O médico Raul Barros, de 28 anos, esperava um carro de aplicativo na porta de um bar próximo ao Edifício Copan, no centro da capital paulista, quando teve o celular furtado por um ladrão de bicicleta.
Com o susto, ele foi rapidamente para casa, na Vila Clementino, zona sul, e tomou as providências para bloquear o chip e a conta bancária o quanto antes. Não foi suficiente: no pouco tempo que demorou até travar as transações, Raul teve R$ 6 mil desviados de sua conta via Pix, ferramenta de pagamento do Banco Central.
O roteiro do caso, que ocorreu no fim do ano passado, não é exatamente novo, mas serviu de empurrão para Raul adotar medidas de segurança. “Teve que acontecer comigo para que tomasse uma atitude”, explica. Além de comprar um celular novo, o médico agora usa um aparelho mais velho, que estava encostado no armário, só para fazer transações. A alta de roubos, que afeta sobretudo áreas centrais e bairros nobres, tem feito os paulistanos manterem um aparelho reserva em casa por segurança. No que levam ao sair, deixam no máximo um aplicativo de banco, e com pouco dinheiro.
Diante dos casos de roubo, amigos de Raul adotaram medidas desse tipo há algum tempo e indicaram que ele fizesse o mesmo. “Fui adiando, e aí roubaram meu celular”, diz o médico, que conta ter sido ressarcido pelo banco. Agora, Raul mantém só um aplicativo para fazer transações pelo celular principal, com limite baixo, e aplica ainda estratégias como uso de senha no chip.
“Quando saio de São Paulo, coloco dinheiro na conta do meu celular da rua, quanto acho mais ou menos que vou precisar, e faço dessa forma. Se surgir alguma coisa que tenho que fazer, explico que não estou com dinheiro e paciência, tenho que esperar a hora de chegar em casa”, diz. Segundo o médico, a popularização do Pix fez aumentar a preocupação. “É muito rápido e você faz a transferência para outros bancos, então aumenta muito a chance de golpe.”
O celular virou o principal foco dos roubos e furtos, já que permite multiplicar o prejuízo das vítimas com invasões de contas bancárias. Como mostrou o Estadão em abril, os altos lucros obtidos com crimes desse tipo atraíram a atenção inclusive do Primeiro Comando da Capital (PCC). Segundo a polícia, a facção cooptou uma quadrilha que atua na Bela Vista. Pela proximidade de bairros nobres, o local se tornou um dos epicentros dos roubos, mas os relatos se espalham por toda a cidade.
Na percepção da editora de áudio Jessica Correa, de 27 anos, a segurança na área central piorou nos últimos anos, mas ela não relaciona o problema ao Pix. “Acho que é mais pela situação da cidade, que está largada às traças”, diz. Moradora da Bela Vista, ela adotou um celular reserva diante da situação. “A sensação que eu tenho é que a gente tem um caixa eletrônico na nossa sala. É meio esquisito, mas é o que eu estou fazendo atualmente para me sentir segura.”
A sensação que eu tenho é que a gente tem um caixa eletrônico na nossa sala
Jessica Correa, editora de áudio
No celular principal, Jessica mantém apenas um aplicativo de banco, com pouco dinheiro e limite baixo para transações. “Às vezes preciso fazer uma compra maior e agora preciso me planejar para sair de casa, para aumentar o limite”, explica. Ela relata que vários amigos também estão adotando a medida, o que ajuda a ter segurança sobretudo em situações de maior risco. “Ando muito de ônibus pela cidade, e às vezes desço em alguns pontos com mais gente, essas são as situações que normalmente me deixam mais insegura.”
Morador do mesmo bairro, o analista administrativo Lucas Romeiro, 30 anos, teve o celular furtado há cerca de dois meses na estação Paulista do metrô. Um homem tirou o aparelho do seu bolso na área de embarque. Ao perceber, ele tentou reagir, mas foi distraído pelo que acredita ser um comparsa do ladrão. Na correria, os suspeitos entraram no vagão e ele permaneceu fora, na estação. “Quando relatei aos guardas, disseram que tinha acontecido outro caso parecido alguns minutos antes.”
