SÃO PAULO - São Paulo tem uma das maiores frotas de helicópteros do mundo, mas um número cada vez maior dessas aeronaves voa de forma irregular. Autoridades e representantes da aeronáutica estão preocupados com o aumento dos “Tacas” - como são chamadas as aeronaves registradas como privadas, mas que fazem táxi aéreo clandestino. Representantes do setor relacionam essa atividade a uma escalada nos acidentes desde 2015.
O aumento dos voos clandestinos se dá por meio de concorrência predatória com o táxi aéreo regular, a ponto de empresários que atuam de acordo com a lei deixarem de fazer serviços como voos panorâmicos, festas e viagens para litoral e interior diante da competição desleal.
“A maior parte desses serviços (de transporte) hoje é ‘Taca’”, diz Rafael Dylis, controlador de voo da Helimarte, empresa instalada no Campo de Marte, zona norte paulistana. “Uma viagem em que cobramos R$ 5,9 mil é oferecida por R$ 3 mil pelo ‘Taca’.” Diante disso, a empresa migrou para outros nichos, fechando contratos com outras empresas no lugar do transporte avulso de passageiros.
“De 60% a 70% dos voos hoje são clandestinos”, diz o diretor da Associação Brasileira de Táxis Aéreos e de Manutenção de Produtos Aeronáuticos (Abtaer), Domingos Afonso. “Há dez anos, havia cerca de 300 empresas de táxi aéreo no Brasil. Hoje, há 117.” Ele destaca que, em São Paulo, o problema é ainda pior por causa dos brokers, os vendedores de passagens clandestinas. “São pessoas que sempre sabem onde estão pilotos e helicóptero e conseguem contato com alguém que pode oferecer cotação mais barata do que o de uma empresa (regular).”
Há ainda a oferta de serviços em sites das empresas irregulares que confundem o passageiro - especialmente quem não é usuário frequente. O Estado checou o prefixo de aeronaves nas fotos de anúncios de quatro empresas - em três, as aeronaves eram clandestinas.
Em redes sociais, youtubers pilotos também divulgam serviços como transporte de noivas para casamentos em helicópteros que, após checagem, se mostram piratas. Em dezembro de 2016, a auxiliar de enfermagem Rosemere do Nascimento, de 32 anos, morreu em uma queda de helicóptero na Grande São Paulo quando ia para seu casamento em um “Taca”.
Helicópteros privados têm menos exigências de segurança
O serviço clandestino difere do táxi aéreo regular não só pela falta de licenciamento adequado. A carga de exigências de segurança para um helicóptero privado é menor.
Pilotos de transporte de passageiros passam por três avaliações anuais e devem ter ao menos 500 horas de experiência. Helicópteros privados têm uma inspeção ao ano, e os comandantes precisam de 40 horas de voo. A cobertura do seguro é mais abrangente para o táxi regular. E a manutenção deve ser em oficinas credenciadas. Com isso, a Abtaer estima manutenção até 50% mais cara.
As empresas do setor investem em treino extra, como aula em simuladores para pilotos. “Há uma série de simulações, como de voo com neblina ou situações de pane, que só quem passa por simulador enfrenta”, exemplifica Eduardo Vaz, CEO da mineira Líder Aviação, maior empresa do País.
Em 2015, houve um acidente de helicóptero em São Paulo reportado ao Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Aeronáutica, que apura as razões das falhas. No ano seguinte, quatro. Em 2017 e 2018, sete casos cada e um até agora em 2019.
Na última década, foram 50 ocorrências, com seis mortes. Do total, 22 eram de aeronaves registradas como privadas. Os relatórios de oito deles já foram publicados pelo Cenipa. Em três, há indícios de que os voos privados tinham passageiros a bordo. Um caso em apuração é o voo que matou o jornalista Ricardo Boechat, em fevereiro, em um helicóptero que também não podia fazer táxi aéreo.
Em 2018, 49 aeronaves (incluindo aviões) foram apreendidas no País por táxi aéreo clandestino. Neste ano, até maio, 23. Além disso, 26 pilotos foram suspensos nos dois anos por voar como “Taca”.
De uma frota estadual de 841 helicópteros, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), 593 são registrados como privados, que só poderiam ser ocupados por proprietário, piloto e convidados. Exclusivamente para táxi, são só 60. O restante tem registro para mais de um tipo de voo.
O presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Helicópteros, Thales Pereira, destaca uma dificuldade da fiscalização em parte dos casos. “É um jogo combinado”, diz, em que o passageiro é cúmplice. O comandante afirma que, em uma fiscalização, basta piloto e passageiros dizerem ao fiscal que o voo não é cobrado, e o agente não tem como aplicar penalidades.
Para Afonso, da Abtaer, a Anac teria como mapear táxi aéreo nos voos privados, como excesso de viagens, alto número de passageiros e rotas frequentes. “Há punições administrativas. É preciso ter punições criminais, uma vez que há uma série de riscos relacionados.”
Segundo representantes do setor ouvidos pelo Estado, as exigências do governo são adequadas e em linha com outros países, mas há gargalos, como lentidão para emitir licenças.
Contratante do serviço é um importante fiscal, diz Anac
A Anac informou, em nota, fazer “campanhas educacionais que incentivam os passageiros a consultarem a regularidade” da empresa contratada. A agência lançou, em abril, o aplicativo Voe Seguro de checagem do prefixo da aeronave.
O órgão reforçou ainda que o “contratante do serviço é um importante fiscal”. Disse que a fiscalização “é feita de forma programada, não programada e sempre que há denúncias” e que houve investimentos em ações de inteligência.
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