Jardins: revisão de tombamento libera construção de ‘condomínios horizontais’

Decisão retirou ‘tombamento de uso’ desses bairros, de modo que restrição a comércios e serviços passará a ser exclusiva da Lei de Zoneamento; Ame Jardins vai contestar na Justiça

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Foto do author Priscila Mengue
Atualização:

Após anos de discussão, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) aprovou a revisão das regras de preservação dos Jardins nesta segunda-feira, 16, com a liberação de “condomínios horizontais”. A decisão também derrubou o “tombamento de uso” de grande parte dos quatro bairros, de modo que o uso residencial passaria a ser definido exclusivamente pela Lei de Zoneamento.

A mudança é defendida por uma parcela dos moradores, mas criticada por outros grupos de vizinhos, entre eles a associação Ame Jardins pretende contestar a decisão na Justiça. Há anos, alguns integrantes do conselho estadual têm apontado a vacância e esvaziamento de uma parte dos Jardins, no centro expandido de São Paulo.

Alteração nos Jardins foi aprovada pelo conselho estadual de patrimônio Foto: Taba Benedicto/Estadão

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A medida facilita a construção de condomínios residenciais de até 10 metros de altura total (cerca de três andares). A construção de novos prédios verticais continua vetada, a não ser por alguns trechos de exceção já anteriormente vigentes, como na Avenida Brigadeiro Faria Lima.

A revisão também proíbe construir subterrâneos com mais de 1,5 metro e determina que a compensação ambiental deva ser feita no mesmo lote ou na calçada lindeira. O texto segue para homologação da Secretaria da Cultura, com efeito imediato após a publicação no Diário Oficial.

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Para o aval a condomínios horizontais, a princípio, não seria necessária mudança extra na Lei de Zoneamento. Isso porque os bairros Jardins já podem ter esse tipo de condomínio, assim como casas geminadas e casas “superpostas” - a restrição às construções do tipo, até agora, eram por causa do tombamento.

Por enquanto, as alterações no zoneamento em discussão na Câmara Municipal não têm contemplado os Jardins, que são em grande parte classificados como Zona Exclusivamente Residencial (ZER). Ao Estadão, o Secovi-SP (que representa o mercado imobiliário) elogiou a revisão, mas considerou muito restritivas as exigências acrescentadas, em relação a limite de subsolo a até 1,5 metro e veto a novas vias de circulação dentro dos terrenos.

Condephaat aprovou mudanças nas regras de tombamento dos Jardins Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Também discutida por anos, a liberação da construção de vilas não foi facilitada, pois um trecho veta a abertura de vias internas dentro dos lotes. Partes do Jardim América, Jardim Europa, Jardim Paulista e Jardim Paulistano são tombadas desde 1986. Há anos, o presidente do Condephaat, Carlos Augusto Mattei Faggin, tem defendido que a revisão não seria um “destombamento”.

Os bairros que tendem a ser mais transformados são o Jardim América — o primeiro dos quatro, criado nos anos 1910 pela Cia. City — e o Jardim Europa. Isso porque são os que têm os maiores terrenos, alguns superiores a 2 mil metros quadrados.

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O que diz o Condephaat?

Após a aprovação da revisão, a vice-presidente do Condephaat, Mariana Rolim, chamou a decisão de “atualização necessária”. Um dos motivos apontados é que a avaliação dos pedidos de obras no bairro estava atrelada a três resoluções do conselho, de períodos diferentes e com entendimentos distintos.

Segundo ela, era difícil entender o que era ou não permitido, tanto que pedidos tinham tramitação menos ágil. Também diz que a mudança reforça os principais valores do tombamento original, em relação à preservação do traçado urbano, da distribuição dos lotes e da manutenção da massa arbórea.

A vice do Condephaat avalia que possíveis condomínios horizontais na parte tombada dos Jardins serão mais integrados com as características dos bairros, por causa das exigências mantidas na revisão (como de área ajardinada, taxa de ocupação etc). “Não vai ser como aqueles que acabam se fechando muito em si”, diz.

Nesse aspecto, Mariana destaca a decisão de restringir construções subterrâneas, o que não era contemplado na resolução anterior e é apontada como uma demanda crescente nos últimos anos. “Em 1986, o subsolo não era um problema. Hoje, tem casas com dois ou três subsolos ali”, completa.

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Ela destaca que está segura que a decisão tem embasamento técnico e jurídico, ressalta audiências públicas e reuniões técnicas feitas nos Jardins. “Nossa intenção com a nova resolução é conseguir um texto mais claro e transparente não só para quem mora ali, mas para toda a sociedade”, justifica.

Também destaca um parecer do Ministério Público sobre a problemática de manter o “tombamento de uso”. Esse tipo de proteção tem sido questionada, obtendo jurisprudência contrária nos últimos anos.

