SÃO PAULO - No dia do aniversário de 19 anos, o estudante Rogério Ferreira da Silva Junior foi morto com um tiro nas costas durante uma ação da Polícia Militar no Parque Bristol, na zona sul de São Paulo. Ele estava em uma motocicleta emprestada por um amigo, sem capacete e desarmado. Segundo a investigação, o policial alegou ter atirado porque a vítima fez "menção de colocar a mão na cintura". Ninguém foi preso.
O caso aconteceu às 17h50 deste domingo, 9, na Avenida dos Pedrosos, próximo ao CEU Parque Bristol. Segundo registro do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), dois agentes das Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam), lotados no 46º Batalhão Metropolitano, decidiram abordar o jovem após avistá-lo conduzindo uma moto Honda, modelo CG 160 Fan, sem placa e sem usar capacete.
Ainda de acordo com o relato dos agentes, Silva Junior teria ignorado a ordem de parada e tentado fugir. "O condutor da motocicleta empreendeu fuga em alta velocidade e fazendo ziguezague pela via (...) expondo a risco não somente os policiais, mas também a população local, haja vista a circulação de pessoas pela via pública", diz o registro no boletim de ocorrência.
Responsável pelo disparo, o PM alegou que, durante a perseguição, o estudante teria simulado estar armado. Segundo as investigações, o policial teria atirado uma vez e a bala atingiu Silva Junior pelas costas, no lado direito, atravessou o jovem e saiu pela axila esquerda. A cápsula .40 não foi encontrada pela perícia no local.
Vídeo obtido de uma câmera de segurança mostra a hora que Silva Junior caiu sobre a calçada, após reduzir a velocidade da moto, quando já estava cercado pelos agentes da Rocam. Nas imagens, no entanto, não aparece o momento alegado em que o estudante teria simulado estar armado. Já ferido, o jovem foi revistado pelos PMs, mas nenhuma arma foi encontrada.
Em redes sociais, conhecidos do rapaz afirmaram que o jovem não teria tentando reagir. Eles também acusaram a polícia de ter dificultado o socorro.
Na delegacia, os PMs apresentaram versão diferente. Eles afirmaram ter solicitado socorro imediato à vítima, mas que moradores da região decidiram levar o jovem antes de a ambulância chegar. Também declararam ter havido "tumulto", com cerca de 50 pessoas hostilizando os agentes, e que uma viatura teria sido apedrejada. Nenhum policial se feriu.
Silva Junior ainda chegou vivo ao hospital, mas não resistiu. Sob argumento de que o ambiente é perigoso por causa da pandemia de covid-19, os peritos não analisaram o corpo no local. As primeiras informações foram coletadas informalmente, por fotos.
Delegado e comandante do Batalhão interpretaram como 'legítima defesa putativa'
O caso foi comunicado às 23h32 ao DHPP e o registro da ocorrência só foi emitido às 8h26 desta segunda-feira, 10, mais de 14 horas após o ocorrido. No documento, o caso foi tipificado como "morte decorrente de intervenção policial", ou seja, quando há pressuposto de legitimidade na ação. O PM foi incluído no documento como "investigado".
Já contra Silva Junior, o delegado registrou os supostos crimes de resistência e desobediência, além das infrações por dirigir sem habilitação e em velocidade incompatível.
Ao DHPP, o comandante do 46.º Batalhão, o coronel PM Vinicius Ferreira Paulino Filho, declarou que, até o momento, não entende que o PM agiu com intenção de matar. "Inicialmente, em sua convicção, apurou pela existência da legítima defesa putativa, não obstante as provas futuras possam modificar tal entendimento", diz o depoimento.
Por ser o chefe do batalhão, o coronel será responsável por presidir o inquérito militar do caso - ou seja, a investigação feita no âmbito da PM.
A "legítima defesa putativa" é quando o autor acha que está agindo em legítima defesa e reage a uma agressão que não existe. Na prática, o crime pode ser considerado culposo (quando não há intenção de matar), que tem pena prevista menor.
O delegado Ricardo Travassos Nunes da Silva concordou com a interpretação. Para isso, considerou inicialmente que o jovem teria "feito menção de colocar a mão na cintura", "já estava incorrendo em várias infrações criminais" e apenas um disparo foi feito pelo PM. "Não houve tiros subsequentes", registrou.
Ainda segundo o policial civil, também pesaram para a decisão inicial a"avaliação de risco do local", a "complexidade do contexto" e os "aspectos subjetivos". "Importante consignar que as diligências estarão em curso para cabal esclarecimento da dinâmica dos fatos."
Ainda na tarde desta segunda-feira, 10, o General João Campos, secretário de Segurança Pública do Estado, afirmou que o episódio continua em investigação pelo DHPP e pela Polícia Militar, mas reforçou a tese da "legítima defesa putativa" presente no boletim. "Também temos que considerar a tensão policial numa perseguição de uma motocicleta que tudo indicava ser fruto de um roubo. Nós sempre lamentamos muito, mas damos assim a atenção às investigações", alegou, acrescentando que todos os aspectos serão analisados “com rigor e com serenidade”, antes de dizer que os agentes envolvidos eram “ótimos policiais”.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, os dois agentes envolvidos no caso foram afastados dos serviços operacionais até o final de ambas as investigações. Eles continuarão trabalhando em serviços administrativos da Polícia Militar.
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