Motos, celulares e até carro blindado: onda de roubos assusta entorno do Ibirapuera; veja vídeos

Casos chamam atenção na Rua Macau e perto do Museu de Arte Contemporânea; concessionária que gere o parque afirma cobrar mais segurança; PM diz ter reforçado patrulhamento e Prefeitura cita reforço de GCM

PUBLICIDADE

Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

O supervisor técnico Gilson Coelho, de 41 anos, tem no exercício físico uma forma não só de espairecer, como de ver mais a filha, de 19 anos: semanalmente ele e a jovem saem para correr à noite no Parque do Ibirapuera, zona sul de São Paulo. Mas o último encontro não saiu como o esperado. Quando terminaram, a moto – estacionada na Rua Macau, próxima ao portão 6 do parque – tinha o banco quebrado e o módulo de ignição levado.

PUBLICIDADE

Roubos e furtos, especialmente de quem pratica esportes na região, assustam moradores da região e frequentadores do Ibirapuera.

A Polícia Militar diz ter reforçado o patrulhamento perto do parque e afirma fazer operações constantes, em especial para coibir crimes cometidos por motociclistas. “A região da 2.ª Delegacia Seccional, que abrange a área mencionada, registrou queda de 10% nos roubos em geral e de 31,4% nos roubos de veículos nos nove primeiros meses do ano.”

Já a Urbia, concessionária que gere o parque, afirma que tem cobrado mais policiamento no entorno. A Prefeitura diz que a Guarda Civil Metropolitana (GCM) também reforçou a segurança no parque e nos arredores.

Câmera de segurança na Av. Quarto Centenário; começo da manhã e o início da noite são considerados os horários mais críticos. Foto: Taba Benedicto/Estadão

“Fiquei indignado”, relatou Coelho, que mora em Diadema, na região metropolitana. Ele teve de chamar reboque para tirar o veículo dali – a filha voltou para casa de carro de aplicativo. Testemunhas relataram que o alarme da moto até disparou, mas não inibiu a ação dos bandidos.

Os frequentadores da região acreditam que os casos estejam subindo mais nas últimas semanas, com relatos de algumas vítimas que sequer registram boletim de ocorrência. As ocorrências chamam atenção na Rua Macau, no Jardim Lusitânia, e nos arredores do Museu de Arte Contemporânea (MAC), na Vila Mariana. Em geral, os ladrões agem de moto, e sobretudo no começo da manhã e da noite.

Os prejuízos são os mais diversos. Com a mão de obra, o conserto da moto de Gilson, por exemplo, ficaria por volta de R$ 1,2 mil, mas ele preferiu comprar só as peças (avaliadas em cerca de R$ 800) e consertar ele próprio para economizar pelo menos um pouco.

Publicidade

Até a última vez que falou com a reportagem, ele não havia registrado boletim de ocorrência. “Tenho seguro, mas só cobre quando rouba a moto toda. Agora tenho de focar em correr atrás do prejuízo.”

No último dia 15, o entregador de aplicativo Jorge Victor, de 20 anos, teve a moto furtada no mesmo local, um “bolsão” para esses veículos no cruzamento da Rua Macau com a Avenida Quarto Centenário – um dos maiores pontos de incidência dos furtos na via, segundo relatos. “Tinha marcado com uns amigos de se encontrar por lá, porque fica próximo das quadras”, disse. Por isso, deixou a moto, avaliada em cerca de R$ 15 mil, estacionada por ali.

Pela forma como a moto foi levada, fácil assim, a gente fica até sem acreditar

João Victor, entregador

“Quando voltei, entrei em pânico. Achei até que estava num pesadelo”, contou o jovem. “Pela forma como ela foi levada, fácil assim, a gente fica até sem acreditar.”

Imagens de câmeras de segurança mostram que a moto foi furtada por três bandidos de capacete. A vítima fez boletim, mas o veículo não foi encontrado. Agora, não consegue trabalhar. “Não tinha seguro nem nada. Achava que nunca seria furtado assim.”

Exatamente no mesmo dia, o engenheiro Ronald Dumani, de 59 anos, teve o capacete de sua moto de luxo, uma Royal Enfield, furtado no começo da noite. O veículo também estava estacionado no bolsão de motos da Rua Macau enquanto a vítima, que é maratonista, corria no parque.

