A tragédia do ano passado segue marcada na paisagem do litoral norte de São Paulo. Da beira-mar até a rodovia, centenas de cicatrizes permanecem visíveis no entorno da Serra do Mar, um ano depois dos deslizamentos que deixaram 65 mortos.
Os rastros de escorregamentos são tão presentes que aparecem, até mesmo, no fundo de fotografias postadas por aqueles que registram um fim de semana na praia. Essas centenas de cicatrizes de solo exposto estão presentes especialmente em São Sebastião — município mais afetado pela tragédia, com 64 óbitos. Em parte, estão em gradual recuperação, com o avanço aos poucos da vegetação.
Essa transformação está evidente em imagens do satélite Sentinel-2, do programa de observação da União Europeia. Os registros foram coletados na base de dados pelo Estadão, com o enfoque em três momentos (antes dos deslizamentos, dias após e o período recente) e em algumas das áreas mais afetadas, como Juquehy, Barra do Sahy e Vila Sahy — onde estava a maioria das vítimas.
As imagens mostram que a recuperação é gradual e que levará anos. Geólogo e pesquisador do IPT, Marcelo Gramani explica que a maioria dos deslizamentos ocorreu em áreas não urbanizadas, nas quais a mata estava preservada. Isto é, em locais estáveis e protegidos pela vegetação, mas que sucumbiram parcialmente diante da chuva extrema (640 mm) e em período curto (cerca de 10 horas).
O especialista ressalta que uma chuva mais distribuída poderia penetrar mais profundamente no solo, diferentemente de fevereiro passado: com o alto volume em pouco tempo, a água atingiu uma parte mais superficial, gerando escorregamentos rasos. “Isso explica a dimensão de tamanho e o volume de solo que escorregou”, afirma o especialista. “Muita água escoou pela superfície.”
Embora tenha uma topografia e espessura de solo (menos profunda) que a torna suscetível a escorregamentos, a Serra do Mar também tem uma vegetação consolidada que a protege e intercepta parte da água. “Teria mais (deslizamentos) se o solo estivesse exposto”, aponta Gramani.
Ele destaca, contudo, que a tragédia do ano passado envolveu majoritariamente eventos em áreas preservadas e mais altas dos morros. Isto é, a urbanização desordenada não a gerou diretamente, embora tenha sido atingida: a lama arrastou pedaços de rocha, árvores e outros materiais, ganhando velocidade até chegar à base — o que incluiu áreas de risco habitadas, como a Vila Sahy.
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Em resposta ao grande volume de cicatrizes, o Governo do Estado tem destacado as ações de plantio e distribuição de sementes pela Serra do Mar, em parte com drones. A preferência foi por leguminosas e arbustivas, escolhidas pelo potencial de crescimento rápido, em cerca de seis meses. O trabalho deve se estender por alguns anos.
Diretor executivo da Federação Brasileira de Geólogos (Febrageo) e professor da Unesp, Fábio Augusto Reis explica que a estabilidade tende a melhorar conforme a vegetação se torna mais antiga, com o aprofundamento e consolidação das raízes. Outro ponto é que há menos propensão de espalhamento de lama quando o solo volta a estar encoberto.
O geólogo cita que o replantio aéreo tem sido aplicado há décadas, especialmente após a experiência em Cubatão, a partir dos anos 1980. Embora considere essas medidas importantes, avalia que são insuficientes para reduzir a vulnerabilidade do litoral norte paulista, o que exigiria um planejamento mais amplo e a atuação em diferentes frentes. “É um paliativo, assim como obras de contenção”, diz.
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