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MP pede arquivamento de investigação sobre violência contra repórteres do Estadão no litoral norte

Manifestação do promotor é feita antes mesmo de a Polícia Civil encerrar investigação, o que “foge completamente à regra do processo penal”, segundo advogado dos jornalistas; SSP diz que caso segue sendo investigado

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Por Redação
Atualização:

Quase três meses após dois repórteres do Estadão serem agredidos enquanto trabalhavam na cobertura da intensa chuva que causou destruição e 65 mortes em São Sebastião, no litoral norte paulista, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) requereu nesta quinta-feira, 11, o arquivamento da investigação contra cinco suspeitos de praticar as agressões. A posição foi externada antes mesmo de a Polícia Civil encerrar a investigação, o que foi classificado como “gritante equívoco” pelo advogado dos repórteres. O juiz Guilherme Kirschner, do Juizado Especial Cível e Criminal de São Sebastião, ainda não se manifestou sobre o requerimento do MP-SP. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) disse que o caso segue em investigação pela Polícia Civil.

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O promotor Marcelo Otavio Camargo Ramos, da 3ª Promotoria de Justiça de São Sebastião, afirmou que, “ainda que supostamente a conduta dos moradores tenha sido truculenta, deu-se em razão da insistência dos jornalistas em se negar a apagar as imagens registradas e a permanecer no local, dando continuidade aos registros fotográficos e filmagens. Portanto, os condôminos agiram no exercício regular do direito, conforme o que dispõe o art. 1.210, §1º, do Código Civil.”

O dispositivo legal mencionado autoriza quem perdeu a posse de um bem a usar “sua própria força” para restituir a situação anterior, “contanto que o faça logo”. E, diz a lei, “os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”.

Ainda segundo Ramos, os jornalistas “invadiram um condomínio privado” com intenção de fazer as fotos, sem a autorização dos moradores. Não houve invasão – um dos repórteres, o fotógrafo Tiago Queiroz, entrou no local após a anuência de funcionários.

Segue o promotor: “Diante da ausência de elementos suficientes para embasar o devido processo legal, requeiro seu arquivamento em relação aos delitos de vias de fato, constrangimento ilegal e ameaça, sem prejuízo do estatuído no artigo 18 do Código de Processo Penal”. Esse artigo permite que a investigação seja retomada se surgirem novas provas.

Ele conclui dizendo que, quanto ao crime de injúria, esta depende de manifestação da vontade da vítima, não cabendo ao MP agir por conta própria. O inquérito policial instaurado na 2ª Delegacia de Polícia de São Sebastião investiga delitos de constrangimento ilegal, injúria, vias de fato e ameaça praticados por cinco pessoas contra dois repórteres do Estadão. Agora, o juiz vai se manifestar para decidir se arquiva o caso ou determina a continuidade da investigação.

Advogado que representa os jornalistas, Alexandre Daoun disse que o pedido de arquivamento neste momento é incomum, pois as investigações estão em andamento e são elas que fornecem as informações para o promotor decidir pela abertura de ação penal ou o arquivamento. “Foge completamente à regra do processo penal brasileiro”, afirmou. Segundo ele, faltam oitivas de dois proprietários de imóveis no condomínio e que estavam no local no momento das agressões.

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Também causou estranhamento ao advogado a argumentação do promotor sobre os jornalistas terem se recusado a apagar as imagens. “Não cabia aos jornalistas apagar a foto”, afirma. Ele lembra que um conteúdo pode ser passível de reparação, por exemplo, mas que naquele caso se tratava do cerceamento da produção das imagens.

Alexandre Daoun também explicou que o prazo legal para a deliberação do juiz sobre o pedido de arquivamento é de até dez dias nesse tipo de “decisão ordinária”. “Ele pode verificar esse equívoco e mandar voltar ou pode decidir em cima do parecer”, afirmou. “De qualquer forma, a gente vai peticionar nos autos destacando esse gritante equívoco de procedimento.”

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou que o caso segue em investigação pela Polícia Civil. “Já foram ouvidas as duas vítimas, os dois autores e outras duas testemunhas. A autoridade policial aguarda o retorno de duas Cartas Precatórias e solicitou mais prazo ao Poder Judiciário para conclusão do IP (inquérito policial), com concordância do MP”, apontou.

Condomínio em Maresias onde repórteres do Estadão foram agredidos em fevereiro durante a cobertura das chuvas na região. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Jornalistas foram alvo de xingamentos e empurrão

A repórter Renata Cafardo e o repórter fotográfico Tiago Queiroz cobriam os efeitos da trágica chuva que assolou o litoral norte de São Paulo quando, em 21 de fevereiro, chegaram ao condomínio Villa de Anoman, em Maresias, bairro de São Sebastião. Já haviam entrevistado alguns moradores quando foram abordados por outros, que questionaram Renata sobre o jornal para o qual estava trabalhando.

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Ela se identificou, e as pessoas passaram a xingá-la, dizendo “sua merda”, “comunista” e outras palavras. Também classificaram o Estadão como “jornal de merda”. O repórter fotográfico foi abordado e atacado por pessoas que tentaram tirar sua câmera, e uma dessas pessoas também empurrou Renata, que caiu ao chão, alagado.

Renata afirma que Queiroz foi o único a entrar. Para isso, ele pediu autorização a dois funcionários e foi atendido. Já a repórter permaneceu na calçada em frente ao condomínio, que é uma área pública.

Afirma ainda que não havia portões a transpor para entrar na área comum do condomínio, já que eles estavam abertos, e que a água da chuva tomava toda a região, quase chegando à altura da cintura das pessoas. Sobre os pedidos para apagar as fotos, Queiroz afirmou à Polícia Civil que chegou a apagar as imagens de um dos cartões da câmera fotográfica. Outro backup da máquina, porém, tinha mais fotos.

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