Uma mulher de 58 anos levou, em 2020, seu companheiro, um idoso de 92 anos, a uma agência bancária de Campinas, no interior de São Paulo. O objetivo era fazer a prova de vida para resgatar o benefício da aposentadoria. O problema: a rigidez cadavérica denunciava que o homem tinha morrido ao menos dez horas antes. O enredo, que lembra o caso da semana passada no Rio, acabou com absolvição da Justiça, mas por quê?
Na terça-feira, 16, Érika de Souza Vieira Nunes entrou numa agência bancária em Bangu, na zona oeste do Rio, na expectativa de finalizar um empréstimo de R$ 17 mil em nome do tio, Paulo Roberto Braga, de 68 anos. Imóvel, ele era conduzido por Érika em uma cadeira de rodas até que funcionários acionaram o Samu e a constatação da morte foi feita. A mulher foi presa e está sob investigação.
No caso de Campinas, segundo o registro policial, a mulher foi ao banco alegando que tinha perdido a senha para sacar a aposentadoria do companheiro, um escrivão de polícia viúvo e aposentado. Como não tinha procuração para movimentar a conta, ela foi orientada a fazer a prova de que ele estava vivo, por razões de segurança.
Quando retornou à agência com o companheiro na cadeira de rodas, na tentativa de apressar o atendimento, a mulher disse que o idoso estava passando mal e o serviço de resgate dos bombeiros foi acionado. A equipe do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) constatou que o homem estava morto e em rigidez cadavérica, ou seja, a morte não tinha sido recente.
A mulher não chegou a ser presa, mas o caso passou a ser investigado pelo 1º Distrito Policial de Campinas. Em novembro de 2022, a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Campinas relatou o inquérito pedindo o indiciamento da mulher por tentativa de furto mediante fraude e vilipêndio de cadáver, mesmos crimes agora imputados no caso do Rio de Janeiro.
O Ministério Público estadual não concordou com o pedido da ocorrência de Campinas por considerar que se tratava de “crime impossível”.
- Conforme o MP, a consumação do furto mediante fraude dependeria da prova de vida de uma pessoa que já se apresentava morta.
- A promotoria também entendeu que não houve vilipêndio, pois o objetivo da mulher era apenas sacar valores, supostamente usando o cadáver.
- A Justiça acolheu os argumentos do MP e da defesa da mulher, arquivando o caso em janeiro de 2021.
Ato contínuo, a mulher recorreu à Justiça para receber a aposentadoria do ex-companheiro e obteve decisão favorável.
Em sentença dada em agosto de 2023, após analisar provas e depoimentos de testemunhas, a Justiça entendeu que a companheira do idoso mantinha união estável com ele, tendo direito ao benefício. A decisão, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Campinas, determinou o pagamento retroativo, a partir da data do óbito.
Procurada pelo Estadão, a advogada que defendeu a mulher informou que o processo teve julgamento definitivo, sendo afastada qualquer suspeita em relação à alegada fraude.
Segundo ela, os próprios parentes do falecido confirmaram em depoimentos à Justiça a união estável entre eles, o que levou à decisão favorável também quanto ao direito à aposentadoria do ex-companheiro. Conforme a advogada, atualmente a mulher só deseja seguir sua vida.
No caso do Rio de Janeiro, a defesa de Érika tentou obter a soltura dela na Justiça, mas teve o pedido negado. O argumento é que ela possui um filho que necessita de acompanhamento, e por isso a soltura ou prisão domiciliar seriam necessárias.
A juíza que analisou o caso decidiu manter a prisão sustentando que a ação da mulher pode ser considerada “repugnante e macabra” caso seja confirmado que ela sabia que o tio estava morto ao levá-lo para o banco.
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