Invasões de casas e condomínios assustam moradores de SP; polícia mira quadrilhas

Grupos especializados têm atuado em bairros de diferentes regiões e motivado ajustes em protocolos de segurança. Estado vive momento de alta em roubos e furtos e trocou nesta semana o comando das polícias

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Por Ítalo Lo Re

SÃO PAULO – A atuação de quadrilhas especializadas em invasões de casas e condomínios tem preocupado moradores de bairros de diferentes regiões da cidade de São Paulo e acende o alerta para a adoção de medidas de segurança. Investigações da polícia tentam combater esse tipo de crime, que tem sido registrado em regiões como a Vila Mariana, Moema e Morumbi, na zona sul, e Perdizes, Pacaembu, Higienópolis e Pinheiros, na zona oeste.

Os casos fazem com que condomínios revisem protocolos de segurança contra as invasões, que costumam focar em joias e outros objetos de valor do imóvel. O Estado voltou a ver alta de registros de roubos e furtos no 1º trimestre deste ano e nesta semana promoveu mudanças no comando das polícias para priorizar a reação às ocorrências frequentes.

"Se formos comparar o primeiro trimestre do ano passado com o desse ano, neste ano teve muito mais", diz a síndica profissional Luiza Paulino sobre relatos de furtos a casas e condomínios Foto: Werther Santana/Estadão - 27/04/22

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Um grupo de sete pessoas foi preso em flagrante neste mês após arrombar uma casa na Vila Mariana, zona sul paulistana. A ação da polícia partiu de uma investigação que se desdobrava há pelo menos um mês. 

“É uma região já conhecida pelos furtos, então os policiais se deslocaram para lá para tentar encontrar algo suspeito”, diz Vinicius Nogueira, delegado assistente da 4ª Delegacia da Divisão do Patrimônio, vinculada ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil. Atualmente, segundo ele, cerca de 100 investigações de crimes de invasão a casas e condomínios estão sendo conduzidas na unidade.

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Durante ronda no último dia 16, investigadores suspeitaram de um Audi Q5, que posteriormente se descobriu que havia sido furtado em uma invasão a residência em Moema, na zona sul. 

“Esse Q5 estava com a placa adulterada, mas estava ali estacionado com uma pessoa dentro, que é justamente o modus operandi que eles fazem”, diz Nogueira. Em furtos a residência, normalmente parte da quadrilha arromba o portão e entra na casa, enquanto os demais esperam em um carro do lado de fora, até para vigiar a movimentação na rua. Quando os criminosos terminam de reunir os objetos, sinalizam para quem está no veículo estacionar na garagem rapidamente.

Os investigadores ficaram observando o carro suspeito. “Quando ele adentrou na residência, que até então a gente não sabia exatamente qual era, os policiais que estavam mais próximos pediram apoio, só que foi muito rápido”, conta o delegado.

O reforço de cerca de dez policiais não chegou a tempo de fazer o cerco. “A quadrilha estava saindo, os dois policiais que já estavam no local deram ordem de parada e eles jogaram o carro para cima dos policiais.”

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Os agentes, então, abriram fogo contra a quadrilha – havia seis pessoas dentro do carro – e três dos membros foram baleados. Dois estão com quadro de saúde estável e um deles está em estado grave, segundo a polícia. 

O sétimo integrante do grupo estava em um carro de apoio, um Siena, e também foi detido. Além dos automóveis e de uma arma de fogo, foram apreendidos dois televisores, jóias, dinheiro, bebidas e outros objetos. Eles foram autuados por furto qualificado, resistência e associação criminosa.

“A gente percebeu que tinha um Peugeot também junto com eles. Logo que a gente abordou o Siena, ele saiu do local que estava estacionado”, conta o delegado, que diz não saber quantas pessoas estavam nesse outro carro suspeito.

Para além das apreensões feitas no local, Nogueira explica que a quadrilha indicou a localização de um Hyundai IX 35, recuperado após ter sido furtado em invasão a um imóvel em Perdizes. Moradores também relataram à polícia ter visto dois homens em uma moto portando um fuzil nas proximidades, dando indícios que a quadrilha pode ser ainda maior. As investigações prosseguem.

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Quadrilhas contam com membros experientes e agem de forma articulada, aponta polícia

“Eles têm uma rotina em que vão trocando as pessoas da quadrilha. Uma hora são esses sete, depois são cinco com outros dois diferentes”, diz Nogueira, que explica que em crimes com esse perfil normalmente quem organiza está junto durante a ação. “Eles não falam quem são (os chefes), mas todos eles têm muita passagem pela polícia por furto de residência, inclusive com condenação.”

