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Quem leva a cadeira da catástrofe?

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Por Henrique de Carvalho
Ilustração do autor (Henrique de Carvalho)  

Às vésperas de eleições municipais, o clima é de catástrofe. Nota-se a assustadora ausência dos temas ambientais da pauta dos candidatos. Dizem que é porque o eleitor não está nem aí para a qualidade do ar, nem preocupado com enchentes, e nem ligou quando soube que o rio Madeira havia secado.

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Em campanha, seguem anunciando planos mirabolantes e antiquados. Promessas repetidas, herdadas, mirando problemas grandes e importantes, que nunca são resolvidos, mantendo inalterados discursos, promessas de solução - agora vai! - do que jamais será solucionado.

Sistemas naturais

O planejamento contemporâneo da infraestrutura urbana já migrou para a adoção dos sistemas naturais como grande salto tecnológico, promovendo a proteção e restauração das cidades. Portland, para ficarmos em um exemplo, desde 1980 desenvolve pesquisas e técnicas aplicadas diretamente em seu planejamento. Inclusive, seus manuais são todos acessíveis na internet. Planejam converter a cidade em um parque habitado, literalmente, e grades capitais têm seguido o exemplo, como Berlim e Zurique.

E nós, seguiremos atrasados, apostando em resolver os problemas do excesso de cimento com mais cimento?

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Sem clima

Aqui ninguém toca o tema das mudanças climáticas. As queimadas tingindo o céu de cinza e a extensa tragédia no Rio Grande do Sul parecem ter ignorado a responsabilização dos culpados, já conhecidos e até divulgados. Lá no Sul, inclusive, houve nova enchente há uma semana.

Tornou-se obrigatório pensar em como medidas de infraestrutura natural. Bem mais simples, graciosas e leves que o concreto dos piscinões, podem ser adotadas por todas as cidades para proteger seus habitantes dessas negligências que desencadeiam catástrofes cada vez maiores.

Tornou-se obrigatório pensar em como medidas de infraestrutura natural. Bem mais simples, graciosas e leves que o concreto dos piscinões.

Afinal, toda cidade que sofre com enchentes de algum tamanho verá o problema se agravar; as que não sofrem, precisarão se equipar para continuar a salvo; e as que queimam, precisarão repor e incrementar sua massa vegetal de grande porte, se quiserem evitar a recorrência desses eventos. Se de ações locais já colheremos resultados imediatos, a rede integrada dessas medidas trará resultados ainda maiores e duradouros, proporcionando benefícios ampliados pela reação em cadeia que só um conjunto natural é capaz de produzir.

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Está todo mundo falando em cidades esponja, nome inventado para dar ar de novidade às soluções já adotadas nas cidades jardim no século dezenove. Essencialmente, com ou sem rebrand, as soluções para as enchentes são simples. Passam por atrasar a chegada da água nas áreas alagáveis, absorver o máximo de água diretamente no solo, minimizar a sobrecarga da tubulação de drenagem urbana e estabelecer áreas seguras para o alagamento sustentável.

Para combater incêndios, precisamos aumentar o índice de umidade relativa do ar - consequência natural do incremento vegetal para absorção de água. Ou seja, onde tudo se interliga, resolver um pode ser resolver todos, favorecendo também abrigo para a fauna que elimina pragas, poliniza e dispersa sementes gratuitamente.

Pós-dilúvio

Enquanto as consequências desastrosas seguem se desdobrando fora dos holofotes, grupos multidisciplinares pensam no que é preciso fazer. Estão só no começo, e a única certeza é que o esforço homérico de restauração não pode mais ser boicotado por desculpas na linha do "fizemos tudo o que podíamos". Desta vez, as pessoas precisam de tudo o que deve ser feito - e não só do que pode ser feito.

O ideal seria a formação de comissões independentes, inclusive institucionalmente, para permitir a responsabilização dos culpados com maior transparência - quando for o caso, é claro. Mas a tendência das contratações é oposta. Os trabalhos devem resultar em discurso político e corporativista, passando pano para o cliente que é, supostamente, corresponsável pelo dano causado. Alegando urgência, os especialistas tendem a projetar em ambiente pouco propenso à ação efetiva e divulgação de dados.

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Para esperarmos pelo melhor, seria preciso enfrentar o histórico de ações que sempre desembocam no pior.

A mitigação dos danos da catástrofe climática receberá algum nome publicitário, mero gerenciamento da crise de imagem mirando as eleições. Apontar erros e culpados será contornado por "desculpem o transtorno, estamos trabalhando para melhor atendê-los."

Os especialistas certamente farão todo seu trabalho de projeto e relatórios, como vêm realizando há décadas, alertando sobre os colapsos iminentes; nossos dirigentes, igualmente, repetirão o que têm feito há décadas, ignorando avisos e engavetando soluções completas até o próximo colapso.

Vendo soluções

Sempre haverá uma nova oportunidade para a reafirmação de chavões empresariais vazios, como "não tratamos de problemas, mas de soluções". Isso é ótimo, traz altivez e assertividade à gestão do subdesenvolvimento. Afinal, é bem melhor que os problemas se deem na forma de brotação espontânea e, aí sim, quando forem incontornáveis, a gente dá um jeito de solucionar, de preferência gastando muito dinheiro para isso. É como deixar o telhado cair na cabeça para, só depois, buscar uma solução que não há para todo o estrago feito. Essa metodologia já fez sucesso, aplicada ao rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho, e voltou com tudo esse ano.

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Agora é a hora das bombas de fumaça que reveste nossos pulmões. O clima está ótimo, estamos em época de eleições, é a festa da democracia brasileira, e essa não é hora de procurar os culpados pelas condições (e tragédias) de nossas cidades. E no que depender deles, nunca será.

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