Coworkings, crises econômicas e a memória das crianças

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Por Henrique de Carvalho
Ilustração do autor (Henrique de Carvalho)  

Não se trata de tendência. Os coworkings vieram para ficar e já transformam o modo como vivemos o mundo do trabalho na cidade.

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Para quem ainda não conhece o termo, vale divulgar. Coworkings são lugares que alugam postos de trabalho prontos para uso, onde o dono de empresa não precisa se preocupar com limpeza, sala de reuniões, café, filtro de água, mesa, lâmpada queimada e afins. Nesses espaços existe um gerente cuidando de tudo isso (e mais) para você simplesmente chegar lá, ligar o computador e começar a trabalhar. O nome veio importado, para designar esse endereço comum compartilhado por empresas, geralmente de segmentos muito variados, e que se beneficia justamente dessa diversidade para tornar a convivência mais estimulante.

Talvez os precursores recentes dessa modalidade tenham sido jovens escritórios de arquitetura que, no início dos anos 2000, criaram coletivos em espaços compartilhados no Centro de São Paulo, mas não quero aqui traçar a gênese dos espaços compartilhados, senão a gente vai regredir até o primeiro escritório de Oscar Niemeyer, que nos anos 1940 cedeu sala para abrigar a sede do Partido Comunista.

2010

Tudo começou a tomar forma no fim do ciclo virtuoso mais recente de nossa economia, por volta de 2010. A atmosfera otimista estimulava a profissionalização das pequenas empresas e esses espaços eram desdobramento natural para profissionais que já vinham se associando espontaneamente. Compartilhavam espaços comuns e dividiam custos de limpeza, manutenção, internet, atendimento, sala de reuniões, e assim por diante. Com o tempo, essa gestão de espaços de trabalho se profissionalizou e virou um serviço independente.

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A expectativa de crescimento inicialmente idealizada para esses espaços acompanharia o crescimento econômico, oferecendo suporte para novos negócios se estruturarem com redução de custos fixos. Entretanto, conforme o meio da década de 2010 se aproximava, a demanda veio de ex-grandes empresas buscando sobreviver com quadro reduzido de funcionários. 

No início da crise, teve quem tentasse lucrar (ou se sustentar desesperadamente) alugando os postos vagos, mas essas estruturas funcionavam mal: móveis velhos, ambiente desestimulante, atendimento ruim, iluminação precária. Estavam tentando empurrar as sobras de empresas espaçosas e precárias. Cheguei a conhecer um lugar que oferecia carteiras pré-escolares, com aquelas cadeirinhas baixas de madeira, feitas para crianças, como espaço de coworking. A falta de noção não tem limites.

Se a expansão tornou-se fruto de nossas crises econômicas mais recentes, esses espaços não deixaram de ser importantes ao permitir trocas de experiências entre gerações antigas que migravam para onde estavam jovens empreendedores. Para ambos, aderir a um coworking, onde você paga por posto de trabalho, era uma ótima saída.

2020

Antes da pandemia, esses espaços compartilhados já haviam se consolidado como alternativa aos espaços corporativos próprios. Enquanto alguns se organizavam em uma casa muito gostosa, bem gerida, onde as pessoas se dão bem e ficam amigas, outros ocupavam andares de edifícios eficientes, com atmosfera mais corporativa e atendimento padrão da franquia.

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Um bom coworking, naquela época, já oferecia condições que dificilmente uma empresa de pequeno porte ou um profissional liberal teriam alugando e montando seu próprio espaço. E isso é muito importante, pois o lugar precisa ter traços distintivos que contribuam para representar dignamente as empresas ali hospedadas. Afinal, nenhuma marca quer sujar sua imagem com cadeiras quebradas, banheiros sujos, ar condicionado quebrado e café ruim. Permaneceu quem soube oferecer algum diferencial, geralmente ligado a uma proposta de comportamento, garantindo também hospitalidade e estrutura - boa mobília, bom atendimento, boa localização, ambientes agradáveis e internet rápida.

O perfil do espaço varia conforme o segmento, sem muito segredo: os mais estilosos, coloridos e informais abrigam segmentos criativos, e os mais monocromáticos e formais atendem pessoas que também se vestem assim.

Hoje e amanhã

Atualmente os espaços de trabalho compartilhados passam por nova onda de adesão e fazem parte do pacote de benefícios oferecidos pelos lançamentos imobiliários. Atendem demanda reprimida e incontornável depois que o home office se consolidou. Há tanto os coworkings integrando serviços exclusivos para moradores como aqueles configurando espaço comercial independente.

Mesmo trabalhando de casa, muitos sentem falta de lugar mais apropriado para videochamadas com clientes, reuniões presenciais e apresentações de trabalho, atividades que exigem um ambiente mais controlado, e esse tipo de empreendimento oferece o recurso que faltava para requalificar a vida prática e profissional dos residentes. Até quem não gosta de trabalhar em casa adere ao formato híbrido quando tem um cantinho gostoso no prédio. 

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Podemos até olhar pelo prisma da redução de custos das companhias e demonizar a má prática de empurrar gastos com equipamento e mobília para os funcionários, mas prefiro ver as boas práticas e pensar que elas devem ser o modelo. Muitas empresas oferecem, com a possibilidade do trabalho remoto, um bom computador e dinheiro para ser investido em mesa, cadeira, acessórios e, pasmem, decoração. Imagino que já existam casos onde esses valores são substituídos por reembolso de taxas pagas ao coworking, por exemplo. 

A gente fala tanto da dissolução do núcleo familiar, do trabalho que suga as pessoas de suas vidas, mas esse cenário pode gerar uma tendência reversa, onde os filhos crescerão vendo ativamente o trabalho de seus cuidadores.

A presença desses espaços de trabalho em locais estratégicos também acaba aproximando as famílias, permitindo que os pais levem e busquem os filhos na escola, almocem juntos, supervisionem as tarefas ou mesmo tirem um tempo para fazer algo juntos numa pausa do expediente. É bonito ver um dos pais trabalhando e o filho, concentrado, fazendo tarefa ao seu lado. Em alguns casos, entretanto, é o contrário. Escolas já disponibilizam espaços de coworking para que os familiares possam participar das atividades de seus pequenos.

A gente fala tanto da dissolução do núcleo familiar, do trabalho que suga as pessoas de suas vidas, mas esse cenário pode gerar uma tendência reversa, onde os filhos crescerão vendo ativamente o trabalho de seus cuidadores. Obviamente, para os comerciantes, isso não é novidade. Novidade é que o trabalho de escritório, antes segregado, vai passar a ser visto pelas crianças. Some-se a isso o fato de as tarefas de cuidado estarem cada vez mais equilibradamente distribuídas, esses serão exemplos importantes de amor e de responsabilidade dos quais elas vão se lembrar pelo resto da vida.

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