De acordo com o delegado, as quadrilhas que praticam esse crime costumam aliciar membros continuamente para ter rotatividade de um crime para outro, o que dificulta a tipificação como formação de quadrilha. O delegado explica que, por conta do furto não ser um crime com violência grave e ameaça, as penas acabam não sendo tão longas: duram cerca de dois anos, apesar dos altos valores furtados.

“A gente tem casos aqui de furto de R$ 4 milhões, R$ 2 milhões”, conta Nogueira. Na invasão à casa na Vila Mariana, o delegado estima que os criminosos estavam furtando entre R$ 200 mil e R$ 300 mil. Um casal de idosos mora no local, mas estava viajando.

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Casos em residências e condomínios podem estar interligados

Conforme o delegado do Deic, as quadrilhas que organizam as invasões a residências normalmente são as mesmas por trás das invasões a condomínios, crime que também tem preocupado moradores de bairros como Perdizes, Higienópolis e Pacaembu. “No furto a condomínio, o modus operandi é um pouco diferente. Como eles têm a portaria para entrar, normalmente usam uma ou duas pessoas para entrar nesse apartamento”, explica.

Nesses casos, o delegado relata que é frequente haver presença feminina, o que despertaria menos atenção, e de pessoas mais jovens, que se passam por parentes dos moradores. Com a pressão do criminoso ou alguma brecha no sistema de segurança, o acesso acaba sendo liberado. “Ela entra, fica um tempo lá dentro, e depois vem e libera a entrada de mais uma ou duas pessoas”, afirma Nogueira.

Quadrilhas que organizam invasões a residências normalmente são as mesmas por trás dos furtosa condomínios, crime que também tem gerado preocupação embairros como Perdizes, Higienópolis e Pacaembu Foto: Werther Santana/Estadão - 27/04/22

A técnica utilizada na escolha dos apartamentos que serão alvo é a mesma utilizada nas casas. “Sempre chega uma pessoa e aperta a campainha. Como não sai ninguém, eles sabem que a casa está vazia. Se sai alguém, eles falam: 'opa, desculpa, casa errada'”, diz. 

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Para arrombar as portas, normalmente são usadas chaves de fenda, que podem ser escondidas na cintura. “O carro fica na rua. O foco deles, quando é furto de condomínio, são jóias, relógios e dinheiro.”

“O que a gente observou no distrito de Perdizes é que não tem violência, mas a incidência é muito grande”, explica Josué Paes, presidente do Conseg Perdizes-Pacaembu. A entidade faz a ponte entre moradores e forças de segurança pública nos bairros de Perdizes, Pacaembu, Barra Funda, Sumaré e Pompeia. 

Segundo ele, a percepção é que os crimes de invasão a condomínio começaram a se intensificar na região a partir do segundo semestre do ano passado, gerando preocupação aos moradores.

“Em alguns casos, eles têm informação até com detalhes de quem reside no prédio”, conta. Os furtos, segundo Paes, ocorrem de forma variada: ora os criminosos se apresentam como parentes, ora como prestadores de serviço. Para serem bem sucedidos, continua, as quadrilhas se aproveitam da falta de convergência dos moradores, que se dividem entre fazer um controle mais rigoroso de acesso aos condomínios e deixar os processos mais soltos, o que evitaria desgaste com os convidados.

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Diante dessas brechas, Paes explica que os relatos de invasão – ou mesmo tentativa de invasão – ganharam força, fazendo a atenção sobre o tema se dividir atualmente com roubos de celulares nas ruas ou em portas de colégios. “Se não fizer uma conexão rápida dos serviços públicos com as pessoas que residem no prédio, ou que estão à frente da gestão como síndicos ou como profissionais, vai ser muito difícil controlar”, explica.

Como solução provisória, ele aponta que poderiam ser adotadas desde alterações nas políticas dos condomínios a estratégias mais simples, como redes de colaboração entre vizinhos, o que estaria dando resultado em alguns condomínios de Perdizes. “A grande maioria das pessoas não conhece os vizinhos”, aponta Paes. “No Conseg, a gente começou a estimular essa questão, que talvez seja uma estratégia para evitar o crime de oportunidade.”

"Tem aumentado muito a incidência desses crimes. Se formos comparar o primeiro trimestre do ano passado com o desse ano, neste ano teve muito mais", relata a síndica profissional Luiza Paulino, que administra dois prédios residenciais em Perdizes.

Segundo ela, os vídeos sobre invasões, ou mesmo tentativas, são postados com frequência nos grupos que reúnem os administradores de condomínio da região. "Nós estamos ficando muito assustados com o aumento", acrescenta. "Até um tempo atrás, Perdizes e Higienópolis não tinham esse tipo de crime acontecendo."