Ao menos dois bandidos teriam participado da ação, segundo mostraram câmeras de vigilância posicionadas no bairro. Eles teriam arrebentado a trava de segurança para levar o equipamento.

Engenheiro Ronald Dumani teve capacete da moto levado enquanto estava correndo. Foto: Ronald Dumani/Arquivo pessoal

O capacete levado é avaliado em R$ 7 mil, mas não foi nem isso que mais afetou Ronald. “Tinha acabado de voltar de uma viagem para o Leste Europeu e colocado uns distintivos que ganhei de presente da minha namorada, tinha todo um valor sentimental”, disse ele, que atua como corretor de imóveis de alto padrão em bairros nobres no entorno do Ibirapuera. Ronald registrou boletim de ocorrência e o caso é investigado pelo 36º Distrito Policial (Vila Mariana). “Me informaram que ao menos um suspeito já foi identificado.”

Publicidade

Corredor é assaltado a uma quadra do Ibirapuera

No começo da manhã da última sexta-feira, 1.º, câmeras de segurança do bairro flagraram um corredor sendo assaltado ao descer do carro na Rua Ismael Guilherme, a uma quadra do Parque do Ibirapuera. A vítima teve o celular e até a chave do carro levados por dois motoqueiros armados por volta de 5h30, segundo uma moradora do bairro. A Polícia Civil afirmou que está analisando as imagens das câmeras de monitoramento para identificar os autores do crime.

O começo da manhã e o início da noite são considerados os horários mais críticos, justamente pela maior movimentação de frequentadores do parque. “No caso dos roubos, eles (criminosos) costumam chegar cedo, para assaltar à mão armada frequentadores em ruas que dão acesso ao parque, como a Macau e a Pedro de Toledo”, diz Nelson Cury, presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Jardim Lusitânia (Sojal).

“Faz uns 60 dias que vem piorando, mas pelo menos a gente tem observado que a polícia resolveu fazer mais blitzes e focar nas portas de entrada do parque”, acrescentou ele. Diante da situação, Nelson afirmou que a Sojal tem reforçado os pedidos de incremento no policiamento nas entradas do parque pela Avenida Quarto Centenário – além do portão 6, há também a entrada 5 por ali.

Ele reforça ainda a importância de as vítimas registrarem boletim. “Vemos que não é tão frequente o registro, tem muita gente que não acredita no boletim, mas hoje em dia é muito fácil – para muitos crimes pode se fazer até de forma eletrônica”, diz o presidente da Sojal. “Quanto mais boletins de ocorrência tiver, maior vai ser o mapa de calor e mais vai ter a atuação da polícia nessa área.”

Morador foi roubado à mão armada ao lado da filha de 2 anos

O gestor de tecnologia Peter Andrade (nome fictício), que é morador do Jardim Lusitânia e preferiu não se identificar, contou que foi assaltado à mão armada na região no último dia 24. Ele saiu para uma caminhada matinal com o cachorro e a filha, de 2 anos, quando foi abordado por um motociclista que tinha acabado de estacionar. “Ele gritou para que eu passasse o celular e falasse minha senha”, contou.

O morador, de 41 anos, disse ainda que, antes de fugir do local, o motoqueiro também tentou assaltar um corredor que passava por perto, mas o outro alvo estava sem o celular – o momento foi flagrado por uma câmera de segurança do bairro. O bandido saiu com pressa em sequência. Era por volta de 7h.

“Fui correndo para casa para trocar minhas senhas de e-mail e de outros aplicativos, o que impediu que o prejuízo fosse maior”, disse o morador. Ele relatou que não chegou a ter maiores prejuízos por conta disso. “Aplicativo de banco eu nem tinha no celular, justamente por segurança.”

Publicidade

Empresário teve carro de luxo blindado furtado na região

No caso dos furtos, não são só as motos que ficam na mira dos bandidos. O empresário Mateus Pinheiro, de 26 anos, vai até o Ibirapuera para correr pelo menos três vezes por semana. Em uma delas, no fim de março, tomou um susto: seu carro, um Audi Q5, foi levado por bandidos. “Fiquei com um sentimento de impotência”, afirmou.

