SÃO PAULO - O ato que reuniu 1,5 milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú pelas eleições diretas em abril de 1984 é um dos momentos históricos que serão lembrados em um novo lugar de memória na cidade de São Paulo. E a poucos metros de onde tudo ocorreu: na histórica Galeria Prestes Maia, que completa 80 anos em 2020.
O novo espaço foi batizado de Museu da Cidadania e Direitos Humanos e será dividido em painéis de vídeos, três salões de eventos e exposições temporários, um auditório de 100 lugares e um hall de entrada, com espaço para intervenções artísticas. O projeto deve ser anunciado ainda este mês pela gestão Bruno Covas (PSDB), que não quis comentar o assunto com o Estado.
Uma proposta inicial foi aprovada na segunda-feira, 9, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp). Ela também foi enviada ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), segundo foi destacado em reunião do conselho municipal.
Com a aprovação, poderá ser contratado um projeto executivo do restauro e da reforma de toda a galeria, além da implantação de um elevador na calçada do Viaduto do Chá, ao lado da banca de jornais e próxima da Rua Líbero Badaró.
O estudo conceitual é do diretor do Museu da Cidade, o arquiteto Marcos Cartum, que viajou em setembro com uma assessora para visitar e se reunir com representantes do Museu da Memória e dos Direitos Humanos do Chile, que deve ser uma das inspirações para a gestão municipal e é focado especialmente no período da ditadura de Augusto Pinochet.
“Será um espaço destinado a dar visibilidade à história das lutas e conquistas pelos direitos civis no Brasil, com foco nos fatos ocorridos na cidade de São Paulo. Apresentará um percurso expositivo, fundado na diversidade e na polifonia, sobre os caminhos da construção da cidadania para todos e do enfrentamento de suas violações”, diz descrição do projeto, que o Estado teve acesso.
“O museu pretende estimular a consciência sobre os temas da cidadania e dos direitos humanos, promovendo a reflexão e o debate acerca da importância do respeito e da tolerância, com ênfase nas questões da democratização da cultura e do vínculo do cidadão com a sua história. Cumprirá assim um relevante papel na formação de um senso crítico, contribuindo para a ampliação da cidadania dos paulistanos e dos brasileiros”, continua o texto.
O espaço ocupará o pavimento Almeida Júnior, abaixo do acesso da Praça do Patriarca. O piso Vale do Anhangabaú, por sua vez, receberá uma unidade do Descomplica, chamado de "Poupatempo municipal" pela Prefeitura. Um dos objetivos também é restabelecer o fluxo de pedestres dentro da galeria, que hoje é reduzido.
Ícone. Hoje subutilizada, a galeria foi um marco arquitetônico e urbanístico na inauguração, em 1940, evento que teve a presença do então presidente Getúlio Vargas. Ela tem um acabamento luxuoso, em estilo art déco, com duas esculturas de Victor Brecheret, Graça I e Graça II.
A construção foi projetada pelo arquiteto Elisiário Bahiana, que trabalhava na reconstrução do Viaduto do Chá. “É um ‘edifício’ em três níveis, que conjuga as cotas que estão entre a Praça do Patriarca e o Vale do Anhangabaú. A bela e astuciosa solução encontrada tem a função de estabelecer uma ligação urbana exclusivamente pedestre, é um projeto moderno na sua concepção funcional”, comenta a professora Regina Meyer, da Faculdade de Urbanismo e Arquitetura da USP.
Ao longo das décadas, a galeria perdeu frequentadores, junto da própria decadência da região central nos anos 70.“Quando o Vale do Anhangabaú perdeu suas funçõesde convergência do transporte público, a própria galeria deixou de ter serventia para a população que frequentava o centro. Para que atravessar a galeria se não encontrava mais os pontos de ônibus de lotação distribuídos ao longo do vale? Ela perdeu a principal função”, comenta.
Escadas rolantes da galeria estão fora de operação
O espaço é também pioneiro por ter recebido escadas rolantes em 1955, atraindo a atenção de paulistanos e da imprensa. Na sexta-feira, 6, quando o Estado visitou o local, contudo, as atuais escadas estavam desligadas e fechadas para acesso - o que foi questionado à gestão municipal, que não se manifestou.
Outro ponto marcante na história da galeria foi a inauguração da nova cobertura, com projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, em 2002 - dois anos após se tornar o “Masp Centro”, proposta que durou alguns anos até ir parar na Justiça. Hoje, a marquise da Praça do Patriarca serve de abrigo para pessoas em situação de rua, barracas de comida e, eventualmente, carros oficiais - além da presença de pombos na parte superior.
Renovação. O restauro da galeria e a criação do museu se inserem em uma série de iniciativas polêmicas da gestão Covas para a região central, como a remodelação do Vale do Anhangabaú, a troca do piso dos calçadões e a implantação do Parque Minhocão. A iniciativa também está dentro de um momento de revalorização do centro, com a abertura de bares, restaurantes e espaços culturais, a exemplo do Farol Santander e do Bar dos Arcos, no subsolo do Theatro Municipal, dentre outros.
“A Galeria Prestes Maia continua sendo um símbolo muito forte da cidade de São Paulo. E o centro está vivendo um processo saudável de retomada da cidadania”, aponta Valter Caldana, professor da Arquitetura e Urbanismo da Mackenzie.
“Essa reocupação do centro, em especial do Anhangabaú, é muito simbólica para a cidade. O conjunto do Vale do Anhangabaú e da Praça da Bandeira compõe a nossa grande praça cívica, que tem a Câmara Municipal como pano de fundo. Por isso, a Prefeitura foi levada para o Edifício Matarazzo (em 2004)”, comenta.
“É importante que, em um futuro breve, seja feita a retirada dos terminais de ônibus da Praça da Bandeira e da Praça do Correio. Essas áreas hoje ocupadas por estacionamento poderiam estar compondo espaços públicos privilegiados do centro.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.