Metrô quer Terminal da Barra Funda com escritórios, hotel e menos isolado do entorno; entenda

Plano prevê aumento da área construída em até 10 vezes e intervenções no entorno, com alargamento de calçadas, ciclovia e passarela; obra seria viabilizada por meio de concessão pública

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Foto do author Priscila Mengue
Atualização:

Uma proposta em desenvolvimento pelo Metrô e a CPTM pretende ampliar o Terminal Palmeiras-Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, com novas áreas de circulação, lojas, escritórios e serviços de hospedagem. Batizada de Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Polo Barra Funda, a iniciativa está em consulta pública até 31 de outubro e também inclui a ampliação dos acessos para pedestres, a criação de ciclovia, a expansão construtiva em dez vezes do volume atual e uma maior ligação com o entorno do Memorial da América Latina e do câmpus da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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O plano prevê intervenções em uma área de 16,8 hectares, que abrange ainda a Praça Doutor Osmar de Oliveira, ao lado do Memorial, o Instituto de Artes da Unesp e vias públicas. O objetivo é potencializar uma zona de centralidade, assim como ser um vetor para a ampliação de comércios, serviços, empregos e moradias no entorno.

A previsão é que as mudanças no terminal e entorno ocorram com recursos privados, por meio de uma concessão pública. O diagnóstico apresentado na consulta mapeou os terrenos “transformáveis” na vizinhança, que poderiam atrair o interesse privado com as mudanças no terminal.

Plano para Terminal Palmeiras-Barra Funda está em consulta pública Foto: Felipe Rau/Estadão

O terminal abrange a operação simultânea de três linhas do Metrô e da CPTM (3-Vermelha, 7-Rubi e 8-Diamante) e de ônibus municipais, rodoviários e turísticos, além de um fluxo de pedestres, ciclistas, táxis, transporte por aplicativo e veículos particulares. Nos próximos anos, também receberá as linhas 11-Coral e 13-Jade – conectando-se ao Aeroporto de Guarulhos e às zonas norte e leste – e o trem intercidades, até Campinas, que devem atrair mais 40 mil pessoas diariamente, segundo estimativa o Estado.

O fluxo médio é de 310 mil usuários ao longo do dia, com plataformas e acessos lotados nos horários de pico. O número também é avolumado pela localização do terminal, próximo a universidades e espaços culturais e esportivos de médio e grande portes, como o estádio do Palmeiras, o Memorial da América Latina, o Parque da Água Branca e o Espaço das Américas, dentre outros.

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Segundo Luiz Antônio Cortez, gerente de Planejamento e Meio Ambiente do Metrô, a expansão e modernização do terminal é discutida há anos, diante da constatação de problemas diversos, como a superlotação em horários de pico, os acessos insuficientes para pedestres e os conflitos de espaço entre ônibus, táxis, carros de aplicativo e usuários no lado norte. “O pedestre foi praticamente esquecido no projeto original (a inauguração foi em 1988).”

A mudança é inspirada especialmente em dois exemplos europeus, da Holanda e da Itália, na última década, além de projetos para estações em Tóquio e um estudo de pré-viabilidade da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), elaborado em 2018 e parte de uma cooperação técnica com São Paulo.

Um dos exemplos é o da Estação Central de Roterdã, convertida em um marco arquitetônico e turístico em um projeto que também apostou em áreas externas amplas e na diversificação de comércios e serviços. O outro é Porta Susa, parte da transformação urbana de de uma área de Turim em uma nova zona comercial e residencial, com a construção também de torres.

Um dos desafios e motivações é a reorganização e regularização fundiária dos espaços, que ocupam glebas da antiga Estação Sorocabana e do Pátio da Fepasa, situação descrita como uma “colcha de matrículas” e com uma situação legal que dificulta obras. “A estrutura fundiária é muito confusa. Imagine: como a gente conseguiria regularizar uma edificação em cima de duas matrículas e uma antiga via pública?”, comenta o gerente de Planejamento e Meio Ambiente do Metrô.

