MP apura envolvimento de fóruns de ódio na internet em atentado em escola

Grupo de Combate ao Crime Organizado foi destacado para atuar na investigação do ataque. Nas profundezas da web, esses endereços se alimentam com tragédia e incitam violência

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Foto do author Marco Antônio Carvalho
Por Bruno Capelas, Marco Antônio Carvalho e Paulo Roberto Netto

SÃO PAULO - O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, foi escalado pelo procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, para atuar nas investigações do ataque de dois atiradores na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, que terminou com dez mortos e 11 feridos anteontem.

A escolha de promotores especializados para o caso é explicada pela suspeita de que um grupo criminoso pode ter atuado com a dupla, diz Smanio, e colaborado com “crimes relacionados a terrorismo doméstico”. Um fórum que espalha ódio e se esconde nas profundezas da internet deve ser alvo da apuração.

G.T.M. (à esquerda) tinha 17 anos; e Luiz Henrique de Castro (à direita), 25 Foto: Reprodução

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“Faremos uma investigação ampla em todas as linhas para saber como eles (os atiradores) tiveram acesso às armas, se há um grupo que atua com eles, se há uma rede de comunicação entre eles, as motivações e a forma do crime”, afirmou Smanio. “Não descartamos nada. Se tiver outras pessoas envolvidas, vamos alcançá-las.”

O Ministério Público vai atuar com o núcleo de investigações cibernéticas do Gaeco para averiguar os contatos mantidos pela internet por Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, e pelo adolescente G.T.M., de 17 anos, responsáveis pelo ataque. Entre os vários elementos semelhantes do ataque na escola em Realengo, em 2011, com o de Suzano, um deles parece puxar um fio de conexão mais robusto.

Os criminosos dos diferentes casos foram exaltados como heróis em fóruns da chamada dark web. Trata-se de uma parte da internet que conta com um sistema de acesso específico que busca dificultar a identificação e os rastros dos seus usuários por meio de ferramentas como criptografia e embaralhamento de IPs, espécie de “CEP” do usuário na rede.

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Agora, a polícia e o MP investigam se o fórum fez mais do que aplaudir a tragédia na escola paulista, assim como já tinha feito no caso fluminense. Eles apuram se foi nesse canal que os atiradores do caso mais recente conseguiram informações importantes para concretizar o plano, como onde conseguir a arma, e onde teriam sido incentivados a praticar o massacre.

Os fóruns, que contam com um acesso intricado para leigos, são conhecido como “chans”, referência a channels (canais) e remetem ao início da década passada, quando se popularizaram no Japão. No Brasil, há ao menos dez anos os canais servem para distribuição de pornografia infantil, propagação de declarações racistas, homofóbicas e misóginas, além de crimes de outras naturezas, chegando até a ameaças terroristas. 

Seus usuários assumem uma linguagem própria e tentam afastar os novatos, sobre quem dirigem bullying. Quem resiste vai crescendo no respeito dos integrantes e ganhando destaque. Os chans geralmente reúnem adolescentes e homens jovens que se dedicam a disputar importância entre os pares a partir da gravidade do crime cometido. 

Expoente. O brasiliense Marcelo Valle Silveira de Mello, o Psy, de 33 anos, é considerado um expoente dos crimes cometidos e divulgados pelos chans. Ele seria o criador do Dogolachan, fórum onde o crime cometido em Suzano foi comemorado.

O atual administrador, que se autoidentifica como DPR, celebrou o massacre e disse que o fórum teve papel na sua preparação. DPR assumiu a administração do ambiente depois de Mello ter sido preso em maio de 2018 na Operação Bravata, da Polícia Federal no Paraná. Em dezembro, ele foi condenado a 41 anos de prisão por associação criminosa, divulgação de imagens de pedofilia, racismo, coação, incitação ao cometimento de crimes e terrorismo.

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A punição severa para Mello ocorre após ele ter sido alvo de outra operação da PF, em 2012, denominada Operação Intolerância. A PF atuou após quase 70 mil denúncias sobre o conteúdo de um site coordenado pelo criminoso. “As mensagens faziam apologia à violência, sobretudo contra mulheres, negros, homossexuais, nordestinos e judeus, além da incitação do abuso sexual de menores. Os criminosos também apoiaram o massacre de crianças praticado por um atirador em uma escola na cidade do Rio de Janeiro em 2011”, divulgou em nota a polícia naquela oportunidade. 

Após a investigação de 2012, Mello voltou a ser solto e, segundo o Ministério Público Federal (MPF), retornou de imediato à atuação criminosa. Agora, ele permanece preso enquanto recorre da condenação. Em janeiro, o Ministério da Justiça afirmou que Mello foi um dos responsáveis por dirigir ameaças ao ex-deputado federal Jean Willys (PSOL). 

Duas perguntas para Francisco Brito Cruz, diretor do Internet Lab

1. Como essa cultura dos ‘chans’ se manifesta? É uma cultura misógina, masculinista, com uma relação complexa com a mídia: a sensação de desastre é justamente o que se busca ali. É uma cultura que quer atrair atenção e criar tensão. Surgiu em fóruns de discussão na internet e passou a se esconder à medida que os discursos ali se tornaram radicais.

2. O que é a dark web? É uma parte da internet que utiliza tecnologias específicas para criar redes anônimas. Ela se baseia no preceito do anonimato e carrega o que vem junto com isso, mas não foi criada para cometer crime: o Tor (software para acessar a dark web) foi financiado pela Defesa dos EUA, como mecanismo de proteção da comunicação anônima.

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