanal de buscas do cidadão paulistano

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A segurança pública é a maior preocupação dos paulistanos nas eleições municipais de 2024. Roubos e furtos tiveram queda este ano, mas seguem em patamar alto: em média, cerca de mil casos diários. A cada dois minutos, ao menos uma pessoa na capital tem pertences levados - celulares estão entre os mais comuns.

Os Estados são os principais responsáveis pela gestão da segurança e pelas polícias, mas as prefeituras têm sido cobradas e ampliado suas ações na área. Elas vão da ação das guardas civis a incrementos na iluminação pública, na zeladoria e no uso da tecnologia. O Estadão ouviu especialistas sobre quais devem ser as prioridades do prefeito nos próximos anos.

Monitoramento por câmeras, como o paulistano Smart Sampa, têm sido uma das apostas das prefeituras para reduzir a criminalidade Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Como é a ação municipal na segurança?

Na capital paulista, as últimas gestões tiveram dois focos:

  • Mais policiamento, com foco em investimentos para aumentar o efetivo da Guarda Civil Metropolitana e o número de policiais militares pagos pela Prefeitura para atuar em horários de folga - a Operação Delegada, convênio firmado com o Estado;
  • Câmeras de monitoramento. Atualmente, o programa Smart Sampa já usa 14 mil equipamentos na cidade, todos com reconhecimento facial

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Até junho, o Município havia empenhado R$ 927 milhões do orçamento na função segurança pública, mais do que o executado de janeiro a dezembro de 2022 e em todos os anos anteriores, em valores atualizados pela inflação (IPCA).

Para Ursula Peres, pesquisadora da USP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a capital paulista é um “ponto fora curva”, com “orçamento às vezes maior do que em alguns Estados”.

São 7.143 agentes da GCM, alta de 23% em relação a 2021. Outros 500 profissionais ainda passam por treinamento e devem incrementar o efetivo nos próximos meses.

Além disso, foi ampliada a oferta de vagas diárias da Operação Delegada para 2,4 mil. Em média, só na região central, a iniciativa reúne cerca de 1,4 mil PMs. São respostas à alta de crimes patrimoniais nos últimos anos, que elevaram a sensação de insegurança na região.

Ir além da patrulha ostensiva

Especialistas dizem que para aperfeiçoar o trabalho de guardas-civis é preciso não só investir em ações ostensivas, mas em fiscalizações conjuntas com a PM, até para evitar redundâncias. Também valem medidas de zeladoria e iluminação pública - locais escuros, por exemplo, facilitam a ação de bandidos.

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GCM viu efetivo aumentar 23% nos últimos anos Foto: Leon Rodrigues/Prefeitura de SP

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“Ficou muito na lógica de colocar a Guarda para o enfrentamento do crime”, afirma Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz. “Há fiscalizações que têm impacto na segurança pública, como de locais de venda de celular, que pode ser fruto de roubo, ou fiscalização de desmanches”, exemplifica. Essa frente de prevenção, para ela, não avançou tanto nos últimos anos.

Outra demanda é ampliar a presença da GCM fora do centro. Secretário municipal da Segurança Urbana, Junior Fagotti reconhece que, como roubos e furtos registraram altas na região entre 2022 e 2023, houve maior enfoque em patrulha por lá. “Agora buscamos destinar viaturas para regiões mais periféricas”, disse, citando como exemplos Jabaquara e o Grajaú, na zona sul.

Integração com as polícias

A integração da GCM com as Polícias Civil e Militar ainda é pequena. Há representantes da Guarda na central de operações da PM, mas são colaborações que poderiam ter amplitude maior. “São arranjos de ‘chão de fábrica’, nada muito institucionalizado”, afirma Alan Fernandes, coronel da reserva da PM e pesquisador de segurança.

Há patrulhamentos por vezes feitos em áreas coincidentes. Fagotti reconhece que falta articulação com as forças do Estado e da União, mas diz que o problema não é exclusivo de São Paulo nem compromete a segurança da população. “É melhor ter duas viaturas na mesma rua do que nenhuma.”

Um ponto em aberto sobre a atuação conjunta de GCM e PM foi a decisão da Justiça, de junho, que proíbe guardas-civis de usar bombas de gás lacrimogêneo, dar tiros de bala de borracha ou participar de ações policiais na Cracolândia, no centro. A gestão Ricardo Nunes (MDB) recorreu. Na avaliação da Guarda, a sentença cria insegurança jurídica para os agentes.

Outro desafio é investigar desvios de conduta na corporação, como a suspeita de participação de agentes em uma milícia que mantinha relações com o Primeiro Comando da Capital (PCC) no centro.

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Câmeras e inteligências artificial

O Smart Sampa tem a previsão de chegar a 20 mil câmeras até o fim do ano e, depois, dobrar o número com dispositivos privados. Cerca de 400 agentes da Guarda atuam diretamente na central de monitoramento.