Apesar do furto, ao menos não foram feitas transferências por Pix do celular de Lucas. Há cerca de um ano, ele passou a manter um celular em casa, por precaução, para acessar os principais aplicativos de banco. Quando sai, leva um aparelho com apenas um aplicativo – na conta, ficam R$ 100. Recentemente, ele também desativou a opção de empréstimos depois de ver o post de um homem que teve um prejuízo de mais de R$ 140 mil (ele foi ressarcido após a repercussão do relato). “Por causa desse caso, alguns amigos me deram essa dica de bloquear empréstimos”, explica.
Lucas conta que quando começou a morar na cidade a percepção de segurança era maior. Com o tempo, contudo, teve de se adequar. “Costumava me sentir seguro, por exemplo, na Avenida Paulista quando me mudei para São Paulo há cerca de 4 anos, mas hoje eu já não me sinto nada seguro”, relata. Atualmente, ele adota desde aplicativos para bloqueio, como o AppLock, a soluções de segurança como o Cerberus, que pode ser configurado para disparar a câmera frontal toda vez que o usuário erra a senha de acesso do aparelho e enviar a um e-mail de preferência.
‘Aparelho de guerra’
A estratégia usada pelo blogueiro de moda Guilherme Cury, de 33 anos, é um pouco diferente. Depois de passar por uma tentativa de furto, ele e a namorada, que moram na Vila Buarque, região central, decidiram adotar um celular antigo. Mas não para deixar em casa, e sim para levar à rua quando eles têm de sair à noite ou ficar fora por mais tempo. “É mais um ‘aparelho de guerra’ mesmo”, explica Guilherme, que conta que o celular não tem nem mesmo WhatsApp.
“Quando saio para cobrir algum evento a trabalho, agora virou o momento Detox”, continua. O blogueiro explica que o resultado das fotos que faz a trabalho acaba sendo pior, mas pelo menos se sente mais seguro. “Não é o melhor, o ideal era estar com o celular que a gente gosta, que trabalha para ter, mas acaba usando só mais em casa”, acrescenta. O aparelho principal, onde possui os aplicativos de banco, raramente sai de casa. “É para não ter perigo.”
A insegurança em São Paulo faz até quem é de fora se preparar para ir até a cidade. O publicitário Jorge Freire Junior, de 50 anos, que mora em Sorocaba, decidiu adotar um celular reserva por conta do medo de ter o aparelho roubado durante as cerca de três idas semanais à capital. “Por mais camadas de segurança que implantamos em nossos dispositivos, nos sentimos inseguros em andar com o app do banco principal no smartphone. Por isso optamos em ter o ‘Celular Pix’”, explica ele, que diz ficar em alerta sobretudo na região central e em grandes avenidas.
Como mostrou o Estadão, os roubos tiveram alta no início deste ano sobretudo em áreas centrais e bairros nobres na capital paulista. O governo de São Paulo lançou neste mês a Operação Sufoco, focada em crimes como roubos e furtos. “Até sexta-feira, 13, as polícias Civil e Militar já tinham apreendido 2,9 mil celulares, mais de 100 armas de fogo, além de centenas de itens de informática, máquinas e cartões bancários”, informou a Secretaria de Segurança Pública.
Diante dos relatos de roubos envolvendo Pix, o Banco Central informou que novos mecanismos entraram em vigor para tornar a ferramenta mais seguro. Citou como exemplos o bloqueio cautelar, a notificação de infração e a ampliação da responsabilização das instituições. Reforçou ainda que as operações na ferramenta são rastreáveis, “o que significa que o Banco Central e as instituições envolvidas podem identificar os titulares das contas de origem e de destino”
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou estar atenta aos relatos de crimes envolvendo Pix. Sobre ressarcimento, acrescentou que “cada instituição financeira tem sua própria política de análise e devolução, que é baseada em análises aprofundadas e individuais, considerando as evidências apresentadas pelos clientes e informações das transações”.
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