SÃO PAULO - Após seis meses de investigações, peritos do Ministério Público Federal (MPF) constataram um crime ambiental que ameaça a última reserva de Mata Atlântica às margens do Rio Pinheiros, na região do Panamby, na zona sul de São Paulo.
Em ação civil pública apresentada nesta sexta-feira, 5, à 21.ª Vara da Justiça Federal, os procuradores Priscila Costa, Adilson Amaral Filho e José Roberto Pimenta pedem liminar que estipule multa diária de R$ 50 mil às empresas donas do terreno - o Fundo Brascan (gerido pela Brookfield) e a Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário -, caso ocorra nova intervenção na vegetação.
Se forem condenados, os réus podem ter de pagar até R$ 162,4 milhões de indenização aos cofres públicos, por danos ambientais. Os procuradores também pediram a anulação dos pedidos de licença para a construção de um novo condomínio com 13 torres na área, localizada ao lado do Parque Burle Marx e considerada zona de preservação permanente desde 1995.
A estratégia para derrubar as árvores do terreno e que configura crime ambiental foi constatada pelo MPF, por técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e pela Polícia Militar Ambiental em vistorias realizadas nos meses de setembro e de outubro no terreno de 717 mil metros quadrados, o único da região ainda com mata fechada. Para derrubar espécies de vegetação raras com mais de 70 anos e 30 metros de altura, funcionários que trabalhavam sem autorização de órgãos públicos faziam cavas com 1,5 metro de profundidade ao lado dos troncos, desestabilizando as árvores, que acabavam caindo em menos de duas semanas.
Esses funcionários que faziam o desmatamento abrindo as cavas foram flagrados pelos peritos do MPF e do Ibama na tarde do dia 3 de setembro. Acionada no dia seguinte, a PM também constatou a existência das cavas como estratégia para a derrubada das árvores. Os funcionários pertenciam a uma empresa terceirizada que teria sido contratada pelas proprietárias do terreno.
Os pedidos de autorização para obras de um novo condomínio no local, alvo do desmatamento, tramitam desde maio do ano passado na Secretaria Municipal de Licenciamentos e na Cetesb. Acusados de omissão na fiscalização do que estava acontecendo dentro do terreno antes da emissão das licenças, Ibama e Cetesb também se tornaram réus na ação.
Autorizações. O MPF diz também que os empreendedores tentaram “fatiar o licenciamento”, com pedidos protocolados na Prefeitura e na Cetesb, como forma de evitar um único pedido de autorização no Ibama, responsável por conceder as autorizações nos terrenos com remanescentes de Mata Atlântica em áreas com mais de 3 hectares (30 mil metros quadrados).
“O licenciamento ambiental parcelado, por óbvio, desfigura a real dimensão do impacto ambiental da obra. A área a ser protegida tem 8,3 hectares e deveria ser licenciada pelo Ibama”, dizem os procuradores na ação. Mesmo após constatar o desmatamento com a estratégia das cavas com o MPF, o Ibama informou que não teria competência para fiscalizar o terreno. O argumento não foi aceito pelo MPF, que aponta o instituto como único órgão que seria capaz de analisar uma nova obra na área.
Vistorias. Em novas vistorias realizadas em outubro, os peritos do MPF também constataram outra estratégia para “limpar” o terreno, conhecida como “bosqueamento”. Os funcionários que trabalhavam no local derrubavam árvores de áreas com a mata bem fechada. A estratégia seria um meio de facilitar a obtenção de laudos favoráveis à obra, já que seria constatado pelos órgãos de licenciamento um número de árvores bem menor do que o original.
Ao todo, cerca de 5.500 árvores foram numeradas com placas pelos donos do terreno no ano passado.
“Elas estavam marcadas para morrer”, afirma o advogado Roberto Delmanto Júnior, morador na região e integrante da SOS Panamby, associação responsável por mover a ação contra o novo condomínio. Em oito meses, a entidade conseguiu 23 mil assinaturas de moradores da região do Panamby e do Morumbi contra a obra.
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