As câmeras emitem alertas ao identificar placas de carros roubados, invasão de prédio público ou reconhecimento facial de desaparecidos e procurados pela Justiça. A abordagem, diz a Prefeitura, só é feita se a compatibilidade supera 90%. Em pouco mais de um mês, ajudou a prender mais de 100 pessoas.

O Smart Sampa foi alvo de questionamentos pelo uso de reconhecimento facial, risco de vazamento de dados sensíveis e impacto na privacidade, sobretudo diante das exigências da Lei Geral de Proteção de Dados. Foi suspenso pela Justiça, mas retomado após ajustes no edital. Em 2023, a Prefeitura disse ter definido “controle muito rígido” para as câmeras.

Nos Estados Unidos, São Francisco, Baltimore e Portland suspenderam o uso do reconhecimento facial. Lá, as dificuldades de os equipamentos identificarem pessoas não brancas e mulheres vieram mais à tona após o movimento Black Lives Matter.

Central da Smart Sampa na Rua 15 de Novembro, no centro paulistano Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Pablo Nunes, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), diz que faltou debate com a sociedade sobre o programa e definir regras mais claras para as câmeras. Segundo ele, o SmartSampa segue lógica “atrasada”. Há pesquisadores que defendem até proibir esse uso para a tecnologia.

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A Bahia, que criou programa similar há quatro anos, e São José dos Campos (SP) estão entre os exemplos mais robustos no Brasil. A cidade paulista adotou câmeras com inteligência artificial em 2021. Conforme a prefeitura, os roubos caíram 33% entre 2020 e 2023.

Quais são os bons exemplos no exterior?

Castigada por brigas do crime organizado, Cali, na Colômbia, apostou em dois projetos com uso da tecnologia. Um deles é o Plano Cali Segura, que prevê recuperar territórios tomados por facções.

Houve reforço do policiamento em áreas violentas com base no uso de inteligência e no compartilhamento de dados entre forças de segurança. A cidade usa ainda comunicação integrada entre polícias e facilidade no contato de cidadãos com autoridades locais.

A segunda frente é o Cali Inteligente, com foco em inclusão digital em várias áreas. Os roubos caíram 17% nos cinco primeiros meses de 2024 ante o mesmo período de 2023, diz estudo da Esfera Brasil em parceria com Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Houve desmonte de 23 estruturas criminosas, 2.376 infratores capturados e a apreensão de 520 armas de fogo.

Outro exemplo recorrente é o da polícia municipal de Nova York, armada e de natureza civil. Lá, a adoção do programa Compstat na década de 1990 mudou o patamar das estratégias de análise de estatísticas criminais por meio da tecnologia.

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Isso ajudou a superar longo período em que Nova York teve elevados índices de homicídios. O modelo foi replicado nos anos seguintes em dezenas de outras cidades americanas, como Los Angeles.

O que os candidatos propõem para segurança (em ordem alfabética)

Guilherme Boulos

“Dobrar o efetivo da Guarda Civil Metropolitana, atualmente com pouco mais de 7 mil agentes, e implementar a estratégia de policiamento de proximidade” são as principais propostas do candidato do PSOL na área de segurança. Boulos afirma que a medida garantirá a presença da Guarda nas ruas usando o mapa de incidência criminal e atuará também em pontos de ônibus, vias e centros comerciais dos bairros.

O candidato promete ainda reforço na ronda escolar, com viatura da GCM na porta de cada escola municipal. No caso da Cracolândia, Boulos afirma que criará uma inspetoria especial de segurança urbana dedicada à região formada por Luz, Campos Elíseos e Santa Efigênia. “O foco será em segurança e bem-estar social, integrando serviços de saúde, assistência social e direitos humanos, agindo 24 horas por dia e 7 dias por semana.”

Na questão de violência de gênero, o psolista afirma que ampliará a patrulha da Guardiã Maria da Penha, com viaturas e descentralização das bases, para atuar na prevenção e garantia das medidas protetivas e combate ao feminicídio. Promete ainda adotar o uso câmeras corporais pela GCM e instalar videomonitoramento no entorno das escolas, garantindo policiamento na entrada e na saída dos alunos.

José Luiz Datena

O candidato pelo PSDB afirma ter acumulado experiência no tema - ele apresentou por mais de 20 anos programa policial na TV. “Será tolerância zero. Menos bandido na rua, mais espaço para o cidadão ter a sua cidade de volta”, diz. Para Datena, as atribuições da Guarda devem ser ampliadas: “A GCM tem que ter poder de polícia, inclusive com serviço de inteligência e investigação. Vamos ampliar o efetivo atual, hoje com cerca de 7 mil homens e mulheres, com uma GCM muito mais bem armada e bem paga, à altura das outras polícias que combatem o crime, já que o inimigo é o mesmo”.

