A Justiça determinou o embargo de todas as obras do Complexo Boa Vista, um empreendimento de 2,6 milhões de metros quadrados da empresa JHSF Participações, em Porto Feliz, interior de São Paulo, assim como a interdição da área. A decisão, publicada na quarta-feira, 10, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), atendeu a um pedido do Ministério Público de São Paulo (MPSP), que alegou irregularidades nas licenças ambientais, danos ao meio ambiente e falta de estudos dos impactos das obras.
A sentença prevê pena de multa de R$ 500 mil diários, até o limite de R$ 20 milhões em caso de descumprimento. A decisão é de primeira instância e cabe recurso. A interdição da área só não deve ser aplicada para a entrada de moradores e o uso doméstico dos locais já habitados.
Em comunicado, a JHSF reforçou que todos os seus empreendimentos em Porto Feliz receberam as autorizações e licenças levando em conta os efeitos cumulativos. Disse ainda que seus advogados estão analisando o sentido e o alcance da liminar deferida pela Justiça. Já a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), disse que inspecionou os empreendimentos em dezembro de 2023 e não encontrou irregularidades ambientais.
Além da JHSF, o embargo atinge as empresas Canárias Administradora de Bens e Polônia Incorporações, suas coligadas.
A juíza Raisa Alcântara Cruvinel Schneider apontou ainda “omissão dos poderes públicos acionados, o Estado de São Paulo (por meio da Cetesb) e o município de Porto Feliz, que emitiram diversas e indevidas autorizações e licenciamentos fracionados, sem conjuntar o impacto global do megaempreendimento, além de permanecerem inertes diante de constantes desconsiderações às licenças concedidas pelas empreendedoras”.
A Justiça prevê ainda que “seja concedida a suspensão, no estágio em que se encontrarem, de todos os procedimentos de licenciamento ambiental para os empreendimentos inseridos na área do ‘megaempreendimento’”.
- O empreendimento, segundo o MP, ocupa na área rural um espaço maior que toda a área urbana de Porto Feliz.
- A liminar de interdição e embargo judicial atinge todas as obras do Empreendimento Village, com 2,6 milhões de metros quadrados, incluindo o Boa Vista Village (412,7 mil m²), Residências do Village fase 1 (366,4 mil m²), Residências do Village fase 2 (370 mil m²), Complexo Village (1,5 milhão de m²) e área remanescente (146,5 mil m²), além do Loteamento Canárias, com 2,2 milhões de m², Loteamento Novo, Loteamento Estates e Estâncias Rurais.
Placas devem expor o embargo judicial
A juíza determinou a paralisação de qualquer outro empreendimento que os réus pretendam implantar na área e a proibição de qualquer intervenção até a elaboração de licenciamento ambiental único que envolva todo o empreendimento.
O licenciamento deve ser precedido de estudos de impacto ambiental e de impacto de vizinhança. A decisão estabelece prazo de 15 dias para as empresas afixarem placas nos acessos aos empreendimentos dando conta do embargo judicial.
A sentença destaca apontamentos do MP de danos ambientais, como supressão de mata nativa com seis intervenções em Área de Proteção Ambiental (APA) para abertura de vias de acesso não licenciadas; intervenção com aterramento de curso d’água; construção de muros no lugar de cercas vivas em corredores de fauna e impacto no aquífero Tubarão com perfuração de poços profundos para captação de água.
Ao Estado e ao município, a sentença impôs a obrigação de fiscalizar o cumprimento do embargo e adotar medidas que garantam sua efetividade.
Projeto bilionário está no topo dos condomínios mais luxuosos
O complexo Fazenda Boa Vista foi anunciado em 2007, em área de 12 milhões de metros quadrados, em Porto Feliz, como um marco em empreendimentos de campo do Brasil. Anos depois a empresa expandiu o projeto com o Boa Vista Village, um lançamento com valor geral de vendas estimado em R$ 4,5 bilhões.
Novas áreas rurais foram acrescentadas ao complexo, que fica às margens da Rodovia Castello Branco, altura do km 102.