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“No nosso bairro não era esse o foco, mas principalmente de um mês para cá nós estamos notando que também está acontecendo”, diz Marco Antônio De Marco, presidente do Conseg do Santa Cecília, entidade que atua no perímetro que vai da Avenida Higienópolis até o bairro Campos Elíseos. “Na minha rua, tivemos duas invasões nos últimos meses”, diz ele, que é síndico de um prédio na Rua São Vicente de Paula, nos arredores do Shopping Pátio Higienópolis.

Suspeitos absorvem características dos moradores para facilitar crimes

Os criminosos, explica De Marco, buscam até mesmo absorver características dos moradores dos bairros para entrar nos prédios. “Nós estamos tendo inclusive alguns casos de pessoas que vêm com o quipá – para tentar se passar por morador já que a região tem muitos judeus – e tentam invadir o condomínio”, conta o síndico, que suspeita que em parte dos casos há compartilhamento de informação interna com as quadrilhas. “Eu moro há 25 anos no mesmo lugar. Posso dizer que era o paraíso, mas piorou bastante nos últimos anos.”

Criminosos especializados em furtos a condomíniobuscam até mesmo absorver características dos moradores dos bairros para entrar nos prédios, aponta investigação do Deic Foto: Werther Santana/Estadão - 27/04/22

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) apontou que, no último dia 8, o 4º Distrito Policial (Consolação) esclareceu um furto a condomínio em que jovens se utilizaram do quipá para ter mais facilidade de entrar nos prédios. "A ação resultou na apreensão de um adolescente, de 17 anos. Com ele, uma mochila com diversos equipamentos foi apreendida", apontou a pasta.

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Semanas antes, no dia 26 de março, policiais do 77º Distrito Policial prenderam um homem acusado de ter cometido um roubo a condomínio na Rua Doutor Gabriel dos Santos, no bairro Santa Cecília. Conforme a secretaria, o suspeito foi detido após trabalho investigativo e as diligências seguem para identificar e prender demais envolvidos.

A SSP informou, em nota, que a 4ª Delegacia de Polícia de Investigações sobre Roubos e Furtos a Condomínios e Residências do Deic realizou em 2021 um total de 14 prisões temporárias, 80 prisões preventivas e 56 prisões em flagrante delito, esclarecendo 114 casos. Em 2022, até o momento, foram efetuadas nove prisões temporárias, 14 preventivas e 18 prisões em flagrante delito.

Condomínios revisam permissão para locação temporária, como o Airbnb

Enquanto medidas de segurança vão sendo ampliadas para evitar as invasões a condomínios, moradores discutem ações paliativas para diminuir o risco de furtos. Conforme Josué Paes, há um número crescente dos condomínios que estão revisando as condições de locação por tempo provisório, como as organizadas pelo aplicativo Airbnb. “Há um pensamento de que isso talvez tenha relação com parte desses crimes. A pessoa aluga um dia, dois dias que seja, e aí faz uma espécie de observação”, afirma.

Presidente da Associação dos Administradores dos Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC), José Roberto Graiche Júnior atribui os furtos e invasões que estão acontecendo nos condomínios a novos hábitos e rotinas dentro dos condomínios. Ele explica que portarias virtuais, por exemplo, podem abrir brechas para casos em que “o morador abre o portão e uma pessoa bem trajada acaba entrando junto com esse morador”.

Ao mesmo tempo, o presidente da AABIC cita também a locação provisória, em que “o proprietário aluga de ‘qualquer jeito’ seu apartamento para um inquilino” e gera um fluxo grande dentro do condomínio. “Já ocorreu de, em um determinado condomínio, a pessoa alugar o apartamento justamente para ter fácil acesso aos apartamentos vazios”, relata. “Se os funcionários e moradores do prédio não estiverem bem treinados e cumprindo as regras fielmente, há mais facilidade para esses problemas ocorrerem.”

Conforme Graiche Júnior, que também é vice-presidente de uma administradora de condomínios, atualmente são raros roubos a condomínios em que os assaltantes rendem as vítimas e fazem um arrastão no prédio. “São furtos mais ‘simples’, por mudanças no meio de vida e hábitos operacionais que, sem treinamento, acabam tendo um ‘furo’ na regra”, aponta.

O Airbnb esclareceu, em nota, que possui "diversas ferramentas e processos para garantir a confiança" em sua comunidade. Citou, como exemplos, a exigência para que os usuários criem um perfil pessoal, a identificação verificada – usada para assegurar autenticidade de e-mail, número de telefone e redes sociais – e também o fato de o pagamento na plataforma ser rastreável.

"É possível um anfitrião se comunicar com qualquer pessoa interessada em alugar seu espaço antes de confirmar a reserva, sendo possível também solicitar ao hóspede dados pessoais e até cópia de documentos para que informe ao condomínio sobre a hospedagem, por exemplo, ou cumprir outros requisitos de segurança estabelecidos pelo condomínio", acrescentou o Airbnb.