Fiquei com um sentimento de impotência

Mateus Pinheiro, empresário

“Sempre tive o costume de estacionar fora, porque meu carro era blindado. Nunca tinha preocupação em relação a isso”, acrescentou. A surpresa com o furto foi tamanha que, quando não viu o carro, Mateus até chegou a andar por ruas próximas para se conferir se não tinha confundido onde havia parado.

Na ocasião, ele estava com uma amiga, que tinha deixado a mochila no carro. “Passaram um cartão dela que estava lá num posto de gasolina, foi um prejuízo de cerca de R$ 3 mil”, disse. O dinheiro desviado conseguiu ser recuperado junto ao banco posteriormente, com apresentação do boletim de ocorrência. O carro de Mateus tinha seguro, o que também evitou que o prejuízo fosse maior.

Agora, ele procura sempre parar no estacionamento interno do parque. Algumas vítimas ouvidas pelo Estadão, no entanto, relatam que não deixam o carro por lá pelos altos custos. Aos fins de semana e feriados, o valor cobrado chega a R$ 23. Para quem vai três vezes por semana, por exemplo, usar o local por até 3 horas em dias úteis (R$ 18) pode representar mais de R$ 200 por mês.

Entorno do portão 6 é um dos pontos com alto índice de ação de ladrões, afirmam moradores do bairro. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Moradores do Jardim Lusitânia ouvidos pelo Estadão afirmam que especialmente furtos de celulares e de veículos tornaram-se assuntos constantes em grupos de WhatsApp que reúnem quem mora no bairro. “Furtaram meu carro na porta da minha casa”, contou uma empresária de 45 anos, que também não quis se identificar. O caso ocorreu há seis meses.

Ele aponta que ocorrências de furtos de motos são frequentes na região, com muitos episódios no começo da noite – entre 18h e 20h, há muitos frequentadores no parque – em dias de semana. Por muitos moradores terem câmeras instaladas nos portões das casas, estabeleceu-se inclusive uma rotina de cooperação para tentar ajudar as vítimas.

“Só na última semana, dois motoqueiros que tiveram as motos furtadas tocaram minha campainha para ver se minha câmera tinha registrado”, disse. A moradora conta que há inclusive arrastões e roubos a visitantes do parque nas ruas do entorno. As abordagens variam, com atuação individual ou até em grupo.

Publicidade

Em julho, ao menos dois suspeitos foram presos após o registro de um arrastão, no começo daquele mesmo mês, nos arredores do Ibirapuera. Conforme a Secretaria da Segurança Pública (SSP), a ocorrência foi registrada pelo 16.º Distrito Policial (Vila Clementino) como ato infracional. O processo tramita na 2.ª Vara Especial da Infância e Juventude da Comarca de São Paulo.

“Houve casos até de pessoas que foram assaltadas quando desceram do carro de manhãzinha para chegar no parque”, afirma Douglas Melhem Jr, presidente do Conseg Paraíso e Vila Mariana.

Na avaliação dele, uma solução seria a instalação de câmeras de monitoramento no entorno de todo o parque, com integração com os programas Muralha Paulista, do Estado, e SmartSampa, da Prefeitura. “Mesmo se pusessem mais viaturas paradas, a área é muito grande. Eles podem até deixar de assaltar perto das viaturas, mas continuariam roubando do mesmo jeito.”

Furtos de celular chamam atenção perto de museu

O Radar da Criminalidade, ferramenta desenvolvida com exclusividade pelo Estadão com base em dados públicos, aponta que, em setembro, um dos pontos da região que mais concentrou casos de crimes, como roubos e furtos, é o entorno do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, situado na Avenida Pedro Álvares Cabral.

Foram registradas 20 ocorrências por ali em setembro deste ano, alta de 5,3% na comparação com o mesmo período do ano passado. A principal incidência foi de furtos de celular, com 14 casos. Uma das explicações para a incidência de casos com esse perfil nesse ponto é que, por ali, há muitos pontos de ônibus. Além de ser rente à Avenida 23 de Maio, considerada um ponto de fuga bastante recorrido.

