Ao balear e matar o delegado de classe especial Mauro Guimarães Soares no sábado, 21, na Vila Romana, no distrito da Lapa, na zona oeste de São Paulo, o suspeito Enzo Wagner Lima Campos cumpria prisão domiciliar após condenação por organização criminosa. A progressão de pena, prevista pela Lei de Execuções Penais, é alvo de críticas do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite.
O titular da pasta defendeu no Congresso o fim da “saidinha” temporária dos presídios. O projeto foi sancionado com vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em abril. O Poder Judiciário definiu o fim das saidinhas apenas para os presos após a promulgação da lei.
“A polícia prende reiteradas vezes o mesmo criminoso. O grande problema é que não existe punição adequada. Se tivesse (punição), ele, um criminoso que foi preso quatro vezes por roubo, não estaria solto”, diz o secretário ao Estadão.
Depois de ter sido sentenciado a 7 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão em regime fechado por organização criminosa em agosto de 2020, Enzo cumpria pena quando a Justiça concedeu-lhe a prisão albergue-domiciliar. Ele estava em liberdade desde maio. Era obrigado a dormir em casa todas as noites e não podia deixar a cidade sem avisar a Justiça, mas podia circular durante o dia.
“O que motivou esse latrocínio foi a impunidade que impera no País. É um indivíduo que já foi preso quatro vezes por roubo. É um crime grave, não é um crime de menor potencial ofensivo. E, mesmo assim, recebeu inúmeros benefícios e medidas cautelares não cumpridas, como a prisão domiciliar”, diz o secretário. “A morte do delegado Mauro mostra que criminoso não cumpre prisão domiciliar”.
Questionado sobre as razões da progressão do regime neste caso específico, o Tribunal de Justiça de São Paulo informou que “não se manifesta sobre questões jurisdicionais”.
“Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito”, informou o órgão em nota.
Secretário reconhece sensação de insegurança na cidade
Embora cite a queda dos índices criminais, Derrite reconhece a sensação de insegurança na cidade. “No Estado de São Paulo, estamos conseguindo reduzir os indicadores criminais. Ainda não temos uma melhora da segurança pública porque os crimes continuam acontecendo”, diz. “Estamos reduzindo paulatinamente, mas só vamos conseguir melhorar de maneira eficaz quando existir punibilidade no Brasil”, completa.
Na região específica da Vila Romana, onde o latrocínio aconteceu, os índices estão em elevação. Segundo o Radar da Criminalidade do Estadão, o último mês de julho registrou aumento de 60% de ocorrências criminais nos entornos da rua Caio Graco na comparação com o mesmo período de 2023. A ferramenta agrupa, a partir dos registros policiais, os crimes de furto de celular, roubo de celular, furto de veículo, roubo de veículo, sequestro e latrocínio dentro um raio de 500 metros de uma localização escolhida pelo usuário (clique aqui para acessar a ferramenta).
Em 2024, foram registrados 32 casos em julho (mais de um por dia) ante 20 para o mesmo mês no ano passado. Foram sete registros de furto de celular, nove de roubo de celular, 15 de furto de veículo e um de roubo de veículo. No distrito da Lapa, onde se localiza a Vila Romana, a quantidade de crimes cresceu em 15% no período, somando 228 casos ante 198 ocorrências registradas em julho de 2023.
Questionado sobre os dados, o secretário reconhece que os índices possam ter avançado em alguns bairros específicos. “Do 4.º Batalhão como um todo, que abrange Lapa, Vila Leopoldina, Vila Romana, os indicadores estão em queda. Pode acontecer que um bairro tenha tido um aumento sim. Não tenho de cabeça essa análise micro. Essa análise de bairro a bairro oscila muito. Na capital como um todo, temos redução dos indicadores criminais”.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-SP) informa que houve uma “redução de 8,1% nos roubos em geral” entre janeiro e julho de 2024 comparado com o mesmo período do ano passado na região do 7° Distrito Policial (Lapa).
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Após o latrocínio, o secretário promete reforço do policiamento. “Estamos nos esforçando muito para aumentar o efetivo da polícia. Conseguimos a autorização do governador Tarcísio de Freitas para aumentar o número de policiais civis e militares. Isso demora. Nós recebemos o maior déficit de efetivo da história. Nós formamos agora 4.017 policias civis que tomaram posse no último concurso”.
O que aconteceu
Na manhã do último sábado, Campos e um comparsa ainda não identificado abordaram o delegado Mauro Guimarães Soares, na Rua Caio Graco. Soares caminhava com a esposa, Ana Paula Batista Ramalho Soares, que também é policial, perto do local onde moravam.
Ao perceber que se tratava de um assalto, o delegado reagiu e disparou duas vezes contra Campos, que caiu na calçada e foi imobilizado por Ana Paula. O comparsa fugiu correndo, já foi identificado, mas ainda está sendo procurado pela polícia.
O caso foi registrado como latrocínio (roubo seguido de morte) no 91º Distrito Policial (Ceasa) e será investigado pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), onde Soares atuava. / COLABOROU CAIO POSSATI
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