Como o resultado do leilão do Trem Intercidades, até Campinas, é avaliado no setor? O Estadão procurou um especialista na área para comentar sobre o resultado da concessão, anunciado na tarde desta quinta-feira, 29, no qual um consórcio formado pela gigante chinesa CRRC e o Grupo Comporte saiu vencedor, com uma proposta única.
Diretor executivo da FGV Transportes, Marcus Quintella considera o resultado como um sucesso, apesar de ter atraído apenas um interessado. “A partir do momento em que algum empreendedor identifica a viabilidade, é um sucesso. Não precisa ter dez concorrentes, basta um entender como viável”, avalia.
O especialista diz que o desconto (0,01%) oferecido pelo consórcio foi quase nenhum. “Foi praticamente zero. Mostra que pode estar em cima do laço (a viabilidade econômica)”, comenta. “Normalmente, a empresa privada faz os próprios estudos de demanda, a própria modelagem. Não se baseia só no que está no edital para entender se aquilo está adequado”, pontuou.
O critério para selecionar o vencedor era aquele que oferecesse a menor contraprestação a ser paga pelo governo do Estado, cujo teto permitido pelo edital era de cerca de R$ 8 bilhões. “É uma obra importante e com risco de demanda. No mundo inteiro, o adotado é esse tipo de modelagem. Não tem como só o privado bancar essa obra”, diz o especialista.
Segundo o professor, nesse tipo de concessão, o consórcio tem o retorno de receita basicamente por meio da tarifa e da contrapartida pública, com um percentual menor de outras origens, como publicidade. O governo será responsável, ainda, por pagar quase R$ 9 bilhões dos R$ 14,2 bilhões a serem investidos em infraestrutura.
Parte dos recursos estaduais será oriunda de empréstimo de cerca de R$ 6,8 bilhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O diretor da FGV Transportes comenta que o empréstimo federal foi importante como uma “garantia” do Estado ao consórcio, visto que será responsável pela maior parte dos investimentos e, ainda, pela contraprestação. “Agora, depende do governo cumprir a sua parte do investimento e, depois, monitorar bem a prestação de serviços.”
Ligado à família Constantino (da Gol), o Grupo Comporte é responsável pela operação do VLT da Baixada Santista, que liga São Vicente a Santos, e do Metrô BH, na capital mineira, dentre outras atividades no ramo de transportes. Já a CRRC (sediada em Pequim) é uma das maiores referências internacionais no fornecimento de equipamentos ferroviários.
Quintella comenta que o grupo chinês tem a expertise de produção de material rodante e o conhecimento da área de transporte em geral, com ampla trajetória internacional, inclusive na América do Sul (como no Chile). “A Comporte não tem tanta experiência em ferrovia, mas é uma empresa importante em transporte”, continua.
Além disso, ele avalia que o resultado do leilão pode impulsionar o interesse por outras propostas semelhantes. O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou que pretende fazer um leilão no ano que vem da interligação da capital com Sorocaba. Para o especialista, ainda mais interesse pode atrair uma futura proposta de linha até Santos. ”Agora, cabe montar novos projetos. Tem que mostrar demanda, ver se vai funcionar para as outras áreas.”
- A concessão abarca três linhas. Uma delas é o Trem Intercidades, opção expressa, com paradas na capital (Estação Palmeiras-Barra Funda), em Jundiaí e em Campinas.
- O outro é o Trem Intermetropolitano, que fará um percurso de Jundiaí a Campinas, com paradas em Louveira, Valinhos e Vinhedos.
- A terceira é a já existente Linha 7-Rubi, da CPTM, que se estende da capital até Jundiaí.
O contrato envolve a implementação, manutenção e operação das três linhas por 30 anos. A previsão é que o expresso até Campinas e as alterações previstas na linha da CPTM sejam entregues até 2031, enquanto a outra linha seria inaugurada em 2029. A concessão terá cerca de um ano de transição.
O Trem Intercidades tem trajeto com duração estimada de 1h04 a 1h15. A velocidade média prevista é de 95 km/h, podendo chegar a 140 km/h em alguns trechos. O valor médio estimado do bilhete é de R$ 50, com teto de R$ 64 (a ser atualizado anualmente, com base principalmente no IPCA).
A proposta do Estado também tem recebido críticas. Nas audiências públicas, por exemplo, já foi destacado que o valor da tarifa traria uma “elitização” do serviço e pouca efetividade na adesão daqueles que utilizam carro. Questionamentos envolvem, ainda, o trajeto (com a reivindicação de mais paradas e alterações), a velocidade mediana e o desembolso da maior parte do investimento pelo poder público, dentre outros.
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