O Condephaat estima que cerca de 3,1 mil imóveis existam no perímetro de todo o tombamento, que envolve a configuração dos terrenos, ruas e vegetação do bairro e não incide sobre a arquitetura em si das casas (que podem ser demolidas desde que obedeçam limites de altura, recuo etc).

Representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), a professora universitária Andréa Tourinho está entre os sete integrantes do Condephaat que votaram contrariamente (os demais são do Iphan, especialistas de universidades e um conselheiro de patrimônio cultural imaterial). Ela critica a falta de estudo sobre o impacto da mudança e uma discussão que aborde a complexidade do tema.

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“As questões técnicas, que realmente importam, estão sendo relegadas. Não sei se nem a segundo plano, diria que não são nem cogitadas. E isso é preocupante”, afirma. Ela acrescenta que o IAB-SP não é necessariamente contrário ao uso multifamiliar, mas defende estudo mais aprofundado, não um processo de alteração como o feito.

A urbanista chegou a fazer uma simulação sobre os impactos da mudança, na qual identificou que reduziria a qualidade ambiental dos Jardins, assim como aumentaria o adensamento construtivo (metro quadrado construído em relação a áreas livres no terreno e verticalmente). Isso porque parte das casas hoje não constrói o máximo permitido, lógica que seria distinta da adotada pelo mercado imobiliário, segundo ela.

Revisão muda regras para junção de terrenos

Outra alteração que favorece a criação de pequenos condomínios são mudanças nas regras de fusão de terrenos. Esse dispositivo pode facilitar a criação dos condomínios horizontais, atraindo o mercado imobiliário.

A nova regra permite que os terrenos sejam unidos desde que tenham até a metragem do maior lote daquela quadra, exceto em casos “excepcionais”, em que há uma construção muito fora do padrão. Hoje, o “remembramento” é permitido desde que respeite o tamanho médio dos demais da quadra.

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Essa não é a primeira revisão das regras para os Jardins. Outras revisões foram discutidas nas últimas três décadas, parte acatada; e outra arquivada. A mais recente data de 2021, mas há o entendimento do Condephaat de que não foi suficiente.

Em fevereiro, parecer técnico do Estado indicou organizações que se manifestaram contrariamente, como a Defenda São Paulo e a Viva Pacaembu, e favoravelmente, como o Secovi-SP (que representa incorporadoras e construtoras), a Associação Comercial de São Paulo e a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura - São Paulo (AsBEA-SP). Além disso, menciona um abaixo-assinado contrário que reuniu mais de 6 mil apoiadores.

‘Início do fim da Zona Estritamente Residencial’, diz presidente da Ame Jardins

Ao Estadão, o presidente da Ame Jardins, Fernando de Sampaio Barros afirmou que a associação se prepara para contestar a decisão judicialmente. Os associados serão chamados para colaborar com uma vaquinha para a contratação do escritório de advocacia.

A entidade avalia que a mudança daria margem futura até para condomínios horizontais não residenciais, como de escritórios. Nesse aspecto, Barros aponta que a continuidade da restrição a moradias está “nas mãos das Câmara”, porque é assegurada pela Lei de Zoneamento.

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AAme Jardins avalia como essencial a manutenção da restrição para exclusivamente residenciais unifamiliares. “(A decisão desta segunda) É o início do fim da Zona Estritamente Residencial”, diz.

Também critica a realização de uma votação desta monta em meados de dezembro, assim como argumenta que a poderá reduzir a permeabilidade dos bairros. “Facilita para quem quer especular”, defende.

O entendimento do grupo é que a revisão foi um “processo frágil”, com problemas. Os votos contrários, ligados a especialistas no tema que integram o Condephaat, serão mencionados na ação. Hoje, o conselho é composto majoritariamente por integrantes indicados pelo Estado, como de secretarias e órgãos.

‘Surgirão poucos empreendimentos com essas características’, diz especialista do Secovi

Coordenador executivo da vice-presidência de Assuntos Legislativos e Urbanismo Metropolitano do Secovi-SP (que representa o mercado imobiliário), Eduardo Della Manna avalia que a decisão pode ajudar na renovação do bairro. “É importante a cidade se adequar ao novo tipo de vida das pessoas”, diz.

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Ele considera, porém, que a restrição a construção em subsolo em até 1,5 metro e o veto a novas vias internas dentro dos lotes tendem a limitar o impacto da revisão. Pelas exigências, pelo custo do metro quadrado e pelo perfil da região, avalia que os novos empreendimentos tendem a ter até quatro ou cinco moradias — mesmo em terrenos que poderiam comportar mais pelas regras de tombamento e legislação.

Dessa forma, Della Manna diz ser difícil comparar os potenciais empreendimentos, porque os atuais condomínios horizontais na cidade não estão sujeitos às mesmas restrições. “Com 1,5 metro de subsolo e sem via dentro lote, limita mais ainda esse tipo de ocupação. É um produto de nicho: surgirão muitos poucos empreendimentos com essas características.”

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