SÃO PAULO - A figura de Gabe Klein sintetiza o caminho pelo qual a mobilidade evolui: uma combinação de iniciativas e pontos de vista vindos tanto do setor público quanto do privado. Klein, de 47 anos, iniciou sua trajetória profissional na Bike USA, que nos anos 1990 era a maior rede varejista americana do setor. Depois, assumiu a vice-presidência da Zipcar, com o desafio de convencer a todos de que compartilhar o mesmo carro era boa ideia. O ano era 2002 e ainda levaria cerca de sete anos até os serviços de transporte por aplicativo serem lançados.
Mais tarde, tornou-se diretor do Departamento de Trânsito de Washington D.C. e ajudou a popularizar o uso de bicicletas. A experiência o levou a assumir o Departamento de Trânsito de Chicago, onde implementou um novo sistema de compartilhamento de bikes. Hoje, é consultor para startups de trânsito e atua para a Fontinalis Partners, fundo que investe em mobilidade. No fim deste mês, Klein participa do Summit Mobilidade Urbana Latam, em São Paulo, detalhando as experiências. De Washington, ele deu a seguinte entrevista:
Há soluções de trânsito que funcionam para todas as cidades ou cada caso é um caso?
Existem verdades básicas e simples, que independem da geografia ou da escala. Todos seres humanos almejam estarem perto de outras pessoas, em espaços abertos e se deslocarem facilmente. A partir daí é possível analisar outras camadas de opções. Um lugar como São Paulo ou Nova York é diferente de Washington ou Miami, a densidade é outra. Então pode haver necessidade de metrô, veículos leves sobre trilhos e bicicletas compartilhadas.
O que aprendeu de mais importante no setor privado?
Em companhias como a Zipcar, startups e até no setor público, aprendi que é preciso focar no cliente. Às vezes, quando a burocracia é grande, seja de uma corporação ou do próprio governo, as equipes focam demais em sustentar a burocracia e em políticas internas, e não o bastante no que as pessoas precisam.
Qual a diferença? Nos anos 1960 e 1970, as pessoas dirigiam para qualquer lugar. Se você perguntasse a elas o que queriam, diriam: “Mais estradas”. Precisamos achar maneiras de mostrar às pessoas o que está disponível, para que saibam que há mais do que comprar um carro.
Esta mudança tem a ver com os millenials, a geração nascida nos anos 1980? Sou da geração X (nascida nos anos 1970) e posso dizer que nós é que fomos os pioneiros. Nos anos 1990 e começo dos anos 2000, decidimos que não queríamos o “suburban way of life” (estilo de vida suburbano). É uma reengenharia social que ganhou força nos últimos 15 anos. E há o fato de os millenials estarem saindo da faculdade cheios de dívidas, sem interesse em ter bens e propriedades, até porque não têm condições de adquirir. Querem experimentar a vida, e não “possuir” a vida. São mais conectados a pessoas do que a bens – exceto em relação a seus celulares, é claro.
De que um sistema cicloviário precisa para ser bem-sucedido? É muito importante que o governo dê segurança para outros modais além do carro. Se você não se sente seguro, não usa. É preciso ter uma separação que proteja o ciclista, bairros com velocidade reduzida. Tão importante quanto oferecer ciclovias é o compartilhamento de bikes, que dão às pessoas a oportunidade de tentar.
A mesma lógica vale para os serviços de compartilhamento de carros? Sim. Por causa da maneira como as cidades foram desenhadas, às vezes você precisa de carro. Mas esses serviços eliminaram a necessidade de as pessoas terem o carro. Em lugares onde 70% a 80% das pessoas dirigem, a oferta de todos esses serviços pode reduzir o número de veículos nas ruas em até 30% em 20 anos.
Como calcular tarifas para o transporte? Se tivéssemos um uso adequado da terra, criaríamos moradias de boa qualidade e boa localização a preços acessíveis, e o problema do transporte já estaria praticamente resolvido. As empresas querem ter acesso à cidade, e a cidade pode oferecer isso a elas exigindo em troca serviços a preços acessíveis. Às vezes ser acessível tem mais a ver com garantir a oferta desses serviços em todo o território do que definir o preço deles.
Cabe ao governo oferecer subsídios? Há situações em que o subsídio é necessário. Claro que o ideal é que haja um modelo que funcione de maneira independente, com decisões baseadas em políticas de mobilidade e também na lucratividade, cobrindo custos o quanto for possível. Mas devemos lembrar que o segmento de transporte que mais recebeu subsídios foi a indústria automobilística. Falando nisso, o senhor considera os carros autônomos o futuro da mobilidade? Não, eles são apenas uma tecnologia. Precisamos de uma combinação de meios de transporte de qualidade de alta capacidade para os trajetos mais longos e de boas opções de baixa capacidade para a última milha.
Evento do 'Estado' debate políticas no próximo dia 25
Especialistas brasileiros e estrangeiros vão se reunir em São Paulo no dia 25 para debater problemas e propor soluções voltadas a melhorar os deslocamentos nas cidades. Experiências latino-americanas, políticas públicas e inovações capazes de inspirar e transformar como as pessoas vão de um lugar a outro estão entre os temas do Summit Mobilidade Urbana Latam 2018, realizado pelo Estado com o patrocínio da 99. O evento abordará ainda a diversidade dos passageiros da rede de transporte e as tecnologias para tornar os meios mais seguros e sustentáveis.
Profissionais de diversos setores participarão da programação, que vai das 8 às 18 horas no Sheraton WTC Hotel. O endereço é Avenida das Nações Unidas, 12.551, Brooklin. As vagas são limitadas e as inscrições podem ser realizadas pela página do evento na internet (summitmobilidade.com.br).
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