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O tucano aposta ainda na ampliação de videomonitoramento - “espalhar por toda a cidade o monitoramento por câmeras com reconhecimento facial” - e na expansão da parceria com a Polícia Militar no âmbito da Operação Delegada e reforço no programa Guardiã Maria da Penha.

“Sou a favor do uso das câmeras corporais pelos agentes de segurança. Os equipamentos vêm dando certo com a Polícia Militar de São Paulo e representam mais segurança para os próprios policiais. Quero incluir essa tecnologia na rotina de trabalho da GCM e também nos fiscais das posturas municipais”, afirma Datena.

São José dos Campos é uma das pioneiras no uso de câmeras com inteligência artificial no País, desde 2021 Foto: Werter Santana/Estadão

Marina Helena

A candidata do Novo foca principalmente no combate à corrupção e ao crime organizado para melhorar a sensação de segurança na capital. Marina pretende fazer o que chama de “Lava-Jato Paulistana”, uma força-tarefa para revelar e quebrar esquemas de crime organizado em prestadoras de serviço da Prefeitura, “principalmente nos setores de lixo e transporte”. “Também vamos expor os esquemas de propina entre vereadores e indicados em secretarias e subprefeituras.” Segundo a candidata, as ações seriam feitas em parceria com o Tribunal de Contas do Município e o Ministério Público, com a ajuda do ex-procurador Deltan Dallagnol.

Ela também promete dobrar o efetivo da GCM e tirar a Guarda do escritório. “Queremos a GCM bem armada, presente e atuante em áreas com muito movimento, como estações de metrô e trem, pontos de ônibus, creches e escolas durante a saída das crianças.”

Marina planeja implementar câmeras corporais em guardas para aumentar a transparência e “proteger os policiais de acusações mentirosas”. Mas a candidata aposta em melhorias para corrigir falhas no sistema atual: “vamos implantar câmeras com inteligência artificial que detectam comportamentos e incidentes, como quedas, choque entre carros, pessoas com armas na mão ou correndo de forma incomum. Após a detecção, a câmera emite avisos para o guarda da região e a central de comando, que averiguam a cena e se dirigem rapidamente para o local do incidente”, explica. Entre as apostas para o incremento da segurança também está o uso de drones.

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Pablo Marçal

O candidato pelo PRTB não enviou posicionamento até o fechamento desta reportagem.

Ricardo Nunes

Concorrendo pelo MDB, o prefeito que disputa a reeleição afirma que em sua gestão dobrou a tropa da GCM e a frota de veículos, motos e equipamentos e pretende, se vencer, ampliar a atuação da guarda em áreas de escolas e bairros periféricos.

Sobre o sistema de câmeras, Nunes afirma que a Guarda Civil Metropolitana faz a proteção territorial e acompanha ações dos agentes públicos na região central. Já o sistema Smart Sampa, de videomonitoramento, prevê 20 mil câmeras interligadas.

Para combater organizações criminosas em São Paulo, Nunes afirma que a gestão trabalha em conjunto com a Polícia Civil e a Polícia Militar e que conta com a parceria do vice-governador, Felício Hamuth, e do secretário municipal de Governo, Edson Aparecido, em um grupo de trabalho permanente para garantir a segurança. “No caso de operações especiais, a atuação da gestão municipal e das forças de segurança do Estado foram integradas. E sempre que necessário as duas esferas de poder vão trabalhar em conjunto no combate à criminalidade”, afirma.

Tabata Amaral

Segundo a deputada federal e candidata pelo PSB, Tabata Amaral, as abordagens policiais na Cracolância devem ser realizadas de forma pacífica. Ela também defende ampliar o número de guardas atuando e convocar os aprovados no último concurso. Entre seus planos está expandir a gratificação pelo exercício da função em regiões estratégicas e com maiores índices de criminalidade.

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Sobre o uso de câmeras corporais, defende que todos os servidores municipais que exercem atividade de fiscalização, não só a GCM, usem os equipamentos. “O monitoramento por câmeras é uma ferramenta importante. Precisa ser expandido e integrado com o governo do Estado e serviços municipais de outras áreas, como zeladoria e mobilidade, sempre respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados”, afirma.

Para combater organizações criminosas, Tabata propõe criar um Sistema Integrado de Gestão por Resultados da Segurança Pública, com metas e parceria com o governo estadual. Segundo a candidata, as administrações do Município e do Estado juntos podem dar respostas mais rápidas, somando esforços. “Faremos reuniões periódicas com os comandos de cada uma das forças, compartilharemos informações, dados e denúncias da comunidade para colaborar com o trabalho de investigação da Polícia Civil. Será possível identificar padrões e direcionar esforços específicos”, pontua.

Veja quais são as outras reportagens da série:

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