Conforme mostrou o Estadão, o Boa Vista está no topo do ranking dos condomínios mais luxuosos e caros do interior paulista.
As propriedades menores, com cerca de 2 mil m², valem entre R$ 30 milhões e R$ 50 milhões, mas já houve negócios com mansões maiores de até R$ 300 milhões. O complexo possui dois campos de golfe assinados pelos atletas americanos Arnold Palmer e Randall Thompson e um centro equestre, além de um shopping particular, o Boa Vista Market.
Estão integrados ao complexo um clube de surfe e um restaurante Fasano. Uma das apostas da JHSF é a construção de uma base para o futuro carro voador – veículo de decolagem e pouso vertical (VTOL, na sigla em inglês).
Empresa defende legalidade de empreendimento
Nesta sexta-feira, 12, a JHSF Participações publicou um comunicado de fato relevante informando que foi ajuizada ação civil pública pelo Ministério Público em Porto Feliz questionando o fracionamento dos estudos de impactos ambientais dos empreendimentos da JHSF na região, tendo sido deferida liminar “cujo sentido e alcance” estão sendo analisados pelos advogados contratados pela companhia.
No documento, a JHSF afirma que seus empreendimentos Fazenda Boa Vista, Boa Vista Village e Boa Vista Estates foram submetidos “de forma transparente e tempestiva” aos devidos processos de Eia-Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) e licenciamentos através dos diversos órgãos competentes. Isso se deu, segundo a empresa, inclusive com audiências públicas, e assim obtiveram as licenças e autorizações legais a eles aplicáveis por meio das aprovações dos órgãos competentes.
“A Companhia reforça que para cada um dos projetos que compõem os empreendimentos tem aprovações e licenças, as quais consideram efeitos cumulativos, e que deu ampla divulgação, por meio de Fatos Relevantes, Comunicados ao Mercado, entre outros, das particularidades de cada um desses projetos”, disse.
A empresa lembrou ser “público e notório”, que a Fazenda Boa Vista foi lançada há dezessete anos, em 2007, e somente após doze anos do lançamento comercial, ou seja, em 2019, é que foi lançado o Boa Vista Village, “empreendimento autônomo à FBV”.
“A JHSF está atuando para esclarecer o assunto e tomando todas as medidas cabíveis ao caso e manterá seus clientes, agentes de mercado e os acionistas informados acerca do tema”, disse.
As empresas Canárias Administração de Bens e Polônia Incorporações foram procuradas e informaram que não se manifestariam individualmente. Como a decisão liminar foi concedida como tutela antecipada, as empresas ainda não se manifestaram no processo acerca da decisão da justiça.
Procurada desde a manhã desta sexta, a prefeitura de Porto Feliz não havia dado retorno até o encerramento do seu expediente. O espaço continua aberto para manifestação do município.
Cetesb diz não ter constatado irregularidade no fim de 2023
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) informou em nota que até o final da tarde desta sexta não tinha sido intimada da decisão judicial.
Segundo a companhia, o complexo Fazenda Boa Vista envolve vários empreendimentos imobiliários, com situação de licenciamento ambiental distintas. O loteamento Boa Vista Village obteve da Cetesb a Licença Ambiental Prévia (LP) e o parecer técnico modificativo Graprohab, emitido com o estabelecimento de condicionantes.
As condicionantes são exigências a serem cumpridas pelo empreendedor. “A Cetesb adota ações administrativas cabíveis quando da constatação de irregularidades ambientais nos empreendimentos imobiliários licenciados, incluindo aqueles que compõem o complexo Fazenda Boa Vista, com a emissão de penalidades, nos termos da legislação ambiental vigente”, disse.
A Cetesb informou que a última inspeção realizada no loteamento Boa Vista Village, no município de Porto Feliz, ocorreu no dia 4 de dezembro de 2023 e não foram constatadas irregularidades ambientais. A agência ambiental do Estado não informou se o empreendimento havia sido autuado anteriormente por eventuais irregularidades.
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