A proposta está em um dos setores da Operação Urbana Consorciada Água Branca, criada nos anos 1990 e atualizada em 2013 e 2021, voltada a promover o desenvolvimento urbano de áreas com um passado industrial e até então pouco povoadas. Hoje, algumas dessas mudanças são visíveis em quadras do entorno do terminal, como na Avenida Marquês de São Vicente e na Rua Federação Paulista de Futebol, com um processo de verticalização com obras de edifícios majoritariamente residenciais.

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O programa de interesse público do PIU tem a mobilidade a pé e por bicicleta como um dos focos. Hoje, segundo o diagnóstico técnico, pedestres chegam a caminhar até 600 metros a mais porque os acessos são centralizados e funcionam quase como uma “ponte” sobre a linha férrea que divide o bairro. Além disso, as calçadas são consideradas estreitas e insuficientes para o fluxo de pedestres, assim como as dimensões das escadas e rampas do terminal.

Hoje, é comum que a travessia de pessoas fora da faixa de pedestres, que por vezes também caminham nas pistas destinadas aos carros e ônibus. Para esses problemas, o PIU propõe a criação de acessos em outros pontos, a implantação de uma passarela sobre o câmpus da Unesp (até a Rua Doutor Bento Teobaldo Ferraz) e a arborização e o alargamento de calçadas (para cerca de 5 metros de largura).

Proposta prevê alargamento de calçada e novos acessos para pedestres Foto: Felipe Rau/Estadão

A mudança também envolverá uma reorganização do fluxo de transporte coletivo, táxis e carros em geral na plataforma junto à Rua Jornalista Aloysio Biondi, que possivelmente será alargada. A princípio, não há a previsão de retirada de linhas de transporte coletivo, segundo Cortez.

No local, não há uma referência para aguardar o transporte por aplicativo, enquanto usuários de ônibus se aglomeram em filas estreitas e enfrentam dificuldades no embarque e desembarque. O diagnóstico do PIU destaca os “elevados índices de acidentes de trânsito” e a falta de “condições plenas de acessibilidade aos pedestres”.

A expectativa é que o PIU seja implantado com recursos privados, por meio de uma concessão pública, cuja modelagem e duração estão em desenvolvimento. “Seria muito difícil viabilizar uma intervenção desse porte apenas com recursos públicos”, destaca o arquiteto e urbanista Luiz Antônio Cortez, gerente de Planejamento e Meio Ambiente do Metrô. Hoje, a gestão de parte do terminal está concedida até 2026.

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Para atrair o interesse de possíveis concessionárias e ampliar os usos, o PIU propõe a verticalização na parte superior do terminal rodoviário, com novos pavimentos e uma divisão sugerida dos espaços de 50% para comércios e serviços, 25% para escritórios e 25% para hotelaria ou serviços de hospedagem.

Segundo o arquiteto, é possível que a aparência seja semelhante à do Conjunto Nacional, da Avenida Paulista, com uma parte mais horizontal (do transporte ferroviário) e outra em torre. Ele considera improvável a implantação de apartamentos, pois a propriedade é pública e as unidades não será vendidas.

Ao todo, a área computável (que não inclui infraestrutura, por exemplo) poderá aumentar em cerca de 10 vezes, passando os 90 mil metros quadrados. Somente o mezanino (nível em que estão hoje a maioria das lojas e lanchonetes) dobrará de tamanho, com a ampliação da oferta comercial e dos espaços de fluxo de usuários, e também outras alterações para a contemplação da vista para o Memorial da América Latina, hoje menos evidente.

Terminal reúne linhas do Metrô e da CPTM, além de transporte rodoviário, municipal e turístico Foto: Felipe Rau/Estadão

Há a expectativa que um desempenho bem avaliado do projeto na Barra Funda possa servir de exemplo para mudanças em outros terminais atendidos pela CPTM e o Metrô. “Enxergo esse projeto como algo que se deve fazer um esforço muito grande pra que dê certo o modelo, para outras situações na cidade. A gente que conhece sabe que tem muitos problemas em muitos lugares. Um processo desse parando em pé é importante para outras aplicações”, destaca o gerente de Planejamento do Metrô.