Quando se leva em conta o portão 6 do Parque do Ibirapuera, que fica na Avenida Quarto Centenário e de frente para a Rua Macau, foram registrados 9 crimes em setembro, queda de 10% em relação ao recorte passado. Os furtos de celular, com 7 casos, também predominam. Ainda não há dados para o mês de outubro, mês em que ocorreram muitos dos casos levantados pelo Estadão para esta reportagem.

No caso de toda a área atendida pelo 36.º Distrito Policial (Vila Mariana), que abrange também a área do Parque do Ibirapuera, 299 furtos foram registrados em setembro (alta de 8,7%). Além disso, houve a notificação de 81 roubos (queda de 20,6%). Nos nove primeiros meses do ano, foram 2,8 mil furtos (alta de 0,3%) e 852 roubos (redução de 10,5%).

Publicidade

O que dizem governo de São Paulo, Prefeitura e Urbia

A Secretaria da Segurança Pública afirmou que, como resultado das ações na região atendida pela 2.ª Seccional, de janeiro a setembro, foram presos/apreendidos 2.824 suspeitos e recolhidas 249 armas de fogo ilegais (alta de 27,7%). “Ainda, na última segunda-feira, 4, cinco homens, com idades entre 23 e 36 anos, foram presos pela Polícia Militar pela prática de roubos. Eles foram detidos na zona sul”, afirmou.

A pasta acrescentou ainda que, sobre os casos envolvendo Jorge Victor, Ronald Dumani e Mateus Pinheiro, as investigações seguem em andamento. “A polícia trabalha em busca de elementos para a identificação dos envolvidos, esclarecimento dos fatos e recuperação dos bens subtraídos”, acrescentou.

PM diz ter reforçado patrulhamento perto do Parque do Ibirapuera e que faz operações constantes para coibir crimes cometidos por motociclistas. Foto: Taba Benedicto/Estadão

A Urbia, concessionária que administra o Parque do Ibirapuera, afirmou que, desde o início de sua gestão, acompanha a queda dos registros de casos de furtos e roubos dentro das áreas da concessão. A reportagem não teve acesso a esses números ou a dados sobre a movimentação no parque. “Não há relação entre o aumento de visitação e os casos de violência citados na matéria”, afirma a concessionária.

“No entanto, o seu entorno vem enfrentando os mesmos desafios de outras áreas da cidade, com a escalada de casos de furtos e roubos. Mesmo (o Ibirapuera) sendo considerado um dos espaços mais seguros da cidade, a Urbia tem solicitado formalmente ao Poder Concedente o aumento do efetivo da Guarda Civil Metropolitana (GCM) na região”, acrescentou a Urbia.

A concessionária reforçou que segurança interna do parque é uma responsabilidade compartilhada: enquanto a GCM e a PM atuam diretamente na proteção das pessoas, a Urbia se encarrega da segurança do patrimônio. “O Ibirapuera conta com 255 câmeras próprias instaladas em pontos estratégicos, todas integradas ao Centro de Controle Operacional (CCO) da concessionária. Esse sistema permite o monitoramento contínuo e o compartilhamento em tempo real de informações com as forças de segurança pública”, diz a empresa.

A Secretaria Municipal de Segurança Urbana afirmou, em nota, que a GCM reforçou a segurança no Parque Ibirapuera e seu entorno. “O patrulhamento foi ampliado em horários de maior movimento, com rondas motorizadas no perímetro do parque, incluindo a Praça Cidade de Milão, o Monumento às Bandeiras e a Avenida Pedro Álvares Cabral”, disse.

Conforme a pasta, o entorno do parque conta também com câmeras inteligentes do programa Smart Sampa, equipadas com leitores de placa, detecção de intrusão e reconhecimento facial. O sistema, integrado aos bancos de dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado e da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), já possibilitou a prisão de 10 foragidos e a localização de 23 desaparecidos.

Publicidade

“Apesar da gestão privada do Parque Ibirapuera, a GCM coordena com a concessionária ações para garantir apoio preventivo à segurança dos visitantes. De janeiro a outubro de 2024, foram realizadas 5.052 rondas, resultando em 55 pessoas conduzidas ao Distrito Policial”, acrescentou, por meio de nota, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.