A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo afirma que a Secretaria da Segurança Pública (SSP), atualmente sob a gestão de Guilherme Derrite, dificultou o acesso do órgão a boletins de ocorrência no começo desta semana. A consulta poderia auxiliar no acompanhamento da Operação Escudo, deflagrada na Baixada Santista na última sexta-feira, 28, após o assassinato de um policial da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) no Guarujá.
A ação já resultou na morte de 16 civis, segundo balanço oficial, o que faz dela a operação mais letal da PM desde 2006. A Ouvidoria tem tido papel central na coleta de denúncias de agressão, tortura e execução pela população. Segundo a Secretaria da Segurança Pública, todas as mortes decorreram da reação de policiais militares e as ocorrências estão sendo investigadas. A pasta nega que tenha havido interrupção no fornecimento dos boletins.
A Ouvidoria afirma que, anteriormente, uma equipe composta por uma delegada e uma escrivã auxiliava o órgão a obter os boletins de ocorrência registrados nas delegacias. Desde a última segunda-feira, 31, no entanto, a equipe teria sido proibida de pesquisar os documentos para a Ouvidoria.
“Isso tem prejudicado a Ouvidoria inclusive a verificar se está ou não tendo homicídios de autoria desconhecida, que pode ser o tipo de homicídio que caracteriza as mortes, sobre as quais estão chegando denúncias, de pessoas em situação de rua”, afirmou ao Estadão o ouvidor da Polícia do Estado, Cláudio Silva.
Segundo ele, também foram recebidas informações de que pessoas estavam desaparecidas no Guarujá, mas o órgão não conseguiu apurar mais a fundo esses relatos. “A Secretaria da Segurança Pública tirou o acesso aos boletins de ocorrência da Ouvidoria”, disse o ouvidor.
Silva afirma que moradores têm apresentado uma série de denúncias desde que a Operação Escudo teve início, na última semana. “A situação é avassaladora, do ponto de vista do nível de tensão e aterrorizamento que as pessoas estão”, disse ele, que esteve no Guarujá nesta quarta-feira, 2, pela segunda vez na semana.
“Tivemos informação de invasão de casa, inclusive com invasão de banheiro de mulher tomando banho. Agressões físicas, agressões mentais, especialmente a crianças e adolescentes”, acrescentou o ouvidor. Como mostrou o Estadão, uma família relata que uma das vítimas foi morta dentro de casa em Santos. Outra diz que um vendedor ambulante foi morto com nove tiros.
Conforme boletins de ocorrência obtidos pelo Estadão, houve disparos de fuzis por policiais em boa parte das ações. Diante dos relatos, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo pediu o “fim imediato” da operação. Cobrou também o uso de câmeras corporais no uniforme de todos os policiais militares e civis envolvidos na operação.
Nesta sexta-feira, 4, nota conjunta assinada por entidades como a Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) e o Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, além da Ouvidoria e de representantes do legislativo, também pediu o fim da Operação Escudo.
“A morte do soldado PM, os muitos cadáveres que vão surgindo a cada nova contagem, clamam por justiça – nunca justiçamento. A cada suspeito, acusado, envolvido, cabe o trabalho firme das forças de segurança e o devido processo legal por parte dos órgãos competentes”, diz a nota. O grupo também cobra uma reunião, em caráter de urgência, com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Em depoimento à CPI do MST, o secretário Guilherme Derrite minimizou as denúncias que têm surgido e disse que não passam de uma “narrativa”. O termo também foi usado pelo governador em coletiva de imprensa realizada nesta semana. A ação policial segue, com ampliação para outras cidades do Estado, como Santos e, mais recentemente, Caraguatatuba.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública afirmou, em nota, que “não houve interrupção no fornecimento dos boletins de ocorrência para a Ouvidoria”. “Os pedidos de BOs feitos pelo órgão continuam sendo atendidos seguindo todos os preceitos legais”, disse. A pasta afirmou ainda estar à disposição da Ouvidoria para esclarecimentos. A Operação Escudo tem previsão de duração de pelo menos um mês.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.