A consulta pública inclui um diagnóstico da área. Entre os pontos sensíveis identificados, está a drenagem e o “elevado risco de alagamentos”, pela localização na várzea do Rio Tietê, a proximidade de três cursos d’água hoje canalizados e tamponados e a diminuição das áreas permeáveis do entorno. “É necessário prever e implantar medidas que contribuam com a infiltração e retardem o escoamento, minimizando a incidência de enchentes e seus impactos”, aponta o documento. “Soluções contribuem, mas não resolvem o potencial de alagamentos característicos de uma planície fluvial”, ressalta.

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O plano está em tramitação inicial, de coleta de sugestões de conselhos municipais e da população, pela plataforma Participe + (participemais.prefeitura.sp.gov.br). Será transformado em projeto na próxima etapa, em conjunto com a São Paulo Urbanismo (SP-Urbanismo), ligada à Prefeitura, e passará por outras consultas populares. Por fim, resultará em um projeto de lei, submetido para a aprovação da Câmara Municipal.

Em geral, PIUs têm levado anos para serem aprovados, desde a demora para a votação até eventuais questionamentos na Justiça. O PIU Setor Central, por exemplo, tramitou por cerca de quatro anos desde a primeira consulta pública até obter anuência dos vereadores.

Um protocolo de intenções para a elaboração da proposta foi firmado entre a Secretaria dos Transportes Metropolitanos (STM), o Metrô, a CPTM e a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (Smul) em 2020. Reuniões entre as áreas técnicas foram realizadas no ano seguinte, no qual também o reitor da Unesp, Pasqual Barretti, manifestou-se favorável ao processo. “Foram dois anos discutindo o melhor caminho”, conta Maria Eugenia Ferragut, assessora técnica da Diretoria Comercial do Metrô, sobre a decisão por um PIU.

Integrante do grupo de gestão da Operação Urbana Consorciada Água Branca (OUCAB) e professora de Urbanismo na USP, Paula Freire Santoro avalia que o diagnóstico e o programa de interesse público apresentado na consulta ainda são genéricos e não apontam propostas suficientes de interesse público. “É muito voltado para a promoção de soluções para a iniciativa privada.”

Também defende que o uso residencial seja cogitado, diante do déficit habitacional da cidade e como está previsto para a região de abrangência da operação urbana. Por outro lado, concorda que é preciso realizar a regularização fundiária do local e melhorar os acessos da população.

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Outros terminais também precisam de atualização, diz pesquisadora

O perfil em desacordo com as necessidades contemporâneos e o isolamento do entorno são problemas comuns em terminais e antigas estações ferroviárias, como a Barra Funda. Melhorias na infraestrutura para pedestres e ciclistas e uma maior conexão com a cidade estão entre as mudanças mais necessárias.

Pesquisadora de mobilidade urbana, a arquiteta Luísa Gonçalves comenta que esses espaços se tornaram eixos estruturantes de uma rede com diferentes modos de transporte, com uma dinâmica de dezenas de milhares de usuários diariamente.

“São espaços de uso cotidiano. Os terminais ferroviários tinham um uso mais esporádico”, avalia. Uma grande circulação de pessoas se torna uma oportunidade para empreendimentos mais interessantes.”

Metrô e CPTM querem ampliar em até 10 vezes a área do terminal  Foto: Felipe Rau/Estadão

A arquiteta pontua, ainda, que os projetos para os terminais devem considerar um melhor aproveitamento pelos usuários, em que a oferta de comércios e serviços seja fluída, diferentemente da maioria dos exemplos de implantação com shoppings e assemelhados. Um caso positivo que cita é o da Estação São Bento, da Linha 1-Azul, em que o comércio fica majoritariamente em um nível entre a rua e a estação, com características de uma praça circundada por lojas e lanchonetes.

Luísa também avalia que outros espaços em São Paulo deveriam ser igualmente repensados, como os Terminais Itaquera, na zona leste, e Jabaquara, na sul. “Em Itaquera, a acessibilidade para o pedestre é péssima.”

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