Justiça impõe multa de R$ 100 mil para cada novo caso de PM que use corda para conter pessoa detida

Decisão foi emitida em ação proposta depois que homem negro teve pés e mãos amarradas na Vila Mariana; corporação afirma que irregularidades são investigadas

PUBLICIDADE

Pouco mais de três meses depois que um homem negro acusado de furtar chocolates em um supermercado da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, teve os pés e as mãos amarrados com uma corda por policiais militares, a Justiça paulista estabeleceu nesta quinta-feira, 14, multa de R$ 100 mil para cada caso em que policiais militares usem outros meios que não algemas para conter pessoas detidas.

PUBLICIDADE

Na mesma decisão, o juiz também determinou que, em 90 dias, todos os policiais militares do Estado usem câmeras corporais e que o governo instale câmeras de vigilância nos veículos da PM.

A decisão, provisória, foi do juiz Josué Vilela Pimentel, da 8.ª Vara da Fazenda Pública da capital, em ação civil pública ajuizada contra a Fazenda do Estado de São Paulo pela Educafro (projeto que visa oferecer bolsas de estudo para que negros e pobres cheguem às universidades e se mantenham nelas) e pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos Padre Ezequiel Ramin.

Na decisão, o juiz ressalta que a proibição de usar outros meios que não algemas para conter pessoas detidas já existe e deve ser respeitada sem a necessidade de que haja ordem judicial. “Parece ser de todo despicienda, repetitiva e mesmo teratológica qualquer ordem judicial que determine a obrigação de cumprimento da lei dali em diante, uma vez que tal obrigatoriedade não depende de ordem judicial”, escreveu.

Publicidade

Ele expõe que a súmula vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal restringe até mesmo o uso de algemas, condicionando-o a três situações: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”, diz a súmula.

“O uso das algemas é a exceção. A regra é a mera condução do detido, sem qualquer instrumento de contenção nos membros superiores e inferiores. A algema é a ferramenta adequada e posta à disposição de todos os policiais para a prisão de cidadãos. A súmula n. 11 do STF não trata da contenção do preso com outros instrumentos. Mas é possível concluir que, se o uso de algemas é permitido apenas excepcionalmente, o uso de instrumento diverso só seria admissível em situações excepcionalíssimas, quando a contenção do preso fosse urgente e imprescindível, não havendo algemas à disposição naquele momento”, discorre o magistrado.

Policiais seguram homem pela camisa e pela corda que amarra seus pés e suas mãos juntos Foto: Reprodução/@padrejulio.lancellotti

Referindo-se à prisão ocorrida na Vila Mariana em junho, o juiz diz que “as fotografias e o vídeo demonstram que o preso foi amarrado com cordas (ou tecidos), tendo os pulsos e os tornozelos imobilizados, juntos, às suas costas, fazendo com que não pudesse ficar em pé, sentado, ou mesmo deitado de costas ou de bruços. Os policiais que o detiveram aparentemente portavam, cada qual, sua algema presa ao cinturão”.

Na decisão, o juiz discorre também sobre outros pedidos feitos pelos autores da ação. Ele determina “ao Estado de São Paulo que instale câmeras de vigilância nos veículos da Polícia Militar e no fardamento dos policiais militares do Estado, não passíveis de serem desligadas pelos próprios policiais que as portam, no prazo de 90 dias, sob pena de multa de R$ 100 mil”.

Publicidade

Os demais pedidos foram negados: que a Justiça determinasse às chefias da Polícia Militar que afastem imediatamente os policiais envolvidos em casos de violação de direitos fundamentais, enquanto durarem as investigações (segundo o juiz, uma ordem nesse sentido iria configurar “irregular intromissão deste juízo da Fazenda Pública em um sem-número de procedimentos administrativos ou criminais”); a requisição de documentos relativos ao caso ocorrido em junho (“por certo que tais documentos já se encontram apreendidos e encartados nos autos de eventual ação criminal ou administrativa”, afirmou o juiz); e outras providências não individualizadas, que segundo o magistrado “são de caráter programático e devem aguardar a regular instrução para que possam ser examinadas com mais apuro”.

“A magistratura brasileira reconheceu a impossibilidade de tratamento diferente às pessoas que estão vulnerabilizadas”, afirmou o advogado e doutor em Sociologia Jurídica Márlon Reis, que representa as duas entidades autoras da ação.

Em nota encaminhada pela Secretaria da Segurança Pública, a Polícia Militar afirmou que “os métodos de contenção utilizados pelos policiais militares durante as abordagens seguem os protocolos pautados pela instituição e pela legislação vigente”.

A instituição afirma que irregularidades são investigadas com rigor: “Em todas as ocorrências em que são constatadas desconformidades, os fatos são apurados rigorosamente por meio de Inquérito Policial Militar”.

Publicidade

Sobre o uso de câmeras corporais, a nota enviada pela secretaria informa que elas funcionam de forma ininterrupta, não permitindo o desligamento, mantendo as imagens gravadas. Sobre a ocorrência de junho, ainda segundo a nota, “as imagens do caso foram encaminhadas ao Poder Judiciário, assim como o inquérito policial instaurado pela Polícia Civil”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.